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Seguro (E&O) de reponsabilidade civil profissional: preceitos conceituais e normativos

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Atualizado às 07:21

Vivemos na era dos riscos e incertezas, do dinamismo constante e célere da sociedade e, consequentemente, da multiplicidade de danos a que estamos expostos.

Nesse contexto contemporâneo, diante de um panorama holístico, de um lado apresenta-se o instituto da responsabilidade civil que, em linhas gerais, consiste no dever de reparar os danos injustos suportados eventualmente por uma vítima, em virtude da transgressão de uma norma jurídica de natureza civil pré-estabelecida, seja ela uma regra ou um princípio.

Lado outro, insurge-se o contrato de seguro que tem como objeto a garantia do interesse legítimo do segurado contra riscos predeterminados, nos termos do art. 757 CC.

Dentre as modalidades securitárias, destaca-se o seguro de responsabilidade civil cuja finalidade precípua é a garantia de proteção patrimonial do segurado contra risco de imputação de responsabilidade civil decorrente de má prática em sua atuação profissional.

Ademais, com base no princípio da função social do contrato em sua eficácia externa, não se pode descurar que o seguro de responsabilidade civil profissional garante, ainda, o efetivo recebimento pela vítima, na qualidade de terceiro à relação contratual, da indenização a que faz jus como reparação pelos danos injustamente sofridos e causados pelo profissional segurado.

Culturalmente, era baixa a incidência dessa modalidade de seguro no Brasil, mas diante do recrudescimento dos riscos e, consequentemente, dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais deles advindos no exercício das atividades profissionais, torna-se premente e cada vez maior a contratação desse seguro.  De fato, com base nos dados estatísticos apresentados pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), houve um crescimento de mais de 200% de 2015 a 2021.

O seguro de responsabilidade civil profissional individual, conhecido pela sigla E&O (erros e omissões), tem uma previsão normativa no Brasil basicamente restrita ao art. 787 CC, segundo o qual "no seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro".

O contrato de seguro de RCP representa, pois, uma obrigação de garantia e consiste na tutela do interesse do segurado em proteger seu patrimônio e não de mero ressarcimento, sendo o terceiro, vítima do dano, a principal personagem, eis que, em tese, todos os prejuízos a ela causados devem ser reparados ou compensados via indenização securitária.

Sua maior incidência ocorre nas contratações por profissionais da saúde, sobretudo pelos médicos, devido à crescente judicialização da saúde, a deterioração da relação médico paciente, bem como a proliferação de riscos e danos verificados nas intervenções médicas.

A premissa sobre a qual se baseia o instituto da responsabilidade civil é a transferência de danos da vítima ao causador desses danos. E o seguro de responsabilidade civil é um instrumento eficaz de transferência de riscos, pois o que se busca não é um culpado ao qual os danos serão transferidos, mas um responsável, no caso a seguradora.

Importante ressaltar que a seguradora assume a garantia de pagamento à vítima do dano cometido pelo segurado, este sim, obrigado a indenizá-la conforme os nexos de imputação que lhe são atribuídos por lei.

Tais nexos de imputação da responsabilidade civil decorrem da teoria subjetiva ou objetiva, ambas abrangidas pelas coberturas do seguro de RCP, a depender da atividade profissional exercida pelo segurado.

Na teoria objetiva da responsabilidade civil enquadram-se as pessoas que estão obrigadas a indenizar os danos causados em virtude de lei ou do risco da atividade que desenvolvem, nos termos do parágrafo único do art. 927 CC. Atividades cuja potencialidade lesiva é fonte de numerosos danos e, consequentemente, motivo suficiente para a contratualização de RCP.

Os profissionais liberais, por sua vez, enquadram-se na teoria subjetiva da responsabilidade civil, eis que respondem subjetivamente pelos danos eventualmente causados a terceiros conforme dispõe o art. 14§ 4o CDC.

Neste contexto, insere-se o seguro de responsabilidade civil médica, por meio do qual o médico tem o interesse legítimo de proteção ao seu patrimônio em caso de responsabilização civil por danos causados aos pacientes, decorrentes de ato ilícito culposo ou por abuso de direito (arts. 186 e 187 CC, respectivamente) cometidos no âmbito da sua atuação profissional, mantendo-se indene seu patrimônio.

Diante da necessidade provocada pela atual realidade social na qual os danos se multiplicam e se espraiam, foram desenvolvidas novas técnicas de contratação, com possibilidades mais amplas de coberturas securitárias.

Nessa conjuntura, destacam-se os novos comandos normativos que redefinem o marco regulatório do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, em especial, a Circular número 637 da SUSEP, que dispõe especificamente sobre tal modalidade securitária, e que entrou em vigor no dia 01 de setembro de 2021. Nos termos do art. 4º da referida Circular, a cobertura do seguro abrange os riscos decorrentes da responsabilização civil vinculada à prestação de serviços profissionais, objeto da atividade do segurado.

Dentre as mudanças, merece especial atenção as alterações promovidas às regras de contratação do seguro de RCP, quais sejam:

- contratação do seguro à base de ocorrências (occurrence basis), quando fato danoso tenha ocorrido durante o período de vigência e o segurado apresente o pedido de indenização durante tal vigência.

- contratação do seguro à base de reclamações (claims made basis), quando fato danoso tenha ocorrido durante o período de vigência e o terceiro apresente a reclamação ao segurado durante a vigência da apólice, ou durante eventual prazo adicional, conforme previsão no contrato.  

- contratação do seguro à base de reclamações (claims made basis) com notificação, quando fato danoso tenha ocorrido durante o período de vigência ou durante o período de retroatividade ou, como segunda hipótese, quando o segurado tenha notificado fatos ou circunstâncias ocorridas durante a vigência da apólice e o terceiro apresente a reclamação ao segurado durante a vigência da apólice, ou durante eventual prazo adicional, conforme previsão no contrato ou, ainda, durante os prazos prescricionais, conforme previsão no contrato.  

Portanto, a garantia da indenização condiciona-se à observância das disposições contratuais, sobretudo, das datas de ocorrência dos fatos danosos, da apresentação das reclamações pelos terceiros e de apresentação das notificações pelo segurado, a depender da modalidade de contratação.

Uma outra novidade regulatória diz respeito à amplitude de possibilidades de sinistro pois, além da obrigação de indenizar imposta por decisão judicial ou proveniente de acordos celebrados entre o segurado e o terceiro lesado, há previsão de que tal obrigação decorra de decisões emanadas de juízo arbitral, consoante previsão constante no art. 3º da supracitada Circular 637.

Entre as coberturas dispostas importa observar, a princípio, que todos os possíveis riscos devem estar expressa e previamente consignados na apólice, pois sem previsão pormenorizada não há cobertura. Ademais, à seguradora restará a obrigação de pagar ao terceiro vítima do dano a indenização até o limite máximo estipulado na apólice, conforme o valor da franquia, inclusive. 

A cobertura securitária, como já dito, abrange, de um modo geral, a responsabilidade civil subjetiva e objetiva, contratual e extracontratual, danos patrimoniais e extrapatrimoniais, os atos dos auxiliares, os custos para defesa do advogado e os valores de acordos eventualmente celebrados.

No caso de seguro de responsabilidade civil médica, a especialidade deve estar muito bem definida, pois impacta diretamente no valor do prêmio e, consequentemente, no valor da cobertura. Atualmente, as especialidades médicas de maiores riscos e, portanto, mais judicializadas são as que envolvem cirurgia cardiovascular, neurocirurgia, ginecologia com obstetrícia, oftalmologia com cirurgia, cirurgia pediátrica e cirurgia de cabeça e pescoço.

Ressalte-se que na fase pré-contratual o princípio da boa-fé objetiva revela-se fundamental e deve ser efetivado pela boa-fé subjetiva das partes contratantes, de forma indissociável, ao prestarem-se mutuamente as informações de forma fidedigna. Nesta fase, a assistência jurídica pelo advogado também é medida imprescindível para o perfeito adimplemento e plena satisfação dos interesses de ambas as partes, pois nem todas as perdas possivelmente ocasionadas por uma demanda judicial são abrangidas.

O princípio contratual da boa-fé objetiva, lastreado na eticidade enquanto pilar do Direito Civil-Constitucional, encontra-se previsto também no art. 765 CC de cuja intelecção extrai-se a menção à expressão "mais estrita boa-fé" de ambas as partes, impingindo ao contrato de seguro uma exigência ainda maior sobre o dever de transparência dos contratantes.

No que se refere às exclusões de coberturas presentes nas apólices, comumente se verificam os atos dolosos do segurado, até porque o que se visa a garantir é um interesse legítimo, portanto, lícito; atos praticados sem licença ou habilitação e culpa grave do segurado.

Importa ressaltar que eventual valor objeto de condenação que sobejar o limite máximo de cobertura deverá ser suportado pelo profissional tomador do seguro.

De um modo geral, estes são os dispositivos que fazem parte da arquitetura legal regulamentadora do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional. Contudo, não devem ser considerados como mero repositório de regras estanques, eis que devem ser interpretados de forma casuística e sistêmica em relação às demais normas jurídicas integrativas do ordenamento jurídico.

Enfim, o atual cenário de socialização dos riscos reclama e impõe a contratualização do seguro de responsabilidade civil profissional (E&O) como um importante e eficaz instrumento de proteção patrimonial do profissional e uma garantia de reparação a`s vítimas de danos como forma de realização da função compensatória da responsabilidade civil.

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GOLDBERG, ILAN. O contrato de seguro D&O. 1ª. Ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

JUNQUEIRA, T. Aplicação da teoria da perda de uma chance no âmbito do seguro E&O de advogados. Revista IBERC, v. 5, n. 1, p. 13-28, 30 nov. 2021.

NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado. 1 ed. Salvador: Juspodivm, 2020.