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Golpe da falsa central de atendimento e a responsabilidade dos bancos

A falha na prestação do serviço e a impossibilidade de transferência do risco ao consumidor.

26/12/2025
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Resumo

O presente artigo analisa a responsabilidade civil das instituições financeiras diante dos golpes conhecidos como “falsa central de atendimento”, modalidade de fraude bancária que tem se intensificado com o avanço tecnológico e a digitalização dos serviços financeiros. A partir da aplicação do CDC e da teoria do risco do empreendimento, examina-se o dever de segurança imposto aos bancos, a caracterização do fortuito interno e a impossibilidade de imputar ao consumidor a responsabilidade pelos prejuízos sofridos. O estudo evidencia que a vulnerabilidade técnica do consumidor, aliada à falha na proteção de dados e na prevenção de transações atípicas, impõe às instituições financeiras o dever de indenizar os danos materiais e morais decorrentes dessas fraudes.

1. Introdução

A crescente sofisticação das fraudes bancárias acompanha a evolução dos meios tecnológicos utilizados pelas instituições financeiras. Se, por um lado, a digitalização ampliou o acesso aos serviços e facilitou operações cotidianas, por outro, também expôs o consumidor a riscos cada vez mais complexos, sobretudo quando associados ao uso indevido de dados pessoais e bancários.

Nesse contexto, destaca-se o chamado golpe da falsa central de atendimento, prática criminosa em que terceiros se passam por funcionários da instituição financeira, induzindo o consumidor a autorizar transações fraudulentas. A relevância jurídica do tema reside na definição da responsabilidade pelos prejuízos causados e na análise do dever de segurança inerente à atividade bancária.

2. A dinâmica do golpe da falsa central de atendimento

O golpe da falsa central de atendimento caracteriza-se pelo contato telefônico realizado por fraudadores que se identificam como representantes do banco, utilizando linguagem técnica, informações sigilosas do cliente e mecanismos tecnológicos capazes de mascarar o número de origem da chamada, conferindo aparência de legitimidade ao contato.

A abordagem costuma envolver a alegação de movimentações suspeitas, tentativas de bloqueio de conta ou necessidade urgente de validação de dados. Diante da aparente veracidade da situação, o consumidor, que não detém conhecimento técnico suficiente para identificar a fraude, acaba seguindo as orientações fornecidas, o que resulta na realização de transferências indevidas, contratações não autorizadas ou esvaziamento da conta bancária.

Trata-se de uma conduta que explora a confiança do consumidor no sistema bancário e evidencia fragilidades na proteção de dados e nos mecanismos de prevenção de fraudes.

3. A relação de consumo e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor

É incontroverso que a relação estabelecida entre o cliente e a instituição financeira possui natureza consumerista. As atividades bancárias enquadram-se no conceito de prestação de serviços, atraindo a incidência das normas protetivas do CDC.

Nesse cenário, o banco assume o dever legal de fornecer serviços seguros, adequados e eficientes. A segurança, longe de ser um elemento acessório, constitui parte essencial do próprio serviço bancário, sobretudo em um ambiente marcado por operações digitais, pagamentos instantâneos e circulação massiva de dados sensíveis.

A falha na prestação do serviço se caracteriza quando a instituição não adota medidas eficazes para impedir o acesso indevido a dados do consumidor ou para identificar e bloquear transações manifestamente incompatíveis com o perfil habitual do cliente.

4. Teoria do risco do empreendimento e fortuito interno

A responsabilidade das instituições financeiras, nos casos de golpe da falsa central, fundamenta-se na teoria do risco do empreendimento. Segundo essa concepção, aquele que explora atividade econômica deve suportar os riscos inerentes ao seu exercício, não podendo transferi-los ao consumidor.

As fraudes praticadas por terceiros, quando relacionadas à própria dinâmica do serviço bancário, configuram fortuito interno. Ainda que o banco também sofra prejuízos decorrentes da atuação criminosa, tal circunstância não rompe o nexo causal em relação ao dano suportado pelo consumidor.

A atividade bancária, por sua natureza, envolve elevado risco e exige investimentos constantes em tecnologia, governança de dados e sistemas de monitoramento. A ineficiência desses mecanismos não pode ser imputada à parte mais vulnerável da relação.

5. A vulnerabilidade do consumidor e a indução a erro

Nos golpes da falsa central de atendimento, o consumidor é induzido a erro por circunstâncias que escapam ao seu controle. O acesso prévio do fraudador a dados pessoais e bancários compromete a capacidade de discernimento da vítima e reforça a aparência de legitimidade do contato.

Não se pode exigir do consumidor médio conhecimento técnico suficiente para identificar falhas de segurança sistêmicas ou distinguir, em tempo real, um contato legítimo de uma fraude sofisticada. A tentativa de atribuir culpa exclusiva ou concorrente ao consumidor, nessas hipóteses, revela-se incompatível com os princípios da boa-fé objetiva e da proteção do hipossuficiente.

6. Dano moral e a quebra da confiança no sistema bancário

O prejuízo sofrido pelo consumidor em decorrência dessas fraudes não se limita à esfera patrimonial. A subtração indevida de recursos, aliada à sensação de impotência, insegurança e violação da confiança depositada na instituição financeira, gera abalo moral relevante.

O dano moral, nesses casos, decorre da própria gravidade da falha do serviço e da quebra da expectativa legítima de segurança. A experiência vivenciada pelo consumidor ultrapassa o mero dissabor cotidiano, atingindo sua tranquilidade, dignidade e estabilidade financeira. 

7. Considerações finais

O golpe da falsa central de atendimento evidencia, de forma contundente, os riscos inerentes à atividade bancária moderna e a necessidade de fortalecimento dos mecanismos de proteção ao consumidor. A responsabilidade das instituições financeiras, nesses casos, decorre não apenas da legislação consumerista, mas também da lógica econômica que rege o risco do empreendimento.

Transferir ao consumidor o ônus de fraudes sofisticadas, viabilizadas por falhas na segurança dos sistemas bancários, significaria esvaziar a função protetiva do Direito do Consumidor e legitimar a precarização do dever de segurança.

Conclui-se, portanto, que a atuação firme no reconhecimento da responsabilidade civil das instituições financeiras representa medida necessária para a efetividade da tutela do consumidor, o equilíbrio das relações contratuais e a preservação da confiança no sistema financeiro.

Autor

Andréia de Freitas Targa Guimaraes Advogada- Graduada em Direito Financeiro e Tributário pela UERJ, Graduada em D. Família e Sucessões pela PUC/RJ, Especialista em Direito do Consumidor Bancário.

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