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Responsabilidade civil e imprensa: a caminho de um jornalismo mais responsável

Victor Willcox e Giulia Wilcox

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Atualizado às 08:33

Nas palavras da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, "o poder é a habilidade de não apenas contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva"1. Com esta frase se inicia a série documental "O caso Escola Base", lançada este mês, revisitando o caso histórico, ocorrido na década de 90, em que diversos erros por parte da polícia e da imprensa arruinaram as vidas dos donos da Escola Base, na Aclimação, em São Paulo. Não obstante as severas acusações de pedofilia imputadas aos acusados e o consequente linchamento a que foram submetidos perante a opinião pública, descobriu-se, ao final das investigações, que eles eram inocentes.2

Revisitar esse caso histórico nos convida a revisitar o próprio papel da imprensa e os deveres a serem observados pelos jornalistas em sua atividade, cuja inobservância pode acarretar responsabilidade civil. Não se questiona, por óbvio, o importantíssimo papel desempenhado pela imprensa no Estado Democrático de Direito.3 No presente artigo, pretende-se examinar apenas a responsabilidade civil em decorrência dos excessos praticados no exercício da atividade jornalística, à luz dos parâmetros que vêm sendo delineados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em julgados proferidos nos últimos anos a respeito da matéria.

Segundo o STJ, há três standards de conduta a serem observados no exercício da atividade jornalística. Trata-se dos deveres de veracidade, pertinência e cuidado, cuja inobservância poderá ensejar responsabilidade civil, na hipótese de ofensa a direitos da personalidade de terceiros.4

Se, por um lado, seria temerário limitar o exercício legítimo da liberdade de expressão apenas à divulgação de informações tidas como irrefutáveis - o que poderia inibir injustificadamente a livre circulação de ideias, tão cara à democracia5 -, por outro lado, parece não só razoável como também necessário exigir, daquele que divulgar determinada informação, o dever de diligência na sua apuração (providência usualmente conhecida como fact-checking).

Nesse sentido, em precedente proferido este ano, envolvendo a divulgação de notícia que imputava ao ofendido a possível prática de nepotismo, o STJ entendeu que o dever de cuidado impõe a prévia checagem das informações que vierem a ser divulgadas a respeito de outrem:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. (...) SINDICATO DOS SERVIDORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL QUE, APÓS FAZER REPRESENTAÇÃO PERANTE O CNJ, A RESPEITO DA OCORRÊNCIA DE POSSÍVEL NEPOTISMO, VEICULA A DENÚNCIA EM REVISTA. MUNUS PÚBLICO QUE DEVE SER EXERCIDO COM RESPONSABILIDADE. INOBSERVÂNCIA, NO CASO, DO DEVER DE APURAÇÃO MÍNIMA QUANTO À VEROSSIMILHANÇA DOS FATOS QUE LHE SÃO INFORMADOS, SOBRETUDO QUANDO SE TRATAM DE PROVIDÊNCIAS ABSOLUTAMENTE SIMPLES E QUE SE ENCONTRAM AO SEU ALCANCE, AGRAVADA PELA VEICULAÇÃO DE TAIS FATOS EM PERIÓDICO DE CONSIDERÁVEL CIRCULAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.

1. Sem descurar do indiscutível dever do Sindicato de levar ao conhecimento do CNJ qualquer fato supostamente ilícito de que tenha notícia, atrelado a esse munus, a ser exercido de modo responsável, está o dever de apuração mínima quanto à verossimilhança dos fatos que lhe são informados, sobretudo quando se tratam de providências absolutamente simples e que se encontram ao seu alcance, agravada pela veiculação de tais fatos em periódico de considerável circulação.

2. Mais do que a simples denúncia/requerimento feita ao CNJ para apurar um possível nepotismo - o que, em si, estaria dentro de suas atribuições -, o Sindicato fez publicar a correlata notícia em seu periódico de considerável circulação (nada menos do que dezoito mil exemplares), dando conta de que o Desembargador ali mencionado (cujo nome, embora omitido na matéria, seria, por evidente, internamente, de todos que trabalham no Tribunal de Justiça conhecido), como autoridade pública, permitia que a dita funcionária, embora remunerada pelo cargo comissionado, simplesmente não trabalhasse, apenas comparecendo de quinze em quinze dias. Tratou-se, como se verifica, de veiculação de notícia que não apenas atribuiu ao magistrado a incidência em nepotismo - de indiscutível gravidade -, mas também lhe imputou, claramente, crime contra a Administração Pública (de prevaricação, no mínimo).

3. Da publicação no periódico não constou, como seria de rigor - e aqui reside o dever inobservado pelo Sindicato de checar, minimamente, a verossimilhança de tais fatos, os quais estavam dentro, indiscutivelmente, do seu pleno alcance -, a relevante informação de que a indigitada funcionária faz parte do quadro de servidores efetivos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o que, como é de sabença, dá-se por meio da aprovação em concurso público. Cuida-se, em tese, de funcionária capacitada para o desempenho do cargo, na medida em que a Lei de regência reserva um percentual mínimo para que funcionários do Quadro efetivo do Tribunal exerçam o cargo comissionado em questão, tendo assessorado, inclusive, por longo período, outros magistrados. Não se tratou, pois, de uma nomeação de pessoa estranha ao quadro do Tribunal de Justiça, com fins exclusivamente pessoais e espúrios, como a matéria pretendeu evidenciar.

3.1 Também não se veiculou qualquer informação na "matéria jornalística" em exame, de autoria e de responsabilidade do Sindicato, de que a aludida funcionária assessorava o Desembargador desde de 2007, quando ainda era juiz, em primeira instância. Ainda assim, fez constar, em termos peremptórios, que o Desembargador mantinha união estável com a irmã de sua funcionária - afirmação deveras temerária, e reproduzida na representação, a considerar os requisitos fáticos necessários à configuração dessa entidade familiar no Direito de Família -, a despeito de se tratar de fato, na ocasião, que ainda seria objeto de apuração pelo CNJ.

4. Embora a apuração devesse ficar a cargo do CNJ, a matéria jornalística em comento, de autoria e de responsabilidade do Sindicato, exacerbando, por completo, do compromisso de simplesmente informar a ocorrência da denúncia feita, fez constar que o referido Desembargador permitia que a sua funcionária - pela matéria, em termos peremptórios, sua cunhada - recebia dos cofres públicos o salário, sem trabalhar, comparecendo no gabinete de quinze a quinze dias. Veja-se, a esse propósito, que uma diligência mínima levada a efeito pelo Sindicato poderia checar a frequência e a assiduidade dessa funcionária, providência que, embora de simples consecução, não foi levada a efeito pelo Sindicato como seria de rigor, sobretudo quando optou por divulgar (e até de fazer constar da denúncia ao CNJ) detalhes que não guardam verossimilhança mínima.

6. A partir do quadro fático insculpido na origem - imutável na presente instância especial -, tem-se que o proceder levado a efeito pelo Sindicato desbordou, por completo, do exercício responsável de seu direito de representação e, principalmente, de publicação de fatos (objetos, na ocasião, ainda, de apuração) que, sem guardar verossimilhança mínima, mereceriam maiores cuidados por parte de quem resolve divulgá-los, avançando, indevidamente, na honra dos autores, passível de ressarcimento.

7. Recurso especial improvido.6

Ademais, no presente ano, o STJ também teve a oportunidade de julgar o caso dos "palhaços do Linha Direta", no qual o programa de televisão, além de narrar determinada denúncia de crimes sexuais feita pelo Ministério Público à época, exibiu uma dramatização do ocorrido por atores profissionais. Conquanto as investigações penais ainda estivessem em curso à época, o programa teria sugerido, de forma peremptória, que os acusados teriam efetivamente praticado os crimes que lhes eram imputados. Muito embora, posteriormente, os acusados tenham sido definitivamente absolvidos na esfera penal, sua imagem na sociedade já havia sido fatalmente maculada.7

Nesse caso, a controvérsia submetida ao STJ dizia respeito à quantificação da indenização pelos danos morais suportados pelos acusados, que tiveram sua imagem injustamente atrelada à prática de crimes sexuais em rede nacional. Ao julgar a controvérsia, a Corte parece ter levado em consideração, em especial, o dever de cuidado no exercício da liberdade de imprensa.

O voto vencedor, proferido pelo Min. João Otávio de Noronha, baseou-se na "inconsequência do programa da forma como foi feita"8. Em sentido semelhante, a Min. Maria Isabel Gallotti entendeu que, "quando faz um programa desse tipo antes do trânsito em julgado, antes de condenação definitiva, a emissora assume o risco de arcar com a responsabilidade civil, porque o resultado na vida dos envolvidos, daqueles que são encenados na pele de pastores e palhaços, sem que nunca tivessem sido nem pastores nem palhaços, e praticando atos execráveis, o prejuízo na vida dessas pessoas é incomensurável"9.

Em ambos os precedentes do STJ examinados, houve graves violações à honra dos ofendidos, em virtude da divulgação de informações que lhes imputavam a prática de atos ímprobos e criminosos. A Corte, em contrapartida, impôs compensações pecuniárias, na tentativa de reparar os danos extrapatrimoniais causados pelos excessos no exercício da liberdade de imprensa.

Cabe, contudo, uma advertência: a compensação pecuniária (pelos danos morais suportados) não deve exaurir os mecanismos de tutela do direito à honra do ofendido pela atividade jornalística. Além de medidas alternativas de reparação,10 como a retratação pública11 e o direito de resposta,12 discute-se se a iminência de violação aos direitos da personalidade pela imprensa poderia ensejar eventual tutela preventiva, de modo a obstar a sua materialização.

Segundo precedente paradigmático do Supremo Tribunal Federal, os direitos da personalidade não podem inibir, ex ante, a livre circulação de ideias, devendo eventual excesso no exercício da liberdade de expressão sujeitar-se às consequências previstas no ordenamento, a posteriori.13 Seguindo esse raciocínio, o STJ já entendeu impossível a condenação de determinado jornalista a cessar a divulgação de determinada notícia, sob o argumento da vedação à censura prévia.14 A questão, contudo, não é pacífica.

Se, de um lado, tal posição encontraria respaldo, em nossa cultura jurídica, no justificável repúdio à censura à atividade jornalística - duramente vivida na ditadura militar -, de outro lado, parece imprudente pretender hierarquizar os direitos fundamentais de forma abstrata, devendo o intérprete sopesar a liberdade de expressão com os demais direitos da personalidade envolvidos à luz das especificidades do caso concreto.15

Não se descarta, pois, a adoção, ainda que em casos excepcionais, de soluções mais enérgicas, que impeçam a circulação de informação inverídica que implique grave ofensa à honra de outrem. Nessa linha, sustenta-se, na doutrina, que "as situações jurídicas subjetivas não-patrimoniais merecem proteção especial no ordenamento nacional, seja através de prevenção, seja mediante reparação, a mais ampla possível, dos danos a elas causados"16.

A propósito, no próprio art. 12, caput, do Código Civil, faculta-se ao lesado a possibilidade de "exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos (...)". A própria lei, portanto, estabelece diversos remédios, de natureza ressarcitória, repressiva e - por que não - inibitória.17

O caso da Escola Base e os demais precedentes julgados este ano pelo STJ, examinados ao longo deste artigo, nos convidam a refletir sobre os remédios existentes para tutelarem os direitos à honra e à imagem daqueles prejudicados pela divulgação de notícias inverídicas na imprensa. Em hipóteses severas como as aqui examinadas, limitar tal aparato remedial tão-somente à reparação pecuniária poderia amesquinhar os direitos da personalidade, cuja tutela, juntamente com a liberdade de expressão, é igualmente cara ao Estado Democrático de Direito.

__________

1 Chimamanda Ngozi Adichie, O perigo de uma única história. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 23.

3 Sobre o tema, Owen Fiss demonstra que os cidadãos "dependem de várias instituições para informá-los sobre as posições dos vários candidatos a cargos governamentais e para relatar e avaliar políticas em andamento e as práticas do governo", concluindo que "a imprensa organizada, incluindo a televisão, talvez seja a instituição principal que desenvolve esta função, e, para cumprir essas responsabilidades democráticas, a imprensa necessita de um certo grau de autonomia em relação ao Estado" (FISS, Owen. A ironia da liberdade de expressão - Estado, regulação e diversidade na esfera pública [tradução de Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto]. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 99).

4 "4. O direito à liberdade de imprensa não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na ética e na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo.

5. A jurisprudência desta Corte Superior é consolidada no sentido de que a atividade da imprensa deve pautar-se em três pilares, quais sejam: (i) dever de veracidade, (ii) dever de pertinência e (iii) dever geral de cuidado. Se esses deveres não forem observados e disso resultar ofensa a direito da personalidade da pessoa objeto da comunicação, surgirá para o ofendido o direito de ser reparado" (STJ, AgInt no AREsp 2.090.707/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 17/10/2022, DJe 19/10/2022).

5 Segundo adverte o Min. Luís Roberto Barroso: "Para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade. De fato, no mundo atual, no qual se exige que a informação circule cada vez mais rapidamente, seria impossível pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia. Em muitos casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liberdade de informação (...)" (STF, Rcl 22.328 MC/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. em 06/03/2018, DJe 10/05/2018).

6 STJ, REsp 2.036.582/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. em 25/04/2023, DJe 11/05/2023.

7 "AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. LIBERDADE DE IMPRENSA. LIMITES. REPARAÇÃO POR DANO MORAL. PROGRAMA COM EXIBIÇÃO DE MATÉRIA OFENSIVA À HONRA E À DIGNIDADE. NOTÍCIA ALÉM DO CARÁTER ESTRITAMENTE INFORMATIVO. IRRESPONSABILIDADE CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO DIREITO DE LIBERDADE DE IMPRENSA. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA. RESPOSTA AO DANO. SANÇÃO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. A liberdade de imprensa deve ser exercida com responsabilidade social e individual, dentro de limites éticos e legais, de modo que eventuais excessos devem ser coibidos e caracterizam responsabilidade civil passível de indenização.

2. A irresponsabilidade da imprensa ao exibir, em rede nacional, programa que veicule matéria ofensiva à honra e à dignidade de cidadão enseja dano moral indenizável.

3. A indenização decorrente de exibição de matéria ofensiva à honra e à dignidade de cidadão deve não só considerar a reparação pelo dano moral causado mas também ser suficiente para a sanção da conduta praticada, de forma a coibir novos abusos.

4. Agravo interno desprovido" (STJ, AgInt no REsp 1.770.391/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, j. em 22/11/2022, DJe 02/02/2023).

8 STJ, AgInt no REsp 1.770.391/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, j. em 22/11/2022, DJe 02/02/2023.

9 STJ, AgInt no REsp 1.770.391/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, j. em 22/11/2022, DJe 02/02/2023.

10 Enunciado n. 589 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: "A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio".

11 "O direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da República e na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130/DF. O princípio da reparação integral (arts. 927 e 944 do CC) possibilita o pagamento da indenização em pecúnia e in natura, a fim de se dar efetividade ao instituto da responsabilidade civil" (STJ, REsp 1.771.866/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. em 12/02/2019, DJe 19/02/2019).

12 "1. A pretensão de impor ao ofensor o ônus de publicar integralmente a decisão judicial condenatória proferida em seu desfavor não se confunde com o direito de resposta, o qual, atualmente, está devidamente estabelecido na Lei 13.188/2015.

1.1 O direito de resposta tem contornos específicos, constituindo um direito conferido ao ofendido de esclarecer, de mão própria, no mesmo veículo de imprensa, os fatos divulgados a seu respeito na reportagem questionada, apresentando a sua versão da notícia ao público" (STJ, REsp 1.867.286/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. em 24/08/2021, DJe 18/10/2021).

13 "(...) [A]s relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. (...) [A] Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa" (STF, ADPF 130/DF, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. em 30/04/2009, DJe 05/11/2009).

14 "DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AMEAÇA DE VIOLAÇÃO À HONRA SUBJETIVA E À IMAGEM. MATERIAL DE CUNHO JORNALÍSTICO. TUTELA INIBITÓRIA. NÃO CABIMENTO. CENSURA PRÉVIA. RISCO DE O DANO MATERIALIZAR-SE VIA INTERNET. IRRELEVÂNCIA. (...)

2. O deferimento da tutela inibitória, que procura impedir a violação do próprio direito material, exige cuidado redobrado, sendo imprescindível que se demonstre: (i) a presença de um risco concreto de ofensa do direito, evidenciando a existência de circunstâncias que apontem, com alto grau de segurança, para a provável prática futura, pelo réu, de ato antijurídico contra o autor; (ii) a certeza quanto à viabilidade de se exigir do réu o cumprimento específico da obrigação correlata ao direito, sob pena de se impor um dever impossível de ser alcançado; e (iii) que a concessão da tutela inibitória não irá causar na esfera jurídica do réu um dano excessivo.

3. A concessão de tutela inibitória para o fim de impor ao réu a obrigação de não ofender a honra subjetiva e a imagem do autor se mostra impossível, dada a sua subjetividade, impossibilitando a definição de parâmetros objetivos aptos a determinar os limites da conduta a ser observada. Na prática, estará se embargando o direito do réu de manifestar livremente o seu pensamento, impingindo-lhe um conflito interno sobre o que pode e o que não pode ser dito sobre o autor, uma espécie de autocensura que certamente o inibirá nas críticas e comentários que for tecer. Assim como a honra e a imagem, as liberdades de pensamento, criação, expressão e informação também constituem direitos de personalidade, previstos no art. 220 da CF/88.

4. A concessão de tutela inibitória em face de jornalista, para que cesse a postagem de matérias consideradas ofensivas, se mostra impossível, pois a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não pode ser aprioristicamente censurada.

5. Sopesados o risco de lesão ao patrimônio subjetivo individual do autor e a ameaça de censura à imprensa, o fiel da balança deve pender para o lado do direito à informação e à opinião. Primeiro se deve assegurar o gozo do que o Pleno do STF, no julgamento da ADPF 130/DF, Rel. Min. Carlos Britto, DJe de 06.11.2009, denominou sobredireitos de personalidade - assim entendidos como os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa, em que se traduz a livre e plena manifestação do pensamento, da criação e da informação - para somente então se cobrar do titular dessas situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também formadores da personalidade humana.

6. Mesmo que a repressão posterior não se mostre ideal para casos de ofensa moral, sendo incapaz de restabelecer por completo o status quo ante daquele que teve sua honra ou sua imagem achincalhada, na sistemática criada pela CF/88 prevalece a livre e plena circulação de ideias e notícias, assegurando-se, em contrapartida, o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis e penais que, mesmo atuando após o fato consumado, têm condição de inibir abusos no exercício da liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento.

7. Mesmo para casos extremos como o dos autos - em que há notícia de seguidos excessos no uso da liberdade de imprensa - a mitigação da regra que veda a censura prévia não se justifica. Nessas situações, cumpre ao Poder Judiciário agir com austeridade, assegurando o amplo direito de resposta e intensificando as indenizações caso a conduta se reitere, conferindo ao julgado caráter didático, inclusive com vistas a desmotivar comportamentos futuros de igual jaez.

(...)

10. O maior potencial lesivo das ofensas via Internet não pode ser usado como subterfúgio para imprimir restrições à livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, cuja natureza não se altera pelo fato de serem veiculadas digitalmente. Cumpre ao Poder Judiciário se adequar frente à nova realidade social, dando solução para essas novas demandas, assegurando que no exercício do direito de resposta se utilize o mesmo veículo (Internet), bem como que na fixação da indenização pelos danos morais causados, se leve em consideração esse maior potencial lesivo das ofensas lançadas no meio virtual. Para além disso, caso essas medidas se mostrem insuficientes, nada impede a imposição de sanções alternativas que, conforme as peculiaridades da espécie, tenham efeito coator e pedagógico mais eficientes do que a simples indenização" (STJ, REsp 1.388.994/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 19/09/2013, DJe 29/11/2013).

15 Enunciado n. 613 da VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: "A liberdade de expressão não goza de posição preferencial em relação aos direitos da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro".

16 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 117.

17 SCHREIBER, Anderson; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando; MELO, Marco Aurélio Bezerra de; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 13.