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O direito visual (visual law) e o consentimento livre, informado e inequívoco do titular

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Atualizado em 29 de dezembro de 2022 17:17

Conceitualmente, pelo artigo 5º, XII, da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD, considera-se 'consentimento' a "manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada". O artigo 8º da LGPD traz maior aprofundamento quanto às características do consentimento para o tratamento de dados pessoais. Em seu caput, o dispositivo remete ao inciso I do artigo 7º, no qual está listada a referida "base legal". É importante ressaltar que há diferenças de redação entre o artigo 7º, inciso I, e o artigo 11, inciso I, da LGPD. Ambos explicitam o consentimento como hipótese de tratamento, sendo o primeiro relativo ao tratamento de dados pessoais e o segundo ao tratamento de dados pessoais sensíveis.

No artigo 11, o tratamento consentido de dados pessoais sensíveis pressupõe que o titular ou seu responsável legal consintam "de forma específica e destacada, para finalidades específicas"; por outro lado, o artigo 7º, I, não contém os mesmos predicados, se limitando a sinalizar a possibilidade de que o tratamento de dados pessoais se dê "mediante o fornecimento de consentimento pelo titular".

Em linhas gerais, quanto à forma do consentimento, a lei é assertiva: "deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular" (art. 8º, caput). A admissão de meios diversos do tradicionalmente escrito - a indicar sua não exigência -, embora não se possa negar sua licitude, revela dimensão concernente ao alto grau de liberdade que se espera das relações derivadas da autodeterminação informativa, que norteia a estruturação da lei.

O artigo 60 da LGPD alterou expressamente dois dispositivos do Marco Civil da Internet, mas permanece vigente a redação atribuída ao artigo 7º, VII, que já exigia o consentimento expresso, embora, como se adiantou, o artigo 7º, I, da LGPD defina a exigência de que o consentimento seja inequívoco, provado por qualquer meio lícito, o que permite constatar a viabilidade do consentimento verbal ou implícito.

O ato de consentir, para que seja considerado "informado", usualmente se reveste de contornos tipicamente visualizados na estruturação dogmática da boa-fé objetiva. Como ressaltam Isabella Frajhof e Ana Lara Mangeth, "reconhecendo que as informações prestadas ao titular de dados constituem elemento legitimador da sua concordância em relação ao tratamento de seus dados pessoais, (...) deverá ser informado sobre determinadas particularidades do tratamento para que haja a completa compreensão sobre o destino que será atribuído aos seus dados pessoais"1. Como forma de garantir a assimilação dessas particularidades, é esperado que um documento seja lavrado, com atribuição de destaque visual aos termos que revelem o consentimento para o tratamento de dados pessoais.

A título exemplificativo, lembremo-nos da área da saúde, na qual é comum que haja grande preocupação com o devido esclarecimento do paciente acerca de todos os aspectos relevantes para a realização de seu atendimento. A lavratura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLEs é prática comum e desejável, há tempos fomentada, e da qual se pode extrair importantes lições sobre como a obtenção do consentimento escrito tende a trazer maior higidez para a formação da fidúcia entre o profissional da saúde e o paciente2. Aliás, mesmo em documentos redigidos com grande detalhamento técnico - que podem ser de difícil compreensão para pessoas leigas - explicações, esclarecimentos e o respectivo consentimento podem se efetivar com o devido destaque clausular, sem que haja prejuízo cognitivo ou embaraço à aferição de sua manifestação3.

Nesse aspecto, merece menção a distinção que se faz entre o consentimento para a realização do atendimento médico e o consentimento relativo ao tratamento de dados pessoais. Sobre o tema, Flaviana Rampazzo Soares explica que "é possível afirmar que o [consentimento do paciente no atendimento em saúde] está sujeito à LGPD no que tange aos dados e informações a ela relacionados, e não quanto ao objeto e objetivo do consentimento em si (que é um específico atendimento), e a incidência da LGPD se circunscreverá ao que disser respeito ao tratamento de dados"4. Essa dinâmica se torna ainda mais complexa - é preciso frisar - quando envolve o compartilhamento de dados com outros controladores, em que incidirão as disposições do artigo 7º, §5º, e do artigo 11, §4º, da LGPD, sendo exigido o consentimento específico, no primeiro dispositivo, em caráter antecedente5.

Nesse ponto, o modelo de consentimento "opt-in" parece preponderar como técnica de adesão para atribuição do destaque6. Em síntese, ao invés de o titular optar por não permitir o tratamento de seus dados pessoais, realiza ação que pode ser interpretada como manifestação de vontade positiva. É possível fazê-lo por várias técnicas: (i) marcando uma caixa de seleção; (ii) clicando em um botão ou link; (iii) selecionando a partir de uma opção binária (sim/não), de botões ou de um menu drop-down; (iv) escolhendo configurações ou preferências no painel da conta; (v) respondendo a um e-mail que solicita o consentimento; (vi) respondendo positivamente a um pedido claro de consentimento verbal gravado, seja na presença do interlocutor ou por ligação; (vii) mediante aposição de assinatura em uma declaração de consentimento em formulário de papel; (viii) assinando eletronicamente um documento, por técnica criptográfica lícita e suficientemente confiável.

Trata-se de evidente rol exemplificativo, que ainda abre margem a discussões mais curiosas e atuais sobre a relação de proximidade entre design, interatividade, cognoscibilidade e direito. Sem dúvidas, mais do que simplificar a cognição, certas técnicas e ferramentas podem otimizar a interlocução entre o titular e o agente de tratamento para a obtenção do consentimento e, especialmente, quanto ao esperado destaque que se deve atribuir ao modelo escrito, por força do que exige o §1º do artigo 8º da LGPD, para dados pessoais, e o inciso I do artigo 11, para dados pessoais sensíveis.

Segundo Chiara Spadaccini de Teffé, o termo 'destacado' "pode ser interpretado no sentido de que é importante que o titular tenha pleno acesso ao documento que informará todos os fatos relevantes sobre o tratamento de seus dados pessoais, devendo tais disposições virem destacadas para que a expressão do consentimento ocorra conforme a lei"7.

Isso abre margem a estratégias de interação centradas no usuário e que primam pela compreensão do conteúdo que gerará o vínculo obrigacional. Mais do que a robustez formal, importa visualizar o destaque como mecanismo de elevação do grau de interação entre as partes envolvidas para que haja adequada e precisa compreensão. O fomento à interatividade, nesse aspecto, atribui inegável realce à reformulação de documentos (especialmente de contratos, na tendência que a doutrina especializada vem designando como contract design8) para que não sejam apenas esteticamente melhores, mas, também, para que conduzam à rápida e mais efetiva assimilação de conteúdo9.

Temática que adquirirá importante proeminência na ressignificação das formas de obtenção do consentimento envolve a disciplina do que hoje se convencionou nomear de experiência do usuário (user experience, ou apenas UX), cujo foco - centrado nas vivências e percepções10 - tem grande relevância para que métodos criativos de obtenção de feedback, com licitude e suporte nas previsões do artigo 8º da LGPD, sejam pensados e implementados em atividades variadas de tratamento de dados pessoais.

Valiosa a síntese de Camilla Telles: "Experiências são claramente subjetivas, já que cada usuário tem uma diferente experiência ao usar um produto, serviço ou objeto. Isso acontece porque a experiência é influenciada por diversos fatores humanos (visão, capacidade de leitura, habilidade etc.) e fatores externos (temperatura, ambiente, horário do dia). Todas as vivências de uma pessoa com uma marca, produto ou serviço, seja no momento de compra ou no de uso, incluindo a parte emocional, são definidas como experiência do usuário"11.

Essa perspectiva tem enorme valor para a revisão dos famigerados "termos de uso" e "políticas de privacidade", geralmente padronizados, extensos e repetitivos12. Tais documentos, quanto mais sintéticos, claros e elucidativos, mais tendem a expressar clareza, robustecendo a transparência na atuação do agente de tratamento e atendendo aos diversos princípios listados no artigo 6º da LGPD.

O mesmo se pode dizer da implementação de elementos visuais (chamados, na seara jurídica, de 'direito visual' ou, no inglês, de visual law), que permitam facilitar a leitura e internalização de uma informação importante. Para o ato de consentir, tradicionalmente obtido em rápida apresentação de condições que o usuário não costuma ler com a devida atenção, simplificar pode propiciar grandes ganhos. Elementos visuais têm exatamente o mérito de substituir textos extensos, por exemplo, por gravuras e diagramas, facilitando a percepção e ativando a intuição para que não haja consentimento açodado.

A preocupação se justifica, pois há grande assimetria informacional - especialmente em estruturas dependentes da internet para a manifestação do consentimento -, o que implica considerar as diferentes percepções que cada pessoa pode ter no contato com documentos jurídicos que explicitem as condições de realização do tratamento de dados pessoais.

Com efeito, "por mais que os documentos jurídicos, principalmente no âmbito da tutela da privacidade e da proteção de dados pessoais, cuja presença é relevante, estejam disponíveis nas plataformas dos controladores, cumprindo formalmente os princípios da transparência e prestação de contas, surge o questionamento acerca do efetivo e material cumprimento dos referidos princípios"13.

A partir de renovada perspectiva, que abandona os modelos padronizados de outrora, como os já superados contratos de adesão shrink-wrap e click-wrap e os termos de uso browse-wrap14, para privilegiar estruturas mais enxutas - mas que não prejudicam a compreensão -, o que se vislumbra é a necessidade de que agentes de tratamento trabalhem com foco direcionado à reestruturação dos mecanismos que utilizam para informar e esclarecer os titulares sobre as atividades de tratamento que realizam. E, com incrementada assimilação, maior confiabilidade se terá no momento em que o consentimento for expressado.

____________

1 FRAJHOF, Isabella Z.; MANGETH, Ana Lara. As bases legais para o tratamento de dados pessoais. In: MULHOLLAND, Caitlin (org.). A LGPD e o novo marco normativo no Brasil. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2020, p. 70.

2 CARVALHO, Carla; TATAGIBA, Laís. A utilidade das ferramentas de legal design para o consentimento efetivamente esclarecido. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (coord.). Legal design: teoria e prática. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2023, p. 441-458.

3 Como já tivemos a oportunidade de alertar: "O consentimento é tido pelo legislador como gatilho para a filtragem da coleta indevida de dados. Optou-se por admitir o tratamento, mediante coleta consentida de dados pessoais, inclusive de dados pessoais sensíveis (inciso X do art. 5º e inciso I do art.11), mas exige-se a observância de finalidade específica. Tudo parte da necessidade de um novo olhar sobre a informação. Na medida em que o consentimento passa a ser o critério fundamental para a coleta, torna-se essencial que o indivíduo saiba discernir os limites e os riscos que enfrentará com o fornecimento de seus dados a determinado agente". FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. Reflexões sobre as bases legais para o tratamento de dados pessoais relativos à saúde na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Revista de Direito Médico e da Saúde, Brasília, n. 24, p. 11-26, set. 2021, p. 18.

4 SOARES, Flaviana Rampazzo. Consentimento no direito da saúde nos contextos de atendimento médico e de LGPD: diferenças, semelhanças e consequências no âmbito dos defeitos e da responsabilidade. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 4, n. 2, p. 18-46, maio/ago. 2021, p. 34.

5 Trata-se de situação que guarda similaridades com o regramento estabelecido no RGPD, impondo a adoção de cautelas, como explicam Carla Barbosa e "Naturalmente que esse compartilhamento de dados deverá estar rodeado das devidas cautelas, uma vez que cumpre aferir se e em que medida a sua partilha é estritamente necessária (...). Em qualquer caso, tais atividades de tratamento de dados sobre a saúde autorizadas por motivos de interesse público não deverão ter por resultado que os dados sejam tratados para outros fins por terceiros, como os empregadores ou as companhias de seguros e entidades bancárias". BARBOSA, Carla; LOPES, Dulce. RGPD: compartilhamento e tratamento de dados sensíveis na União Europeia - o caso particular da saúde. In: DALLARI, Analluza Bolivar; MONACO, Gustavo Ferraz de Campos (coord.). LGPD na saúde. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 50.

6 HEIMES, Rita. How opt-in consent really works. IAPP, 22 fev. 2019. Disponível em: https://iapp.org/news/a/yes-how-opt-in-consent-really-works/. Acesso em: 27 dez. 2022.

7 TEFFÉ, Chiara Spadaccini de. Dados pessoais sensíveis: qualificação, tratamento e boas práticas. Indaiatuba: Foco, 2022, p. 149.

8 Conferir, por todos, HAAPIO, Helena. Next generation contracts: a paradigma shift. Helsinque: Lexpert, 2013, p. 49-52. PASSERA, Stefania. Beyond the wall of text: how information design can make contracts user-friendly. In: MARCUS, Aaron (ed.). Design, user experience, and usability: users and interactions. 4th International Conference, DUXU 2015 Proceedings, Part II. Cham: Springer International, 2015, p. 341-352; COMPAGNUCCI, Marcelo Corrales; HAAPIO, Helena; FENWICK, Mark. The many layers and dimensions of contract design. In: COMPAGNUCCI, Marcelo Corrales; HAAPIO, Helena; FENWICK, Mark (ed.). Research Handbook on Contract Design. Cheltenham: Edward Elgar, 2022, p. 2-18.

9 MIK, Eliza. Engineering consent: using technology to create informed consumers. In: COMPAGNUCCI, Marcelo Corrales; HAAPIO, Helena; FENWICK, Mark (ed.). Research Handbook on Contract Design. Cheltenham: Edward Elgar, 2022, p. 403-404.

10 A temática envolve verdadeira mudança de cultura, que, para os agentes de tratamento de dados de qualquer setor, pode acarretar profunda ressignificação dos modelos mais tradicionais de realização da atividade informadora e esclarecedora que está envolvida na obtenção do consentimento livre e inequívoco para que haja verdadeira primazia das interações, com valorização das experiências de interlocução entre titular e agente. Na prestação de serviços jurídicos, o tema já permite falar em uma "legal customer experience", como explica a doutrina: "Em resumo, para construção do legal customer experience, defina seu objetivo e - mais importante - coloque o cliente no centro das decisões. Depois, cuide dos relacionamentos - valorize a experiência das pessoas que somam forças para o alcance do seu objetivo, sejam colaboradores, sócios, fornecedores. E por último, mas não menos relevante, cuide dos processos - a cultura precisa ser viva, tem de estar presente em todas as áreas e departamentos da sua organização." COELHO, Alexandre Zavaglia; BATISTA, Cynara de Souza. Deisgn de serviços jurídicos. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (coord.). Legal design: teoria e prática. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2023, p. 53.

11 TELLES, Camilla. Experiência do usuário (user experience) e legal design. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (coord.). Legal design: teoria e prática. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2023, p. 231.

12 Destacando a importância da cooperação entre profissionais que atuam com design (design professionals) e profissionais dedicados à elaboração dessas políticas (policymaker professionals), Margaret Hagan identifica o grande mérito da transformação propiciada pelo implemento de ferramentas de direito visual: "The design professional often is focused on improving the user experience, to ensure that their target person is being satisfied, and helped to live more in the way that they want to. The policymaker professional, in contrast, tends to favor deep analysis of rules, laws, past policies, and government systems. A guiding principle tends to be that, through rigorous, critical analysis and a systems point of view, a team can identify new solutions that will produce desired outcomes, often in the form of improved population-level statistics (rather than individuals' experiences)". HAGAN, Margaret. Prototyping for policy. In: CAMPAGNUCCI, Marcelo Corrales; HAAPIO, Helena; HAGAN, Margaret; DOHERTY, Michael (ed.). Legal design: integrating business, design and legal thinking with technology. Cheltenham: Edward Elgar, 2021, p. 10.

13 VILLANI, Mônica; GUGLIARA, Rodrigo; COPPOLA JÚNIOR, Ruy. Aplicação do legal design como ferramenta essencial do compliance de proteção de dados. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CALAZA, Tales (coord.). Legal design: teoria e prática. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2023, p. 215.

14 Sobre o tema, conferir LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Contratos de adesão eletrônicos (shrink-wrap e click-wrap) e os termos e condições de uso (browse-wrap). In: LIMA, Cíntia Rosa Pereira de; NUNES, Lydia Neves Bastos Telles (coord.). Estudos avançados de direito digital. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 105-134.