MIGALHAS nº 3.219

Quincas Borba

Nas sábias palavras do Professor Goffredo Telles Jr. o romance excelente, no Brasil, surgiu com Machado de Assis. E nasceu com Quincas Borba, em 1891, e com Dom Casmurro, em 1899.

Assim como se dá em Helena, o segundo romance machadiano, aqui também começamos com uma sucessão testamentária.

Quincas Borba parece que querendo pôr à prova a filosofia que criara no livro anterior (o Humanitismo), deixa sua vasta herança ("não cinco, nem dez, nem vinte contos, mas tudo, o capital inteiro, especificados os bens, casas na Corte, uma em Barbacena, escravos, apólices, ações do Banco do Brasil e de outras instituições, jóias, dinheiro amoedado, livros (...) sem desvios, sem deixas a nenhuma pessoa, nem esmolas, nem dívidas), tudo para o "único amigo", Rubião. De fato, ele "era nomeado herdeiro universal do testador".

Havia, no entanto, uma cláusula condicional na disposição testamentária, que obrigava o beneficiário a cuidar do animal de estimação, cujo nome, para aumentar o mistério das imagens machadianas, tinha o mesmo nome do dono. Chamava-se, pois, Quincas Borba. Era um "cão, um bonito cão, meio tamanho, pêlo cor de chumbo, malhado de preto".

E não se poupa extravagância na cláusula testamentária, exigindo ao beneficiário que tratasse o cão "como se fosse a ele próprio testador, nada poupando em seu benefício, resguardando-o de moléstias, de fugas, de roubo ou de morte que lhe quisessem dar por maldade ; cuidar finalmente como se cão não fosse, mas pessoa humana".

Impunha-lhe ainda a seguinte condição : "quando morresse o cachorro, de lhe dar sepultura decente em terreno próprio, que cobriria de flores e plantas cheirosas ; e mais desenterraria os ossos do dito cachorro quando fosse tempo idôneo, e os recolheria a uma urna de madeira preciosa para depositá-los no lugar mais honrado da casa".

As esquisitices do testador já tinham surgido antes, quando este envia uma carta ao beneficiário, pouco antes de morrer. Nela, ele confessava ser "Santo Agostinho" : "descobri isto anteontem", dizia o já totalmente alienado bípede Quincas. A propósito, de olho na herança, Rubião decide não mostrar para ninguém a carta, pois como observa o jurista M. A., entendendo bem do ato jurídico, "provada a alienação mental do testador, nulo ficaria o testamento, e perdidas as deixas".

Voltando à condição de cuidar do cachorro, de início "Rubião achava que a cláusula era natural, mas desnecessária, porque ele e o cão eram dois amigos, e nada mais certo que ficarem juntos, para recordar o terceiro amigo, o extinto, o autor da felicidade de ambos". Até aí tudo bem, não fosse o fato de que, no capítulo anterior à abertura do testamento, Rubião ordenou a um escravo que levasse o cachorro de "presente à comadre Angélica, dizendo-lhe que, como gostava de bichos, lá ia mais um".

E é no capítulo seguinte que ele se dá conta da bobagem. E corre à casa da comadre, de olho na herança. No caminho, imaginou se "algum inimigo, sabedor da cláusula e do presente, fosse ter com a comadre, roubasse o cachorro, e o escondesse ou matasse. Neste caso, a herança..."

É o próprio Rubião quem começa a lucubrar as conseqüências jurídicas :

"Não conheço negócios de justiça, pensava ele, mas parece que não tenho nada com isso. A cláusula supõe o cão vivo ou em casa; mas se ele fugir ou morrer, não se há de inventar um cão ; logo, a intenção principal..."

E fazendo-se de advogado do diabo sugeria :

"Mas são capazes de fazer chicana os meus inimigos. Não cumprida a cláusula..."

Para gáudio de Rubião, e para que o livro tenha sequência, Machado resgata o animal. Ufa ! Aí sim, com a ida de ambos (cão e Rubião) para o Rio de Janeiro, é que começa o livro. Até agora, apesar de todo o processo, foi apenas uma cautelar.

Na ida à Corte, na parada em Vassouras (terra do ministro Luís Roberto Barroso), ele conhece outros personagens, Cristiano de Almeida Palha e sua mulher, Sofia (uma das mais fascinantes mulheres de Machado).

Surge aí o primeiro advogado do livro, um contra-parente deste Palha, indicado por este a orientar acerca do inventário o novo rico da cidade. Era um advogado "muito moço", ao que Palha ainda coloca como uma vantagem, dizendo que deve aproveitá-lo, "enquanto ele não exige que lhe paguem a fama".

E vemos que os temores de Rubião não eram em vão, pois houve mesmo uma "denúncia dada por alguém contra o testamento, alegando que o Quincas Borba, por manifesta demência, não podia testar". Mas a "denúncia foi destruída, e o inventário caminhou rapidamente para a conclusão". Pelo visto, naquele tempo, pelo menos nos livros machadianos, a justiça era célere.

No jantar de comemoração ao fim do inventário, oferecido por Palha, participaram também o advogado, o procurador e o escrivão.

Estando findo o inventário, o advogado machadiano, orientando corretamente o cliente, tentou dissipar de Rubião o temor da não estrita observância da cláusula condicional, explicando que não havia "no testamento cláusula reversível para outrem, no caso de fuga do cachorro". Assim, "os bens não podiam sair-lhe das mãos".

Mas para ele "não valiam afirmações do advogado". E muito o fazia receoso, como "o exemplo de longas demandas, a variedade das opiniões jurídicas sobre uma só matéria, a ação de algum invejoso ou inimigo, e, o que resumia tudo, o terror de ficar sem nada".

Mas afinal isso não acontece, e se termina sem nada, é pelo simples fato de que, perdulário, gasta tudo. Aliás, é bem o momento de parafrasear o testador, lembrando que, no caso, "ao vencedor, as migalhas".

Mas voltando à inebriante narrativa, entre os acontecimentos do livro um capítulo chama a atenção na obra, e choca o leitor. É o que traz a execução de uma pena de morte.

Andando pela rua, Rubião viu um ajuntamento de pessoas. "Um homem, judicialmente trajado", lia em voz alta um papel, a sentença. O assassino era dado como homem frio e feroz. "A notícia dessas qualidades fez bem a Rubião ; deu-lhe força para encarar o réu, sem delíquios de piedade". A propósito, a última execução de pena de morte no Brasil aconteceu na cidade de Pilar/AL, às onze e meia da manhã do dia 28 de abril de 1876.

Deixemos para trás essa passagem. E conquanto não seja muito apropriado em livro de enforcado, é bom darmos corda ao enredo.

Na obra, afora o inominado advogado que atuou no inventário, surge outro, com nome e bem caracterizado. É o dr. Camacho. Em verdade, João de Sousa Camacho.

Era homem político, diz Machado que ele era formado pela Faculdade do Recife (Turma de 1844). No entanto, perdoe-nos leitor a tamanha ousadia, mas Machado está equivocado. É que Camacho não pode ter se formado no Recife em 1844, porque a Faculdade só foi transferida de Olinda para lá em 1852. Deixando de lado esta passagem, voltemos ao advogado Camacho, que tinha a advocacia apenas como um pretexto. De fato, "já na academia, escrevera um jornal político, sem partido definido, mas com muitas ideias colhidas aqui e ali, e expostas em estilo meio magro e meio inchado".

Meio perdido, Camacho era um errante. Se não vivia no luxo, também não passava fome. Como causídico, "não conhecia grandes coisas de Direito". Guardava "algum do que lhe dera a academia, mais a legislação posterior e as práticas forenses". E, na característica típica dos advogados machadianos, "com isso ia arrazoando e ganhando".

Passando os olhos por sua sala, lobrigamos uma estante com livros, "Lobão , Pereira e Sousa , Dalloz , Ordenações do Reino". E pra não dizer que não teve atuação jurídica alguma, em certo momento, ao justificar ausência de Camacho na cena, nosso escritor informa que ele "estava em Vassouras defendendo um réu no júri".

Mas que tem a ver esse Camacho na história ? É que Rubião foi um dos patrocinadores de Camacho, cotizando-se na feitura de um jornal que se dizia independente e inovador, mas que pelo que se expunha era mais um entre os outros.

Num dos muitos arroubos de Camacho, ele fala duns adversários políticos, "os Pinheiros". Deles diz que um até foi aprendiz de barbeiro. E conta : "Matriculou-se, é verdade, na Faculdade do Recife, creio que em 1855, por morte do padrinho que lhe deixou alguma coisa, mas tal é o escândalo da carreira desse homem que, logo depois de receber o diploma de bacharel, entrou na assembleia provincial". E finaliza : "É uma besta ; é tão bacharel como eu sou papa".

Mas a ligação de Camacho e Rubião foi se acabando, e minguando proporcionalmente à medida que o dinheiro deste não corria mais para o sorvedouro daquele.

E quando já não havia afeição alguma (pecuniariamente falando), Camacho, querendo se livrar da presença de Rubião, simulou que estava "escrevendo sem parar, consultando os autos e os praxistas, Lobão, Coelho da Rocha, citando, riscando". Era uma desculpa, dizendo que "tinha um libelo que dar naquele dia".

Acerca do citado Coelho da Rocha, em verdade Manoel António Coelho da Rocha (1793/1850), equivoca-se novamente Machado ao qualificá-lo como praxista. Com efeito, o Direito substantivo era o objeto de seu estudo, tendo sido lente na Faculdade de Coimbra, catedrático de Direito Civil.

Retomando nosso enredo, assim que a burra vai ganhando eco, a simpatia de todos pelo insosso Rubião vai rareando. E ele, sozinho, para matar os longos dias "ia às sessões do júri".

Deixemo-lo, então, em paz. Amanhã saberemos o que há de jurídico no famoso "Dom Casmurro".

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The New York Times - EUA

"Millions of Poor Are Left Uncovered by Health Law"

The Washington Post - EUA

"Focus shifts to debt-limit deadline"

Le Monde - França

"L'université française passe de l'amphi aux cours em ligne"

Corriere Della Sera - Itália

"Res adi Berlusconi, ora il governo è più forte"

Le Figaro - França

"Rythmes scolaires: la fronde des maires s'amplifie"

Clarín - Argentina

"Ganó Moreno: el blanqueo seguirá hasta fin de año"

El País - Espanha

"El Constitucional avala que Baleares no exija el catalán para opositar"

Público - Portugal

"Fusão com a Oi dá dimensão à PT mas sede vai para o Brasil"

Die Welt - Alemanha

"Grüne senden Union Signale der Annäherung"

The Guardian - Inglaterra

"New pressure on Qatar as Fifa meets"

O Estado de S. Paulo - São Paulo

"Endividada, supertele nacional se une a portugueses"

Folha de S.Paulo - São Paulo

"Em meio a dívidas, Oi se funde à Portugal Telecom"

O Globo - Rio de Janeiro

"Violência policial: Inquérito culpa PMs por tortura e morte de Amarildo"

Estado de Minas - Minas Gerais

"Onde mora o perigo"

Correio Braziliense - Brasília

"Até morto assinou ficha de partido de aluguel... Enquanto isso, Marina briga para criar a Rede"

Gazeta do Povo - Paraná

"TJ elege hoje novo presidente em meio a série de problemas"

Zero Hora - Porto Alegre

"Itamaraty tenta liberar bióloga presa na Rússia"

O Povo - Ceará

"Região Metropolitana: 320 comunidades sem abastecimento de água"

Jornal do Commercio - Pernambuco

"Tragédia e dor no Agreste"

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