No último dia 8/12, entrou em vigor a lei 15.280/25, que altera o CP, o CPP, a lei de execução penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, promovendo uma série de mudanças e uma verdadeira reforma nos crimes contra a dignidade sexual e naqueles praticados contra pessoas vulneráveis.
Dentre as modificações legislativas mais relevantes, é importante destacar o aumento de pena expressivo no crime de estupro de vulnerável e suas modalidades qualificadas - chegando a 40 anos quando houver resultado morte, pena máxima permitida pela legislação penal brasileira -, e também nos delitos de corrupção ou exploração sexual de menores e divulgação de cenas de abusos ou atos sexuais envolvendo crianças e adolescentes.
Sob o ponto de vista do processo penal, o novel pacote legislativo cria um título de medidas cautelares inteiramente novo, trazendo a mesma sistemática das medidas protetivas de urgência da lei Maria da Penha para os delitos que violam a dignidade sexual. Dentre elas, as principais são: 1) suspensão do porte de armas; 2) afastamento do lar; 3) proibição de contato com a vítima, familiares e testemunhas; 4) fixação de alimentos provisórios; 5) e monitoramento eletrônico Front Door.
Além das vítimas de crimes sexuais, esse novo regime de medidas cautelares inspirado na lei Maria da Penha aplica-se também a todas as pessoas que estejam em condição de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiências ou incapazes, independentemente da natureza do delito. Sem dúvidas surgirá a discussão sobre se o rol é exaustivo ou meramente exemplificativo, permitindo a interpretação extensiva.
Como forma de assegurar o cumprimento das medidas cautelares especiais e garantir uma maior proteção a todos que estão mais sujeitos à prática de crimes sexuais ou se encontram em outra situação de vulnerabilidade, a lei 15.280/25 criou o crime de descumprimento das medidas protetivas de urgência dos arts. 350-A e 350-B do CPP, inserindo o art. 338-A no CP.
Para além do tratamento mais rigoroso dado aos criminosos sexuais tanto nas penas quanto no curso do processo, a lei da dignidade sexual também modificou o próprio cumprimento da pena de prisão para condicionar a saída do custodiado do estabelecimento penal à fiscalização através de monitoração eletrônica.
O que se percebe é que a lei 15.280/25 representa um divisor de águas na resposta do poder punitivo estatal aos crimes sexuais e na tutela penal dos grupos vulneráveis. Os impactos desse novo microssistema penal são significativos e serão sentidos desde a prática forense de advogados e agentes públicos, passando por questões de política de segurança pública e do sistema prisional, até o regime das cautelares pessoais - em especial, da prisão preventiva -.
O questionamento com ares de crítica que fica é se o punitivismo e o agravamento da resposta penal em si é o instrumento realmente adequado para prevenir essas práticas criminosas. Ao mesmo tempo que aprovamos marcos legislativos que aparentemente revelam uma tolerância zero com crimes sexuais e infrações penais contra vulneráveis, continuamos vivendo em uma sociedade marcada pela violência patriarcal estrutural e crescente que, além de reduzir mulheres, crianças e adolescentes a uma condição de inferiorização e dominação, estatisticamente tem um contingente muito maior de delitos sexuais praticados nos núcleos familiares e círculos sociais mais próximos dessas vítimas.