Migalhas Quentes

FGV Direito SP revela invisibilidade racial na governança climática global

Pesquisa aponta exclusão racial nas políticas climáticas e defende maior representatividade global.

7/11/2025

Pesquisa inédita do Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP, em parceria com o Geledés – Instituto da Mulher Negra, revela que a normativa climática internacional ignora de forma sistemática a dimensão racial da crise climática. O mapeamento realizado entre 1992 e setembro de 2025 identificou entre 115 documentos internacionais analisados que apenas 23% deles mencionam os afrodescendentes, e 95,6% das referências à questão racial estão em documentos sem força legal, ou seja, documentos que os Estados membros da ONU não têm a obrigatoriedade de aderir porque fica a critério de cada país fazer isso.

A normativa climática se refere ao conjunto de regras, princípios, leis e instrumentos jurídicos e políticos que orientam as ações dos Estados, empresas e sociedade civil no enfrentamento das mudanças climáticas. Em outras palavras, é o marco normativo (ou arcabouço legal e institucional) que define como os países devem mitigar, adaptar-se e responder aos impactos climáticos, de acordo com compromissos nacionais e internacionais.

A análise ainda destaca que a intersecção entre raça e clima aparece em 89 documentos (44,5% do total). No entanto, apenas dois desses documentos vinculantes abordam explicitamente essa intersecção, sugerindo que os Estados se referem à justiça racial climática em discursos, mas sem assumir obrigações concretas.

A coleta documental desta pesquisa foi exploratória e guiada pela teoria das fontes do Direito Internacional Público (art. 38 do Estatuto da CIJ), contemplando documentos multilaterais emitidos por organizações internacionais e coletividades interestatais, entre 1992 e 2025, período que se inicia com a ECO-92 e se estende até os preparativos da COP 30, com prioridade para materiais elaborados após 2015 (Agenda 2030).

O estudo, intitulado “A raça e o gênero da justiça climática: mapeando desigualdades na normativa global” visa responder a seguinte pergunta: onde a normativa global esconde injustiças climáticas de gênero, raça, território e outras interseccionalidades?

De acordo com o coordenador do Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP, professor Thiago Amparo o uso da palavra “esconde” é proposital:

"O que a pesquisa revela é uma ambiguidade na regulação global sobre o tema. De um lado, é possível determinar que há consensos conceituais e normas mínimas acerca da injustiça climática. De outro, há lacunas fundamentais para enfrentar a questão de frente”.

Já Mariana Belmont, assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés Geledés - Instituto da Mulher Negra, destaca o combate ao racismo ambiental como condição fundamental para alcançar a justiça climática. Segundo Belmont, o racismo, ao se articular com outras formas de exploração, exclusão e discriminação social, intensifica processos de vulnerabilização socioambiental e aprofunda as violações de direitos humanos.

Faltando poucos dias para o início da COP 30, no Brasil, o estudo traz recomendações, servindo, portanto, de guia para as futuras negociações internacionais nos fóruns das Nações Unidas.

Belmont destaca que a COP 30 oferece uma oportunidade histórica para incluir, pela primeira vez de maneira sistemática, raça e gênero como eixos estruturantes da Justiça climática.

A pesquisa expõem invisibilidade racial na governança climática e lista de recomendações para a COP 30.(Imagem: Freepik)

Conheça as recomendações do estudo para a COP 30

Reconhecimento e linguagem oficial: Incluir o termo “afrodescendentes” (people of African Descent) nos documentos finais da COP 30, além de garantir que raça e gênero sejam mencionados nos planos de transição justa, plano de ação de gênero e meta global de adaptação;

Financiamento e reparação: Destinar recursos do Fundo de Perdas e Danos para comunidades negras, quilombolas, periféricas e ribeirinhas. Reconhecer a necessidade de reparação climática diante do duplo impacto histórico do colonialismo e da crise ambiental;

Dados e monitoramento: Exigir coleta de dados desagregados por raça, gênero e território em NDCs e inventários de adaptação e criar um mecanismo de monitoramento de racismo ambiental na UNFCCC;

Participação e governança: Assegurar financiamento para a participação de organizações negras e de mulheres na COP 30 e fóruns internacionais. Inserir especialistas afrodescendentes em comitês técnicos de clima, biodiversidade e justiça ambiental;

Adoção de políticas focalizadas e reparações climáticas: No Brasil, por exemplo, em São Paulo, 55% das pessoas em áreas de risco de deslizamento são negras, enquanto a população negra total é de 37%. Quando políticas de mitigação e adaptação são desenhadas sem considerar especificidades étnico-raciais, elas podem reproduzir ou até amplificar desigualdades existentes; além disso, o estágio atual do debate climático global, embora reconheça a importância da justiça climática, ainda carece de uma abordagem explicitamente antirracista.

Participação das organizações afrodescendentes em espaços de decisão: A defesa de compromissos concretos também implica em garantir a participação substantiva de organizações afrodescendentes nos espaços de decisão; destinar recursos específicos de adaptação e mitigação climática a comunidades afrodescendentes.

Essas ações visam a superar a linguagem genérica de inclusão e transformá-la em um compromisso jurídico e político efetivo”, explica Amparo.

Por que isso importa para a COP 30

O estudo alerta que a transição ecológica corre o risco de perpetuar desigualdades se não incorporar raça, gênero e território como critérios centrais de decisão e financiamento. Para o Geledés, a COP 30 é o momento decisivo para corrigir essa lacuna histórica.

Na Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas da UNFCCC (SB 62), em junho de 2025, pela primeira vez documentos preparatórios para a COP 30 mencionaram afrodescendentes nos rascunhos do Plano de Ação de Gênero e do Programa de Transição Justa - resultado de articulação entre Geledés, organizações negras latino-americanas e o governo brasileiro. No entanto, a referência foi retirada do texto da Meta Global de Adaptação, e o instituto defende sua reinserção.

Panorama da pesquisa

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Notícias Mais Lidas

Marco legal dos seguros promove grande reforma no setor; advogada detalha impactos

5/12/2025

Para Moura Ribeiro, marco legal aproxima contratos de seguros da realidade

5/12/2025

FGV Direito Rio lança módulo sobre práticas sancionadoras do CADE

5/12/2025

Com Visual Law, Forluz eleva engajamento do regulamento em 90%

5/12/2025

Sindimoto-SP acusa Boulos de excluir entidade de negociações do setor

5/12/2025

Artigos Mais Lidos

Por que as empresas brasileiras estão revendo o home office e o que diz a CLT

5/12/2025

A imperatividade do fim da violência contra mulheres

5/12/2025

Concurso público: Aprovado sub judice tem direito à remuneração integral após exercer o cargo?

5/12/2025

Ausência de prazo específico para a adesão do contribuinte à CPRB

5/12/2025

Nota técnica - Tema 935/STF: Contribuição assistencial

5/12/2025