A 6ª turma do STJ decidiu, por maioria de votos, manter a condenação do blogueiro Allan dos Santos pelo crime de calúnia contra a cineasta Estela Renner, ao entender que a revisão da tipificação penal demandaria reexame de provas, o que é vedado pela súmula 7 do STJ.
Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Sebastião Reis Júnior, acompanhada pelos ministros Og Fernandes, Rogério Schietti Cruz e Carlos Pires Brandão. Ficou vencido o relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, que havia votado pela desclassificação do crime para injúria e pela prescrição da pretensão punitiva.
Com a decisão, o colegiado manteve a condenação imposta pelo TJ/RS a um ano, sete meses e um dia de detenção.
Contexto do caso
O TJ/RS havia condenado Allan dos Santos ao entender que suas falas em vídeo publicado no canal "Terça Livre", ao criticar a exposição "Queermuseu", imputaram falsamente à cineasta e ao Instituto Alana o incentivo ao uso de drogas por crianças.
Em decisão monocrática de junho, o ministro Saldanha Palheiro havia desclassificado a calúnia para injúria e reconhecido a prescrição. A decisão, contudo, foi revertida pelo colegiado nesta terça-feira, mantendo-se o acórdão condenatório proferido pelo TJ/RS.
Relator destacou que calúnia exige imputação de fato determinado
O ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator do caso, reafirmou seu entendimento de que as expressões proferidas pelo blogueiro, entre elas a de que a cineasta “quer destruir a família e bota maconha na boca das crianças” , embora “extremamente grosseiras e ofensivas”, não configuram o crime de calúnia, por falta de imputação falsa de fato determinado.
Citando doutrina e jurisprudência da Corte, ressaltou que a configuração do crime de calúnia exige a imputação falsa de fato determinado e definido como crime, portanto declaração genérica não configura calúnia.
Por fim, o ministro esclareceu que, embora as falas do blogueiro sejam reprováveis, não delimitam concretamente um crime, motivo pelo qual considerou mais adequada a tipificação por injúria.
Com o novo enquadramento, o relator reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, extinguindo a punibilidade.
Reexame de provas é vedado pela súmula 7
O ministro Sebastião Reis Júnior abriu divergência, sustentando que o TJ/RS examinou de forma detalhada o contexto das manifestações e concluiu, com base no conjunto probatório, pela configuração da calúnia. Portanto, reverter essa conclusão exigiria reavaliação fática, o que é vedado pela súmula 7.
“O TJ/RS é muito claro em concluir no sentido de que houve calúnia, e para essa conclusão houve um exame pormenorizado do contexto fático. (...)Não vejo como superar essa questão da súmula 7.”
O ministro leu trechos do acórdão do TJ/RS, destacando que o tribunal estadual entendeu que o blogueiro, ao citar nominalmente a cineasta, imputou condutas criminosas, sugerindo que ela e o Instituto Alana “estariam induzindo ou instigando o público infantil ao uso indevido de drogas” e “recebendo valores por meios obscuros com o objetivo de destruir a família”.
Os ministros Og Fernandes, Rogério Schietti Cruz e Carlos Pires Brandão acompanharam a divergência.
Ao votar, Brandão destacou que a tipificação da conduta como calúnia decorreu de análise minuciosa do contexto das declarações, da identificação da vítima e do teor das expressões, e que "a diferenciação entre calúnia e injúria, em casos como o presente, depende da análise do conteúdo das expressões e do contexto, questão que demandaria valoração probatória vedada a esta corte superior".
"O conteúdo integral do vídeo, o contexto das manifestações, a forma como a querelante foi identificada e as circunstâncias da comunicação difamatória. A Corte estadual analisou em profundidade o contexto em que as palavras foram proferidas, o discurso completo do agravado, as expressões utilizadas e o tom agressivo das manifestações. Não aplicou simplesmente conceitos jurídicos a fatos incontroversos, mas examinou detidamente as provas documentais", concluiu o ministro.
O ministro ainda ressaltou que, segundo a jurisprudência e a doutrina penal, a calúnia não exige descrição detalhada de todas as circunstâncias, bastando que haja imputação falsa de conduta criminosa identificável, o que, no caso, estaria configurado.
O escritório Rahal, Carnelós, Vargas do Amaral Advogados, por sua sócia Flávia Rahal, atuou na causa representando a cineasta.
- Processo: REsp 2.059.633