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Recuperação judicial e atividade não empresária

Em uma perspectiva histórica, se verifica que Bento de Faria dissecou quais eram os países que faziam o uso da distinção entre empresários e não empresários. Este é um critério atualmente adotado para separar quem tem acesso aos procedimentos de recuperação e de falência em contraposição ao sistema de insolvência.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Atualizado às 08:05

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1. Introdução

Entre tantos pontos que têm sido discutidos habitualmente, este é um tema que, embora não tão atual, permanece extremamente controvertido, com grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Em uma perspectiva histórica, se verifica que Bento de Faria1 dissecou quais eram os países que faziam o uso da distinção entre empresários e não empresários. Este é um critério atualmente adotado para separar quem tem acesso aos procedimentos de recuperação e de falência em contraposição ao sistema de insolvência2. Os relatos indicam uma divisão entre três modelos: anglo-saxônico, germânico e francês.

Os modelos anglo-saxônico e germânico possuem caráter ampliativo, por não distinguir, para estes fins, as atividades como empresárias ou não empresárias, ao passo que o modelo francês é restritivo por fazer a mencionada distinção, sendo que neste a falência e a concordata são institutos exclusivamente mercantis3. O Brasil, tributário do modelo francês, segue uma corrente que à época já era minoritária, uma vez que não eram tantos países da cultura ocidental que faziam essa distinção entre comerciantes e não comerciantes.

Muito embora o modelo francês tenha sido abandonado pela maioria dos ordenamentos jurídicos, inclusive pela França4, nosso país segue utilizando tal modelo restritivo. Nos Estados Unidos, de tradição diversa, por exemplo, o Chapter 11 (Bankruptcy Code) admite a aplicação para todos os negócios, incluindo pessoas físicas5. O Brasil remanesce numa tradição que faz muito pouco sentido, não parece natural e historicamente, nas mais variadas legislações6, não tem sido tradicional.

São muitos os reflexos que resultam da distinção entre empresários e não empresários. No entanto, o que se tem observado, a partir de casos de ampla repercussão, é um importante movimento por parte da doutrina e também da jurisprudência em admitir os mecanismos de reestruturação, previstos na lei 11.101/05, para atividades que, originalmente, não se enquadravam como empresárias ou que possuem registro como atividade empresária há menos de dois anos7. Nesse sentido, merecem destaque a recuperação judicial de produtores rurais8, de cooperativas9 e também de associações, tal como da AELBRA (mantenedora da ULBRA) e da Universidade Cândido Mendes (UCAM)10.

Para ler o artigo na íntegra clique aqui.

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1 FARIA, Bento de. Direito Comercial IV: falência e concordatas. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco F., 1947, t. 1. p. 27-33. 

2 O critério de dicotomia entre empresários e não empresários também leva a outros efeitos, como algumas distinções tributárias e no campo do direito das obrigações, assuntos que não são objeto de análise neste texto.

3 CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 3. ed. Vol. VII. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1939. pp. 123/124.

4 O que pode ser vislumbrado no Art. L631-2, do Code de Commerce francês: "La procédure de redressement judiciaire est applicable à toute personne exerçant une activité commerciale, artisanale ou une activité agricole définie à l'article L. 311-1 du code rural et de la pêche maritime et à toute autre personne physique exerçant une activité professionnelle indépendante y compris une profession libérale soumise à un statut législatif ou réglementaire ou dont le titre est protégé, ainsi qu'à toute personne morale de droit privé."

5 Conforme se observa nas disposições do Chapter 1, General Provisions (§§ 101 - 112), Title 11 - Bankruptcy.

6 Nesse sentido, verifica-se em países como Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, França, Índia, Inglaterra, Itália, México, Portugal e Rússia.

7 Além da controvérsia já existente em razão da dicotomia, outra discussão se insere. Parte da doutrina e da jurisprudência compreendeu que a redação do art. 48 da lei 11.101/2005 exigia que a atividade fosse registrada e empresária há dois anos. Esta posição mais restritiva está em franco declínio. Com efeito, o art. 48 diz que pode postular recuperação judicial "o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos", sem mencionar que o registro tenha que existir há dois anos (o Art. 51, V, exige apenas a existência do registro) e também sem mencionar que a atividade precisa estar caracterizada como empresária há dois anos (o Art. 1º apenas indica que a lei será aplicável a empresários ou sociedades empresárias, sem fixar prazo para tal). Erasmo Valladão esclarece que a lei criou diversos pequenos incentivos para que se faça o registro, devendo ser considerado o indicativo de registro como um estímulo neste sentido (FRANÇA, Erasmo Valladao Azevedo e Novaes. A sociedade em comum: uma mal compreendida inovação do Código Civil 2002. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro: São Paulo, v. 52, n. ja ago. 2013, p. 32-61). Ademais, o prazo de 2 anos de exercício de atividade (que também não é comum nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, que normalmente não fixam qualquer prazo para que se possa pedir recuperação judicial) tem a finalidade de evitar pedidos de recuperação judicial de atividades que enfrentem crise semanas ou poucos meses após o seu início, fundado na ideia de que negócios em estágio inicial naturalmente possuem maior risco de insucesso (assim aponta estudo estatístico desenvolvido pelo SEBRAE, disponível em: Clique aqui ).

8 Sobre recuperação judicial de produtor rural ver mais em: Clique aqui

9 No que se refere a possibilidade de recuperação judicial de cooperativas: Clique aqui

10 Importante pontuar a distinção entre o caso envolvendo a Recuperação Judicial do Instituto Cândido Mendes e a Recuperação Judicial da AELBRA (mantenedora da ULBRA). No segundo caso houve a transformação da associação para sociedade anônima, através da realização de registro antes da propositura do pedido. Sobre o tema envolvendo a Recuperação Judicial da AELBRA: Clique aqui

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t*André Fernandes Estevez é professor adjunto de Direito Empresarial na PUC/RS. Doutor em Direito Comercial pela USP. Sócio do escritório Estevez Advogados.





t*Caroline Pastro Klóss
é mestranda em Direito pela Universidade de Lisboa. Sócia do escritório Estevez Advogados.

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