O mercado brasileiro de ativos estressados foi tema de debate realizado ontem, 13, em São Paulo, no evento "ATIVOS – Financial Markets and Insolvency", promovido pelo Ibajud - Instituto Brasileiro de Insolvência, fundado por Rosely Cruz, sócia-fundadora do escritório Cruz Amaral & Dias.
Reunindo gestores dos mais relevantes fundos de investimento — entre eles Grupo ADGM, Lepta Capital, ASA, Enforce Community do BTG Pactual e Invista — e expoentes do direito empresarial e falimentar, o encontro sinalizou uma guinada no papel desses instrumentos para a reestruturação de empresas, com perspectiva de que o volume de carteiras cedidas chegue a R$ 100 bilhões até 2029.
O fórum serviu de palco para uma reflexão madura sobre o avanço dos chamados "distressed assets" — créditos de difícil recuperação, imóveis retomados, participações societárias de empresas em crise e outros ativos de alto risco que ganham protagonismo nos mercados financeiros de retomada.
Os debates mostraram como o mercado brasileiro começa a consolidar práticas mais sofisticadas e inovadoras, distanciando-se do modelo tradicional, antes restrito ao varejo e à cessão de créditos de pessoa física.
Entre as pautas mais relevantes estiveram as operações de aquisição de dívidas, o financiamento de transações tributárias para empresas em dificuldades e o aproveitamento estratégico de ativos operacionais e não operacionais como ferramenta de liquidez e garantia.
Os painéis destacaram ainda o impacto dos créditos tributários na infraestrutura das operações, além do efeito regulatório que confere maior transparência e previsibilidade ao ambiente de negócios.
Breno Miranda, presidente do Ibajud, enfatizou a relevância do evento para aproximar investidores com profissionais de reestruturação empresarial e fomentar o amadurecimento do setor.
"Observamos um crescimento expressivo nesse segmento e, dentro dos processos de insolvência — seja recuperação judicial, extrajudicial ou falência — surgem inúmeras oportunidades. Por isso, é imprescindível que todos estejam reunidos em um mesmo ambiente para discutir oportunidades, fomentar a inovação e, sobretudo, reforçar a segurança jurídica", afirma Miranda.
A evolução do setor, segundo Daniel Garcia, CEO e sócio-fundador do Grupo ADGM Soluções Financeiras, passa pelo desenvolvimento de novos instrumentos e pelo reposicionamento dos bancos, que nos últimos anos deixaram de atuar apenas no varejo para estruturar seus próprios fundos e impulsionar o surgimento de gestoras independentes.
"Esse amadurecimento trouxe modernização para áreas essenciais, como pesquisa, precificação e recuperação de ativos, além de processos de ajuizamento e acompanhamento das operações. O resultado disso é um crescimento expressivo. Em 2024, o setor atingiu R$ 60 bilhões em carteiras cedidas, e a expectativa é de alcançarmos R$ 100 bilhões até 2029", reforça Garcia.
"No contexto atual, o mercado de FIDCs consegue suprir com agilidade e custos mais competitivos as necessidades das empresas em dificuldades, oferecendo soluções robustas que antes eram exclusivas dos bancos. Isso cria um cenário mais eficiente, moderno e acessível para a reestruturação corporativa no Brasil", observa Bruno Domingues, CEO e fundador da Lepta Capital.
Ricardo Cardoso, sócio do BTG Pactual e CEO da Enforce Gestora de Ativos Alternativos, contextualizou a importância do ambiente de crédito estressado para a economia real.
"O mercado de ativos estressados desempenha um papel fundamental no ecossistema de crédito e na economia brasileira, especialmente em um contexto em que o default ou parte da inadimplência se torna uma necessidade do ciclo econômico ou de desafios tecnológicos. Empresas em situação de dificuldade precisam ser reestruturadas, o que exige, além de uma sólida tecnologia jurídica de reestruturação, a injeção de novo capital — fundamental para dar nova vida e valor à companhia", avalia Cardoso.
O evento também foi ocasião para uma defesa contundente do instituto da recuperação judicial, alvo de críticas públicas recentes que, segundo Miranda, desconsideram sua importância socioeconômica.
"Reduzir todo esse ecossistema a um interesse corporativo é desinformar e desrespeitar o trabalho sério realizado por tantos profissionais e instituições. A advocacia especializada, o Judiciário e os administradores judiciais não criam crises — eles enfrentam desafios reais, regulando e ordenando situações de extrema adversidade".
"Se cresce o número de pedidos de recuperação judicial, é porque existe endividamento real, falta de crédito e desequilíbrio econômico, não por oportunismo. Preservar empresas viáveis é, acima de tudo, uma decisão que atende ao interesse maior da sociedade", conclui Breno Miranda.