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A revogação da instrução normativa 17-B do Incra e suas consequências jurídicas

quarta-feira, 10 de março de 2021

Atualizado às 08:52

Introdução 

Este artigo tem o propósito de tratar da revogação da Instrução Normativa 17 B do INCRA e suas nuances, consequências jurídicas. Para isso, será necessário introduzirmos falando sobre a criação do INCRA, sua natureza jurídica, atribuições e poderes; o que dispunha esta instrução normativa, para depois entrarmos no tema específico deste artigo.

O INCRA, sigla que denomina o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, foi criado pelo decreto-lei 1110, de 09 de julho de 1970, como entidade autárquica, vinculada ao Ministério da Agricultura, passando a ter todos os poderes, atributos e competências que tinham o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e o Grupo Executivo da Reforma Agrária, órgãos que foram extintos à partir da criação da Autarquia. (artigos 1° e 2 do DL 1110/1970).

Seu objetivo principal é executar a reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional. Como entidade autárquica, possui autonomia financeira e administrativa, não possuindo subordinação à União, mas, se submetendo ao controle finalístico pelo Ente que o criou.

No que tange às Autarquias, fica a lição da doutrina de MATHEUS CARVALHO (p.178, 2019):

"As autarquias serão criadas por lei. Elas são pessoas jurídicas de direito público que desenvolvem atividade típica do Estado, com liberdade para agirem nos limites administrativos da lei específica que as criou. (...)"

Como corolário de sua natureza autárquica e de suas autonomias administrativa e financeira, o Incra possui a prerrogativa de produzir normas técnicas e administrativas, visando alcançar seus objetivos estatutários e finalísticos. Tais normas, sempre produzidas por corpos técnicos, são aprovadas por um Conselho de Direção do Incra, para posteriormente serem assinadas pelo seu presidente.

Uma dessas normas técnicas expedidas pelo INCRA foi a Instrução Normativa 17-B, que teve início de vigência em 22 de dezembro de 1980.  Tal instrução normativa teve como objetivo disciplinar hipóteses específicas de fracionamento de imóveis rurais.  Na verdade, disciplinava três possíveis hipóteses de fracionamento ou parcelamento de imóveis rurais.

A primeira hipótese, nos termos das alíneas 21, 22 e 23 da citada Instrução Normativa, dizia respeito ao parcelamento, para fins urbanos, de imóvel rural localizado em zona urbana ou de expansão urbana. Nesses casos, o INCRA entendia que se aplicava a lei 6766/76 e, eventuais leis estaduais ou municipais, cabendo à Autarquia apenas a atualização do cadastro rural do imóvel, com seu cancelamento (se a transformação em urbano abrangesse a totalidade do imóvel), ou retificação (caso abrangesse apenas parte do imóvel rural).

A segunda hipótese, tratava de parcelamento, para fins urbanos, de imóvel rural localizado fora de zona urbana ou de expansão urbana. Conforme o disposto nas alíneas 31, 32, 33, 34, 35 e 36 da Instrução Normativa, caberia apenas prévia audiência ao INCRA, como condição para aprovação de tal tipo de fracionamento ou parcelamento do imóvel rural. Teriam como fundamentos o artigo 96 do decreto Federal 59428, de 27/10/1966 e artigo 53 da lei 6766/73. Aplicam-se aos casos de projetos de Loteamentos rurais com vistas à: a) urbanização, industrialização e formação de sítios de recreio; b) em áreas urbanas ou em áreas que estejam incluídos em planos de urbanização; c) ou oficialmente declarada pelo Município à qual integra como local turístico, ou caracterizada como estância hidromineral ou balneária; d) ou ainda, comprovadamente tenha perdido suas características produtivas, tornando antieconômico o seu aproveitamento. Para a audiência, o proprietário tinha que apresentar um requerimento por escrito, e comprovar tais circunstâncias possíveis por declaração do Município ou através de um circunstanciado laudo técnico expedido por um técnico habilitado.

Já a terceira e última hipótese tratava de parcelamento, para fins agrícolas, de imóvel rural localizado fora da zona urbana ou de área de expansão urbana. Para estes casos, era necessária uma prévia aprovação do INCRA do projeto de Loteamento ou Desmembramento. O procedimento estava previsto nas alíneas 41 até 48 do citada Instrução Normativa 17-B, e, trazia uma enorme lista de exigências de documentos referentes ao imóvel; ao tipo de fracionamento, Loteamento ou Desmembramento; assim como observância aos ditames do artigo 61 da lei 4504/1964; artigo 10 da Lei 4947/66; artigos 93 e seguintes do Decreto 59428/66, e artigo 8° da lei 5868/72. Uma questão interessante à ser abordada aqui é que eram condições essenciais para a aprovação do fracionamento, o plano de exploração econômica do imóvel (destinação rural), assim como o respeito à fração mínima para parcelamento do imóvel rural, previsto no Certificado de Cadastro do Imóvel (CCIR). Assim, cada gleba à ser loteada ou desmembrada tinha que estar dentro do previsto como o mínimo para parcelamento; o proprietário ou adquirente tinha que exercer a função social do imóvel rural vinculado à um projeto de exploração econômica racional e adequado, respeitando as regras ambientais que, porventura, incidiam sobre o imóvel. Com relação aos Desmembramentos, a doutrina majoritária entendia que era dispensada a autorização prévia e formal do INCRA, sob o fundamento que a previsão da fração mínima para parcelamento nos CCIRs dos imóveis já configurava como uma autorização implícita para a realizações destes tipos de fracionamentos.

Da revogação da instrução normativa 17-B do INCRA

A lei 10267 de 28 de agosto de 2001, alterou dispositivos da lei 5868, de 1972, que é a lei que criou o Sistema Nacional de Cadastros de Imóveis Rurais. Assim, o artigo 1° da lei 5868/72, passou a ter a seguinte redação em seu parágrafo primeiro: "As revisões gerais de cadastros de imóveis a que se refere o parágrafo quarto do artigo 46 da lei 4504, de 30 de novembro de 1964, serão realizados em todo o país, nos prazos fixados em ato do Poder Executivo, para fins de recadastramento e de aprimoramento do Sistema de Tributação da Terra-STT e do Sistema Nacional de Cadastro Rural- SNR"; já o seus parágrafos segundo, terceiro e quarto, trouxeram a criação de um cadastro nacional de imóveis rurais (CNIR), que terá base comum de informações, gerenciada conjuntamente pelo INCRA e pela Secretaria da Receita Federal, produzida e compartilhada pelas diversas instituições públicas federais e estaduais produtoras e usuárias de informações sobre o meio rural brasileiro, com uma base comum, adotando um código único, a ser estabelecido em ato conjunto do INCRA e da Secretaria da Receita Federal, para os imóveis rurais cadastrados de forma a permitir sua identificação e o compartilhamento das informações entre as instituições participantes.

Após a edição desta lei, o Poder Executivo expediu o Decreto Federal 4449, de 30 de outubro de 2002, com o objetivo de regulamentar as questões relativas às emissões dos chamados CCIR (Certificado de Cadastros de Imóveis Rurais); a relação entre os Registros de Imóveis e o INCRA, no que tange as informações de criações ou alterações de cadastros; a criação de um Cadastro Nacional de Imóveis Rurais; e, por fim, regras sobre prazos e procedimentos à respeito de georreferenciamentos de imóveis rurais.

Assim, buscando adequação das suas normas técnicas com as recentes leis inovadoras ou alteradoras das regras que já incidiam sobre os imóveis rurais, em decorrência dos avanços tecnológicos que permeiam toda a Sociedade em seus diversos segmentos, o INCRA resolveu fazer uma revisão de suas normas técnicas e tentar, assim, uma melhora significativa dos seus serviços e um controle mais eficiente do ordenamento fundiário nacional.

Nesse diapasão, sobreveio a Instrução Normativa 82 do INCRA, que dispõe sobre os procedimentos para atualização cadastral no Sistema Nacional de Cadastro Rural, e dando outras providências. Trouxe um aperfeiçoamento no que tange as regras para criação, alteração, retificação ou cancelamento dos cadastros, permitindo que o requerimento seja feito na forma eletrônica. Até o advento desta norma administrativa, o requerimento era feito por escrito à uma Superintendência Regional da Autarquia ou à algum agente credenciado no Município em que se localizava determinado imóvel rural.

Este avanço tecnológico foi muito importante para facilitar maior acesso ao Sistema e, ao mesmo tempo, permitir um cadastro mais seguro, com maiores informações à respeito dos imóveis rurais e maior aperfeiçoamento do controle fundiário.

No entanto, esta mesma Instrução Normativa, no capítulo das disposições finais, mais precisamente em seu artigo 35, revogou expressamente as Instruções Normativas 66, de 30 de dezembro de 2010 e, a Instrução Normativa 17 B de 22 de dezembro de 1980, com o intuito de concentrar todas as regras cadastrais em uma única instrução.

Acontece que, as disposições referentes às hipóteses excepcionais de fracionamentos que eram regulamentadas pela IN 17 B e, que tinham o condão de regulamentar hipóteses previstas em Leis ou Decretos, já acima citados, que não tiveram inconstitucionalidades declaradas ou de não recepção pela Carta Constitucional, não foram reproduzidas na nova instrução que modernizava os cadastros rurais.

Sobreveio, assim, diversas indagações junto ao INCRA, ante ao silencio à respeito de tais hipóteses já que as normas e decretos que tratam dos assuntos estão em vigor.

Um dos indagadores foi o Ministério Público do Paraná, através de sua Promotoria do Meio Ambiente. Em resposta, o INCRA expediu um Ofício sob 148, em 16 de junho de 2016, informando que a Coordenação Geral de Cadastro Rural expediu uma Nota Técnica INCRA/DFC n° 02 de 2016, explicando as razões da revogação da IN 17-B.

Nesta norma técnica, o INCRA trouxe como fundamentos principais o Princípio Constitucional do Pacto Federativo e as repartições de competências entre os Entes Federativos. Trouxe à baila, a previsão do artigo 30, VIII da Constituição da República Federativa do Brasil, para dizer que compete aos Municípios promoverem, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

Em seguida, trouxe como argumentos o Estatuto da Cidade (lei 10257/2001), a lei 11977, que trata do Programa Minha Casa e Minha Vida e, outras seguidas leis para argumentar que as políticas de desenvolvimento urbano e suas execuções devem ficar a cargo dos Municípios e orientadas pelo Planos Diretores dos mesmos.

A partir dessa premissa, as regras de fracionamento específicas do citado provimento revogado, segundo o INCRA, teriam perdido seu fundamento de validade com o advento da  Constituição de 1988.

Em suas conclusões, o coordenador Geral de Cadastros Rurais da Autarquia, estabeleceu as seguintes instruções: a) que somente é admitido o parcelamento de imóveis rurais para fins urbanos nas áreas urbanas ou de expansão urbanas e que não cabe mais ao INCRA exigir uma prévia audiência. A previsão do artigo 53 da Lei 6766/79, ao dispor sobre necessidade de prévia audiência, deve ser reinterpretada no sentido de ser apenas necessária mera realização de operações cadastrais, nos moldes da Instrução Normativa 82/2015 (leia-se cancelamento ou retificação, à depender de ser alcançado o imóvel todo ou parte dele);  b) que nosso ordenamento jurídico pátrio, pós Constituição de 1988, não admite mais o parcelamento de imóveis rurais para fins urbanos em áreas não urbanas ou de expansão urbanas. Assim, eventuais procedimentos que estivessem em andamento até a data da emissão desta Nota Técnica, relacionados à processo de industrialização ou à formação de núcleos urbanos ou sítios de recreio, deveriam ser encerrados, em face da revogação da citada instrução normativa; c) no que tange aos parcelamentos para fins rurais nas zonas rurais, não se necessitaria mais de qualquer manifestação do INCRA. Apenas se necessitaria respeitar a fração mínima de parcelamento, à ser observado em todas as glebas oriundas da divisão, ficando a cargo do Registrador de Imóveis a responsabilidade de avaliar se os ditames legais estão sendo observados, além do respeito a fração mínima e as normas ambientais que incidem sobre o imóvel, como a necessidade de terem Cadastro Ambiental Rural com menção a reserva legal e a área de preservação permanente, assim como a proibição de construir nas áreas de uso restrito. Nestes casos, caberia ao INCRA, assim, apenas realizar as atualizações dos cadastros rurais, nos termos da Instrução Normativa 82/2015.

Considerações finais

Para a melhor compreensão do tema ora proposto, foi tratado neste artigo de forma introdutória, a natureza jurídica do INCRA como Autarquia, e suas funções principais de executar regularização fundiária e promover a ordenação fundiária nacional. Foi também esclarecido que o INCRA tem a prerrogativa de criar normas técnicas com o objetivo de realizar seus objetivos estatutários e finalísticos.

Após, foi apresentado o que dispunha a Instrução Normativa 17-B do INCRA, trazendo as hipóteses em que necessitariam de prévia audiência, prévia aprovação formal ou apenas atualização cadastral, a depender do tipo de fracionamento pretendido.

No que tange à revogação da citada instrução normativa, foram apresentadas as razões e fundamentos exteriorizadas pelo Coordenador Geral de Cadastros Rurais.

Uma questão interessante a ser observada é o fato de a Autarquia invocar a não aplicação do previsto no artigo 96 do Decreto Federal n° 59428, de 27/10/1966, sob o fundamento de não mais ter um suporte jurídico constitucional de validade. Tal conclusão se chega ao percebermos nas razões de decidir exteriorizados na Nota Técnica n° 02 de 2016 do INCRA, ao disporem que "o item 3 da referida norma, que disciplinava o parcelamento, para fins urbanos, de imóveis localizados fora da zona urbana ou de expansão urbana, foi suprimido dos atos normativos internos do INCRA, tendo em vista a vedação deste tipo de parcelamento pelo ordenamento jurídico vigente, considerando a evolução legislativa ocorrida ao longo das últimas décadas, em especial após a instauração da nova ordem constitucional em 05 de outubro de 1988...."

Assim, os chamados Sítios de Recreio, Hotéis Fazenda e Parques Ecológicos não mais são autorizados, por ferimento à função social do imóvel rural, não obstante o Decreto Federal ainda esteja em vigor. Sem querer entrar nesse tipo de discussão, até porque não é a proposta deste artigo, a Autarquia entendeu por não aplicar o Decreto por entendê-lo inconstitucional.

Acertou, no entanto, ao criar a Instrução Normativa 82/2015, e determinar que, para as hipóteses de parcelamento para fins urbanos em área urbana ou de expansão urbana, o caso é de alteração cadastral a cargo da Autarquia, assim como entender que, respeitada a fração mínima de parcelamento prevista no CCIR do imóvel rural, fica à cargo do Registrador de Imóveis a análise de observância dos ditames legais e das regras ambientais, cabendo também ao Incra realizar as alterações cadastrais.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. |Salvador. Jus podium, 2019.

CENEVIVA, Walter. LEI DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES COMENTADA. São Paulo. Saraiva, 2010.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. REGISTROS PÚBLICOS. TEORIA E PRÁTICA. Salvador. Jus Podium, 2019.

SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira. DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO. Curitiba. Juruá Editora, 2018.

*Marcelo da Silva Borges Brandão é notário e registrador do Ofício Único de Varre-Sai/RJ. Pós-graduado em Direito Imobiliário e em Direito Notarial e Registral.