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Medidas executivas atípicas: O julgamento do Tema 1.137 e as balizas fixadas pelo STJ

Com a definição da tese repetitiva, a Corte Superior reconhece medidas executivas atípicas, impondo critérios, contraditório e proporcionalidade para garantir efetividade.

18/12/2025
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Em 2023, ao tratarmos das medidas executivas atípicas neste espaço1, já chamávamos atenção para o movimento jurisprudencial em curso no STJ e para a necessidade de se estabelecerem balizas objetivas ao uso dessas ferramentas previstas no art. 139, IV, do CPC.

À época, destacávamos que o debate ainda estava em formação e acompanhávamos de perto o julgamento do Tema 1.137, justamente por seu potencial impacto na prática da execução civil. Agora, com a definição da tese repetitiva pelo STJ  ainda pendente de publicação formal do acórdão - é possível avançar do terreno das hipóteses para uma análise mais concreta dos contornos adotados pela Corte.

No ambiente tradicional do processo de execução civil brasileiro, a efetividade executiva sempre esbarrou na rigidez dos meios típicos: penhora, bloqueios e medidas patrimoniais diretas formavam o repertório clássico para satisfação do crédito. Com o julgamento do Tema 1.137, o STJ reafirma uma leitura mais ampla - embora tecnicamente condicionada - do chamado “poder geral de efetivação”, reconhecendo a legitimidade do uso de meios executivos atípicos, como suspensão de passaporte, apreensão de CNH e restrições ao uso de cartões de crédito.

A Corte, contudo, afastou qualquer ideia de liberalidade irrestrita. A tese firmada estabelece que a adoção dessas medidas exige a observância cumulativa de critérios rigorosos, entre os quais se destacam: (i) a ponderação entre a efetividade da execução e o princípio da menor onerosidade ao executado; (ii) o caráter subsidiário das medidas atípicas, após o esgotamento dos meios executivos tradicionais; (iii) a necessidade de fundamentação concreta, vinculada às circunstâncias específicas do caso; e (iv) o respeito ao contraditório, à proporcionalidade e à razoabilidade, inclusive quanto à duração da medida.

Esse conjunto de requisitos demonstra que o STJ não transformou as medidas atípicas em instrumentos automáticos de coerção, mas as enquadrou como mecanismos excepcionais, a serem utilizados com critério. O Tribunal procurou, assim, afastar tanto a banalização dessas providências quanto a resistência puramente ideológica ao seu emprego, optando por um caminho intermediário, institucionalmente mais maduro.

Um ponto relevante do debate - ainda que não incorporado expressamente à tese final - foi a discussão sobre a exigência de indícios concretos de patrimônio expropriável. Prevaleceu o entendimento de que tal requisito, se imposto de forma absoluta, poderia esvaziar a utilidade das medidas justamente nos casos em que há ocultação patrimonial deliberada, sem prejuízo de que essa circunstância seja considerada na fundamentação do caso concreto.

Do ponto de vista prático, o julgamento deixa claro que as medidas atípicas não são instrumentos de punição, nem atalhos para suprir deficiências probatórias do credor. Seu papel é coercitivo e funcional: devem servir à superação de comportamentos resistentes e injustificados do devedor, quando os meios tradicionais se revelarem ineficazes.

Outro aspecto que merece destaque é o reforço ao contraditório substancial. O STJ enfatizou a necessidade de que o executado seja previamente ouvido e de que a decisão judicial demonstre, de forma individualizada, a adequação e a necessidade da medida eleita. Trata-se de exigência que reforça a segurança jurídica e reduz o espaço para decisões padronizadas ou meramente simbólicas.

Sob a perspectiva sistêmica, o Tema 1.137 consolida uma evolução relevante do processo civil contemporâneo: a execução deixa de ser um espaço de tipicidade fechada para assumir um modelo de efetividade responsável, no qual eficiência e garantias fundamentais não são valores antagônicos, mas parâmetros que devem coexistir.

Em síntese, o julgamento não amplia indiscriminadamente os poderes do juiz, tampouco esvazia a força das medidas executivas atípicas. O que o STJ fez foi qualificar o seu uso, transformando instrumentos antes vistos com desconfiança em ferramentas juridicamente legítimas, desde que aplicadas com técnica, fundamentação e respeito ao devido processo legal. Para credores e devedores, o recado é claro: a execução civil segue se modernizando, mas sem romper  com os pilares que sempre sustentaram a racionalidade do sistema.

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1 https://fflaw.com.br/medidas-executivas-atipicas/

Autor

Bruno Maglione Sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, responsável pelas áreas de contencioso cível, arbitragem e imobiliário. Mestre em Direito dos Negócios pela FGV/SP.

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