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STF julga marco temporal para demarcar terras indígenas

Sessão desta quarta-feira, 10, foi destinada a sustentação oral.

10/12/2025
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STF suspendeu nesta quarta-feira, 10, o julgamento das ações que contestam a constitucionalidade da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

A sessão foi dedicada às sustentações orais de advogados das partes, interessados e amici curiae. Análise foi interrompida pelo adiantado da hora e será retomada em sessão futura.

O caso, inicialmente marcado para o plenário virtual, foi transferido pelo presidente da Corte, ministro Edson Fachin, para o plenário físico, permitindo debate presencial e ampliado entre os ministros.

Em pauta está a lei 14.701/23, que restringe a reivindicação de territórios indígenas às áreas ocupadas em 5 de outubro de 1988 ou então submetidas a disputa judicial naquela data.

Corte suspendeu análise de marco temporal para demarcar terras indígenas.(Imagem: Artes Migalhas)

Entenda

As quatro ações que serão julgadas tratam da validade da lei que instituiu o marco temporal e outras regras sobre demarcação, uso e gestão de terras indígenas.

Três delas são ações diretas de inconstitucionalidade e uma é ação declaratória de constitucionalidade.

A ADC 87, proposta por PL, PP e Republicanos, pede que o Supremo reconheça a constitucionalidade integral da lei. As legendas afirmam que a norma nasceu de legítima deliberação política do Congresso e que os vetos presidenciais posteriormente derrubados não apontam inconstitucionalidades, mas simples divergência entre Poderes. Por isso, pedem que o STF confirme a validade dos dispositivos questionados.

Na ADin 7.582, a Apib, o PSOL e a Rede Sustentabilidade sustentam que a lei representa o maior retrocesso aos direitos indígenas desde a redemocratização. Alegam que o marco temporal e outros dispositivos violam a Constituição ao restringir direitos territoriais, ignorar o dever de consulta previsto na Convenção 169 da OIT, criar entraves indevidos à demarcação e ampliar riscos de violência e degradação ambiental.

A ADin 7.583, ajuizada por PT, PCdoB e PV, também pede a declaração de inconstitucionalidade da lei. Os partidos destacam que o próprio STF, no julgamento do Tema 1.031, afastou a tese do marco temporal como critério válido para definir ocupação tradicional indígena. Assim, sustentam que a norma afronta diretamente decisão vinculante da Corte.

Por fim, a ADin 7.586, proposta pelo PDT, questiona diversos dispositivos da lei, afirmando que a norma viola a Constituição de maneira frontal ao restabelecer o marco temporal e impor limites que dificultam ou inviabilizam demarcações. O partido aponta vícios formais e materiais, ofensa a tratados internacionais e risco de novos esbulhos e discriminações contra povos originários.

Sustentação oral

Pelo PP - Partido Progressistas, o advogado Rúdi Maia Ferraz defendeu a constitucionalidade da lei 14.701/23 afirmando que ela reproduz parâmetros fixados pelo STF no caso Raposa Serra do Sol, como o marco temporal, e oferece segurança jurídica às demarcações ao estabelecer critérios objetivos. Disse que a ausência de aplicação dessa tese pela Funai gerou paralisações e conflitos, e que o artigo 231 admite mais de uma interpretação, legitimando a opção do Congresso. Ferraz destacou ainda que a lei prevê soluções práticas para litígios, como indenização e redimensionamento de áreas.

Já o advogado Ricardo Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, afirmou que a lei 14.701/23 representa grave retrocesso aos direitos indígenas, aprovada sem consulta prévia e em afronta à Convenção 169 da OIT. Disse que a norma tenta ressuscitar o marco temporal, tese já rejeitada pelo STF no Tema 1031, e que sua vigência intensificou conflitos e mortes em territórios tradicionais. Terena pediu a suspensão e a declaração de inconstitucionalidade da lei, destacando que proteger terras indígenas é também proteger o meio ambiente, já que esses territórios registram os menores índices de desmatamento.

Maíra Oliveira Carneiro, pela Rede Sustentabilidade, afirmou que a lei desmonta o sistema constitucional de proteção aos povos indígenas, incentiva invasões e violências nos territórios e compromete a estabilidade climática do país ao fragilizar biomas como Amazônia, Cerrado e Caatinga. Disse que a norma contraria a decisão do STF que declarou inconstitucional o marco temporal e coloca o Brasil em contradição com seus compromissos ambientais internacionais. Por isso, pediu a declaração de inconstitucionalidade integral da lei.

O advogado Dinamã Tuxá, representando o PSOL, afirmou que a lei 14.701/23 viola direitos constitucionais originários dos povos indígenas e perpetua a dívida histórica do Estado, ao flexibilizar o usufruto exclusivo das terras e permitir obras de grande impacto sem consulta prévia às comunidades, em afronta à Constituição e à Convenção 169 da OIT. Tuxá pediu a declaração de inconstitucionalidade integral da lei e a suspensão de seus efeitos, lembrando que, para os povos indígenas, território não é substituível e integra sua própria existência. Ao encerrar, citou um xamã Yanomami ao defender a urgência da demarcação: a floresta vive, mas morrerá se continuar sendo destruída, e com ela morrerão brancos e indígenas.

O advogado Paulo Machado Guimarães, representando PCdoB e Partido Verde, afirmou no STF que a lei 14.701/23 inviabiliza o processo de demarcação ao impor exigências incompatíveis com o procedimento previsto no Decreto 1.775/96, como a gravação de relatos orais, o contraditório desde o início e a aplicação de regras de impedimento do CPC a antropólogos. Disse que tais dispositivos interferem de forma indevida na identificação técnica das terras, etapa essencial e anterior à participação de interessados. Guimarães ressaltou que o Congresso tenta restaurar o marco temporal contra entendimento já firmado pela Corte e pediu que o STF reafirme a inconstitucionalidade da tese e dos pontos da lei que distorcem o processo demarcatório.

Pelo PT, o advogado Miguel Pimentel Novaes afirmou no STF que a lei 14.701/23 é amplamente inconstitucional por tentar restaurar o marco temporal e por criar regras que violam o artigo 231 da Constituição. Criticou dispositivos que permitem realocar comunidades, impedem a ampliação de terras indígenas e autorizam o uso das áreas por terceiros, contrariando o usufruto exclusivo previsto na Constituição. Novaes destacou ainda que a lei ignora precedentes do Supremo e a obrigatoriedade de consulta prévia às comunidades, ao permitir intervenções militares, obras e instalações públicas sem diálogo com os povos afetados. Pediu a suspensão e a declaração de inconstitucionalidade da norma, afirmando que o Congresso desrespeitou limites constitucionais e decisões já firmadas pela Corte.

Nara Loureiro Cysneiros Sampaio, pelo PDT, sustentou que a lei em análise é inconstitucional e cria insegurança jurídica ao flexibilizar direitos territoriais indígenas, permitir intervenções sem consulta prévia e presumir boa-fé de ocupantes não indígenas, o que, segundo ela, incentiva grilagem. Destacou que a norma afeta a imagem internacional do Brasil, compromete acordos comerciais e afasta investimentos ao sinalizar retrocesso ambiental. Também criticou a retroatividade prevista nos artigos 14 e 15, que poderia anular demarcações já consolidadas. Concluiu pedindo que o STF reafirme a proteção constitucional às terras indígenas.

Na sustentação pela AGU, Isadora Maria Cartaxo de Arruda reafirmou a posição contrária ao marco temporal e defendeu a proteção dos direitos originários prevista no artigo 231 da Constituição. Destacou que a demora nas demarcações gera insegurança jurídica e conflitos, e apresentou o plano transitório elaborado em mesa de conciliação como solução para o passivo judicializado, prevendo indenização a ocupantes de boa-fé e critérios claros de adesão. Pediu ao STF a adoção do plano para dar estabilidade e encerrar disputas históricas.

Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva, pela Câmara dos Deputados, defendeu a constitucionalidade da lei 14.701/23 ao afirmar que ela resulta de um longo processo legislativo inspirado nas salvaguardas do caso Raposa Serra do Sol e busca dar segurança jurídica às demarcações. Sustentou que o marco temporal não impede reconhecimentos de terras, mas organiza critérios objetivos para evitar conflitos. Destacou que a lei fortalece o devido processo legal, garante contraditório, proíbe retomadas e prevê indenização apenas a quem possui título legítimo, substituindo soluções de força por mecanismos institucionais. Por isso, pediu ao STF a validação integral da norma.

Gabriela Pereira, pela advocacia do Senado, defendeu a constitucionalidade da lei 14.701/23 afirmando que o Parlamento buscou harmonizar direitos indígenas e direitos de possuidores de boa-fé, oferecendo segurança jurídica a conflitos históricos. Disse que a lei incorpora as salvaguardas de Raposa Serra do Sol e dialoga com o Tema 1031 ao reconhecer dois regimes constitucionais: demarcação quando há ocupação tradicional em 1988 e, nos demais casos, desapropriação com indenização. Para ela, a norma representa contribuição legítima do Legislativo para estabilizar soluções e reduzir a violência no campo, motivo pelo qual pediu sua validação integral.

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