Migalhas Quentes

Evandro Lins e Silva - 100 anos

Celebra-se hoje o aniversário de nascimento do jurista Evandro Lins e Silva. Se vivo, o "defensor da liberdade" faria 100 anos.

18/1/2012

Centenário

Evandro Lins e Silva - 100 anos

Era uma típica tarde de inverno carioca: o dia ensolarado tinha sido quente, mas a brisa marinha já trazia o frescor da noite.

Estamos em junho de 1992.

Numa mesa da charmosa Confeitaria Colombo, o imortal Evandro Lins e Silva narrava a seu confrade Barbosa Lima Sobrinho como eram as alegações finais que acabara de protocolar no Congresso no processo de impeachment do presidente Collor.

Gostosamente, o jurista lia um trecho da petição: "No caso do denunciado, soma-se um acasalamento intolerável, contubérnio inconcebível com traficantes de influência comprovadamente corruptos e corruptores".

Barbosa Lima Sobrinho divertia-se com os termos do libelo, e não deixava de assentir com a cabeça, enquanto levava à boca mais uma xícara de chá.

Os clientes do tradicional estabelecimento da rua Gonçalves Dias, orelhas em pé, acompanhavam cada palavra. Todos, aliás, sabiam que ali estava o grande tribuno pátrio: Evandro Lins e Silva.

Sobre o caso, em que o grande defensor se transformara em acusador, Lins e Silva esclarecia: "Não me considero advogado da acusação, mas da defesa do país". De fato, com essas palavras ele descreveu como foi estar na posição de advogado dos autores da ação popular que solicitou à Câmara dos Deputados a abertura do processo de impugnação de mandato do então chefe de Estado.

Dr. Evandro, que faria 100 anos hoje, 18 de janeiro de 2012, nasceu em Parnaíba/PI e formou-se em Direito na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

Trabalhou em diversos jornais, como A Batalha, A Nação e O Jornal. E foi como jornalista que começou a frequentar o fórum e se apaixonou pela advocacia criminal. Era repórter do Diário de Notícias quando cobriu os julgamentos de Idelfonso Simões Lopes, que matara o deputado Sousa Filho dentro da Câmara dos Deputados, e da jornalista Síylvia Serafim Thibau, que assassinara Roberto Rodrigues, irmão do dramaturgo Nelson Rodrigues, na redação do jornal A Crítica.

Em seu primeiro caso, defendeu um homem acusado de matar sua amante. Perdeu, mas ficou conhecido por sua impressionante retórica.

Lins e Silva foi um dos signatários da ata de fundação da UDN - União Democrática Nacional, principal partido de oposição a Getúlio Vargas. Defendeu mais de 2 mil presos políticos durante o triste período do Estado Novo.

Em 1941, casou-se com Maria Luisa Konder (Musa). Do matrimônio de 43 anos resultaram Ana Teresa, Carlos Eduardo, Patrícia e Cristiano.

Patrocinou, em 1947, perante o STF, a defesa do desembargador Edgard Joaquim de Souza Carneiro, incriminado de homicídio do advogado Otávio Barreto no edifício do foro do TJ/BA. O Supremo reconheceu ter o acusado agido em legítima defesa.

Na década de 1950, representou Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil entre 1951 e 1953, num processo em que este era acusado de ter favorecido empréstimos para a montagem do jornal Última Hora. Na CPI do Última Hora, em 1953, advogou para o jornalista Samuel Wainer, indiciado por não ser brasileiro, e como se sabe o não nato não poderia ser proprietário de veículo de comunicação.

Defendeu, em 1955, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, cujo filme Rio 40 graus foi censurado pelo chefe do Departamento Federal de Segurança Pública, coronel Geraldo de Menezes Cortes. Lins e Silva conseguiu um mandado de segurança contra a portaria do coronel alegando seu caráter ilegal e arbitrário. O filme foi liberado.

Nos anos 60, tornou-se procurador-geral da República e, em 1963, integrou a delegação brasileira, chefiada pelo vice-presidente João Goulart, em viagem oficial à União Soviética e à China. Também no ano de 1963, foi sucessivamente designado chefe da Casa Civil da Presidência da República e ministro das Relações Exteriores.

No ano seguinte, foi nomeado ministro do STF.

Com a chegada da ditadura militar, foi compulsoriamente aposentado em 1969, por força do AI-5. O fato de ser socialista e de conceder HCs a "subversivos" foram as causas de seu afastamento do governo. Em seu livro "A Folha Dobrada", Goffredo Telles Junior mostra a proximidade de Lins e Silva com a esquerda: "Em torno de João Goulart, trabalhava uma plêiade preclara de políticos e de cientistas políticos, como João Mangabeira, Tancredo Neves, Celso Furtado, Almino Affonso, Darcy Ribeiro, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva, Augusto Frederico Schmidt, San Tiago Dantas...".

Ainda em 1969, redigiu a defesa do então senador Nelson Carneiro, acusado de tentativa de homicídio contra o deputado Estácio Sotto Maior, praticada no prédio da Câmara.

Em 1974, foi advogado do acadêmico Ivan Lins, no extinto Tribunal Federal de Recursos, na queixa-crime por injúria à memória de Agripino Grieco oferecida pelo embaixador Donatello Grieco, filho do falecido epigramista. A queixa, graças à defesa de Lins e Silva, não foi nem sequer recebida.

Foi alvo de críticas feministas, em 1976, ao defender Doca Street, namorado e assassino de Ângela Diniz (sobre este caso há interessante passagem anotada pelo criminalista Paulo José da Costa Jr. em seu livro "Crônicas de um criminalista", no qual registra mágoa havida com Lins e Silva).

O jurista marcou presença na campanha pelas Diretas Já e ajudou a fundar o PSB - Partido Socialista Brasileiro. Também escreveu os livros A Defesa tem a Palavra, Arca de Guardados e O Salão dos Passos Perdidos.

Foi a favor da descriminalização das drogas e do desarmamento, além de professor universitário, presidente de diversas associações de Direito e correspondente da ONU no Brasil para matéria penal e penitenciária.

Além disso, compôs o conselho da OAB entre 1944 e 1961, e depois, de 1983 a 1995.

Em abril de 2000, defendeu o líder dos Sem Terra, José Rainha Júnior, acusado de homicídio de um fazendeiro e de um policial militar. O trabalhador rural já havia recebido a pena de 26 anos de prisão no primeiro julgamento. Neste segundo, foi evandramente absolvido.

Em 2002, voltando de Brasília, quando havia sido nomeado Conselheiro da República por FHC, Lins e Silva sofre um escorregão no saguão do Aeroporto Santos Dumont. Neste acidente, aparentemente prosaico (não para um nonagenário), ele sofre um traumatismo craniano. Alguns dias depois, aos 90 anos, a 17 de dezembro de 2002, morre Evandro Lins e Silva.

Permanece, no entanto, vivo na mente de todos aqueles que tiveram o privilégio de ouvir-lhe à tribuna.

Veja abaixo algumas imagens que registram sua intensa e laboriosa existência.

_________

VEJA


Da esquerda para a direita: José Eduardo Faria, José Carlos Dias, Dalmo Dallari, Antonio Carlos Penteado de Moraes, Miguel Reale Júnior, Márcio Thomaz Bastos, Evandro Lins e Silva, Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay), Luis Francisco de Carvalho Filho, Fernando Lutemberg, Sergio Bermudez, Eduardo Seabra Fagundes e Benedito Patti

FOLHA DE S. PAULO

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