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A maior recuperação judicial do país

Os aspectos jurídicos do processo de recuperação judicial da Oi, iniciado em 2016, e que está prestes a ter mais um importante passo concluído, com a homologação do adiamento aprovado em nova AGC.

28/9/2020

Desde 2016, quando a Oi iniciou tratativas com diversos credores financeiros para tentar equacionar sua dívida e garantir sua sobrevivência, se descortinava no horizonte um processo complexo, longo e desgastante. Fui testemunha dos esforços da gestão da Companhia desde então para, com dedicação e responsabilidade, criar ambientes interno e externos propícios para o debate acerca de um processo de recuperação judicial com as especificidades de uma empresa da dimensão e importância da Oi. Alguns pontos foram marcantes neste percurso, como:

A Companhia e seus assessores externos, nacionais e internacionais, dos quais, com muita honra, pude fazer parte e contribuir, não pouparam esforços para enfrentar com transparência todos estes desafios. Tudo com a perspectiva de preservação da Oi, como fonte produtiva e geradora de receitas e empregos. E após o processo de aprovação do plano de recuperação, o impacto imediato foi limitado na Companhia. Houve incremento de controles e governança, e grande melhoria de indicadores operacionais com o empenho dos funcionários, numa espetacular demonstração de que a Oi era, sim, uma empresa viável e tinha totais condições de se recuperar. Enfim, era uma RJ diferente, envolvendo recuperandas operacionais geradoras de receita, apesar de dependentes de um ambiente competitivo, muito regulado e em constante alteração.

Mas pouco menos de dois anos após a aprovação do plano, um conjunto de fatores demonstrou que a Companhia precisaria fazer um ajuste de rota. As condições naturalmente adversas de atuar num setor altamente competitivo, que exige elevadíssimos e constantes investimentos, se somaram a uma conjuntura que se tornou desfavorável em razão do cenário externo, econômico, fiscal, regulatório e tecnológico. Com isso, não fazia sentido continuar investindo nos serviços tradicionais de voz fixa e TV por assinatura por satélite, em franco declínio, em prejuízo dos serviços de infraestrutura de fibra, com grande perspectiva de crescimento atual e futuro. Dada a acirrada competição, estrutura e custos regulatórios e declínio acentuado das receitas e interesse da sociedade por muitos destes serviços, a Oi precisava se reinventar, ajustar a rota para sobreviver. A solução apontada, muito bem pensada, com ajuda de assessores financeiros e estratégicos locais e internacionais, foi a de focar na fibra ótica de alta velocidade e serviços digitais, corporativos e de TI associados, dadas as fortalezas e vantagens competitivas que a Oi possui nestas áreas, com um dos maiores backbones do mundo de fibra ótica e cabos.

Em paralelo, definiu-se também a necessidade de promover a alienação de alguns ativos, em particular a operação de telefonia móvel, como estratégia para gerar recursos que viabilizem os vultosos investimentos para expandir a operação de fibra ótica. Assim, a Companhia voltou a se mobilizar, organizando transição equilibrada do seu time de gestão, para enfrentar um novo desafio, que seria ajustar seu Plano de Recuperação Judicial (PRJ). Tudo sempre sob a fiscalização do juízo da RJ e do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Com coragem, a Oi assumiu a necessidade de ajustar seu PRJ, de forma a permitir a criação de Unidades Produtivas Isoladas (UPIs) para alienar ativos importantes e permitir o financiamento de um dos maiores planos de investimento em fibra ótica do mundo, além do pré-pagamento de importantes credores. A Companhia seguiu adiante, tendo pedido em dezembro de 2019, ao juízo da RJ, o não encerramento da supervisão judicial e, logo depois, informando da necessidade de ajuste ao mesmo, através de um aditamento.

O Poder Judiciário do Rio de Janeiro, mais uma vez observando os princípios da recuperação judicial, aquiesceu ao pedido da Oi e concedeu a extensão do prazo da recuperação judicial. Face aos novos desafios, a Oi organizou estrutura transversal e ampla para enfrentá-los. Para este aditamento, pôde-se contar com regras já previstas no PRJ aprovado em 2017. Ali já se previa não apenas a possibilidade de aditamento ao plano de recuperação, mas, principalmente, os critérios de votação que deveriam ser observados na AGC que viesse a ser convocada para deliberar sobre o referido aditamento.

Diante de um PRJ que equacionou grande parte da dívida através de troca por ações da Oi (debt for equity swap) e do fato de não haver no plano previsão de alienação de ativos relevantes através de UPIs, mas apenas alienações de imóveis e de um ativo relevante (a participação da Oi numa empresa angolana de telecomunicações), seria necessário prever a manutenção da paridade de forças para futuras AGCs que viessem a deliberar sobre o futuro da Companhia. Fato semelhante já se verificara em outras RJs de relevo, como da OAS e da OGX. Ratificaram os argumentos da Oi as opiniões abalizadas dos professores Luiz Roberto Ayoub e Manoel Justino Bezerra Filho, ex-Desembargadores com profunda experiência no tema, que defenderam a absoluta legalidade dos critérios de votação previstos e aprovados pelos credores no PRJ Original.

Firme no propósito de cumprir o título executivo em que se consubstancia o PRJ para si, a Oi iniciou as tratativas com os credores, para elaborar o seu aditamento. Tudo isso no contexto da maior crise econômica e sanitária pela qual o Brasil e o mundo ainda estão passando, com a pandemia da COVID-19.

Neste mister, uma realidade que se mostrou cristalina foi a de que o aditamento não se prestava a alterar as subclasses construídas a partir de cada perfil de crédito concursal, que já haviam sido aprovadas pelos credores no Plano Original. O aditamento, com efeito, visava a quatro propósitos: (i) constituição de UPIs para vender negócios da Companhia, gerando no curto prazo o caixa necessário para financiar o plano de investimento em fibra; (ii) antecipação da obrigação da Oi de pré-pagar os credores financeiros, que segundo o Plano Original já possuíam este direito, com o excesso de caixa oriundo das alienações das UPIs não previstas no PRJ Original; (iii) flexibilizar o acesso ao mercado de capitais para ampliar possibilidades de financiamento e; (iv) reduzir a litigiosidade no processo da RJ, através da criação de uma hipótese de pagamento linear para os pequenos credores das Classes I, III e IV, e do equacionamento dos pagamentos de créditos da agência reguladora, por meio de transação autorizada por regra normativa recém publicada. Esta adesão, a propósito, também já se encontrava autorizada no PRJ Original aprovado.

As principais preocupações da Oi foram: (i) manter isonomia entre credores de cada classe, na forma da melhor doutrina, capitaneada pelo Prof. Fábio Ulhoa Coelho, ajustando os valores de créditos que viriam a ser pré-pagos para refletirem o valor presente líquido (VPL) das opções que foram feitas por cada credor quando da aprovação do PRJ Original; (ii) garantir que o desconto pelo pré-pagamento, visando garantir este VPL, seria coerente e equivalente aos percentuais de recuperação (recovery) dos demais credores da mesma classe que optaram, no PRJ Original, por outras formas de reestruturação, através de demonstração séria e cabal, arrimada em pareceres econômicos elaborados por instituições independentes de renome; (iii) garantir que, na criação de cada UPI, não houvesse direcionamento a um credor ou grupo de credores, buscando, sempre, maximizar o valor dos ativos alienados e a ampla competição.

E assim foi feito. Em 15/06/2020, antes do prazo máximo concedido pelo juízo da RJ, a Oi apresentou a primeira versão do aditamento ao PRJ. Como é natural, alguns credores objetaram o referido aditamento. Na sua grande maioria, as objeções foram apresentadas por instituições financeiras nacionais, que questionavam o percentual de desconto por pré-pagamento que a Oi lhes tinha apresentado no aditamento, para refletir, como se disse, o valor presente da opção que elas haviam feito quando da aprovação do PRJ em 2017. No firme objetivo de questionar o referido percentual de desconto pelo pré-pagamento (as recuperandas pagariam, conforme aditamento, os ditos credores financeiros quase dez anos antes do anteriormente previsto!), as instituições financeiras lançaram mão de outros argumentos que, supostamente, maculariam o quórum de eleição da AGC que se avizinhava.

E mais. Na linha da opção que haviam feito em 2017, quando aprovaram o PRJ Original, nem um centavo dos seus créditos seria pago com o excesso de caixa gerado pelas alienações das UPIs a serem concluídas entre 2020 e 2021, posto que, segundo a opção que haviam feito em 2017, num contexto em que não havia a possibilidade de alienação de nenhuma UPI (somente de alguns ativos imóveis e participações internacionais), só teriam direito a algum pagamento em virtude da alienação de ativos se a mesma ocorresse a partir de 2024. A Oi manteve, a despeito de tudo, o firme propósito de dialogar e negociar com todos os credores, visando a demonstrar o extenso trabalho que havia feito para justificar a necessidade do aditamento e da desalavancagem financeira da Companhia, fundamentais para conseguir vender as suas UPIs e acessar recursos para financiar o plano estratégico de fibra ótica de alta velocidade, que já mostra excelentes resultados. Neste sentido, participou ativamente da mediação determinada pelo juízo da RJ e incorporou diversos ajustes propostos pelos credores no aditamento. Infelizmente, a despeito destes vários ajustes incorporados, não houve avanço na compreensão das instituições financeiras litigantes quanto às razões do desconto de pré-pagamento que havia sido inserido no aditamento ao PRJ pela Oi.

Em paralelo, a Oi, junto com os assessores jurídicos e financeiros que atuam neste projeto, conversavam e evoluíam nos processos de prospecção (market sounding), visando a avaliar as condições de mercado e maximizar o valor dos ativos que objetivavam alienar na forma de UPIs. Num trabalho que contou com todas áreas da Companhia, conseguiu-se o sucesso de apresentar-se na AGC, realizada em 08/09/20, três das cinco UPIs a serem alienadas já com propostas firmes e vinculantes pré-qualificadas para participar do processo seletivo de alienação perante o juízo da RJ, na forma do art. 60, c/c com o art. 141 e 142 da LRF. O trabalho de todos foi, de fato, brindado com propostas aceitas que representariam a injeção de quase R$ 18 bilhões de reais na Oi, além de possibilitar um quarto processo de alienação que teve seu preço mínimo de firma (enterprise value) estabelecido em R$ 20 bilhões, configurando assim um conjunto de opções que certamente terão o poder de viabilizar o futuro da Oi.

Enquanto isso, no front judicial, o contraditório com as instituições financeiras seguia. No seu papel, o juízo da RJ e a Desembargadora relatora da RJ da Oi, exercendo a sua jurisdição sempre de maneira serena e ponderada, assessorados pelo Administrador Judicial (AJ), ratificaram a posição da Oi e confirmaram a aplicação das regras do jogo postas de forma clara no PRJ Original, deixando preparado o terreno para a realização da nova AGC. Em mais um pioneirismo da RJ da Oi, realizou-se a maior AGC virtual do Brasil. Mais de 5 mil credores votaram, diretamente ou por meio de representantes, via plataforma virtual, com presidência exercida com firmeza e competência pelo AJ. Tudo isso, graças ao posicionamento firme e corajoso do juízo da RJ e da Desembargadora Relatora, Dra. Monica Di Piero, do TJ/RJ, que, diante dos riscos de uma AGC presencial em tempos de pandemia, determinaram que a mesma fosse realizada de forma virtual.

A AGC transcorreu sem intercorrências e todos os credores puderam participar, exercendo seu direito de voz e voto para decidir sobre tão relevante ajuste de rota da Oi. E, assim como na AGC de dezembro de 2017 que aprovou o PRJ Original, intensas negociações entre as recuperandas e seus credores aconteceram naquele dia, culminando com um ajuste relevante no desconto pelo pré-pagamento dos créditos financeiros dos bancos litigantes e outros credores presentes nesta mesma subclasse, reduzindo-o de 60% para 55%.

A realidade, sempre ela, de novo se impôs. Instalada a AGC, novamente maciça maioria de credores aprovou o aditamento. Na classe 3, a mais pulverizada e onde se situavam as instituições litigantes, 68,15% dos credores aprovaram o aditamento, incluindo um contingente bem significativo de credores da mesma sub-classe dos bancos, sujeitos às mesmas condições de desconto por pré-pagamento! Em quaisquer cenários, sob qualquer critério que os litigantes quisessem defender, o aditamento seria aprovado. E três fatos insistiram em contrariar as instituições financeiras, de forma ainda mais contundente: (i) a Anatel, agência reguladora do setor de telecomunicações, votou a favor do aditamento, aceitando desconto de 50% sobre os seus créditos e, ainda, aceitando que os mesmos viessem a ser pagos em 7 anos, de acordo com adesão a norma legal recém publicada; (ii) um dos credores que também mantém posição de acionista da Oi (com cerca de 9% da Companhia), um daqueles que os bancos litigantes insistiam em afirmar que estavam sendo protegidos pela Oi e que teria influenciado e orientado o desenho do plano, votou contrariamente ao aditamento; (iii) aproximadamente R$ 4,5 bilhões em créditos financeiros, sujeitos ao desconto de pré-pagamento de 55%, antes mencionado, inserido no aditamento, aceitaram o referido desconto e votaram a favor do mesmo na AGC.

Em parecer elaborado a pedido da Oi, o professor Fábio Ulhoa Coêlho foi categórico em afirmar a validade do aditamento da Oi, reafirmando que uma coisa é requerer sacrifício de credores em prol da preservação da recuperanda, outra coisa, diversa, como foi feita no aditamento da Oi, é ajustar a opção escolhida pelo credor no PRJ Original para refletir o valor presente justo desta opção, na realidade de pré-pagamento que havia sido inserida no aditamento ao PRJ, garantindo, segundo o professor, não apenas a isonomia entre os credores da Classe 3, mas também o não enriquecimento ilícito dos credores financeiros que, obviamente, não poderiam receber os seus créditos com toda a antecedência prevista no aditamento, sem qualquer desconto financeiro.

Aguarda-se agora que o juízo da RJ, exercendo seu sempre ponderado juízo de legalidade, homologue o aditamento aprovado na AGC de 08/09/20, de modo que a Oi possa virar esta página, reduzir seu nível de alavancagem financeira e seguir com as alienações das UPIs e o acesso ao mercado de capitais, para financiar o plano de expansão da rede de fibra de alta velocidade. Com a homologação do aditamento, a Oi poderá, ainda, seguir com a proposta de pagamento linear para milhares de pequenos credores, que receberão seus créditos antecipadamente, reduzindo a litigiosidade no processo da RJ.

Ajustada esta rota, e tendo alienado as UPIs propostas no plano, uma delas (UPI InfraCo) refletindo a tendência mundial da separação estrutural, levando à criação de uma rede realmente neutra para prestação de serviços para todas as operadoras em atuação no país, grandes ou pequenas, a Oi seguirá como protagonista na criação da maior empresa de infraestrutura do Brasil, mantendo na mesma relevante participação societária como elemento de criação de valor e garantia do pagamento futuro dos compromissos assumidos na RJ. E continuará provendo serviços digitais e de TI para clientes corporativos e institucionais de grande valor, remanescendo como verdadeira empresa de clientes, mantendo 100% dos clientes e das receitas de serviços associados à infraestrutura de fibra. Com esta estrutura e com a injeção dos recursos que receberá, a Oi, como acionista relevante da InfraCo, chegará a mais de 20 milhões de clientes, prestando a eles serviços de alta qualidade e velocidade, se posicionando entre as maiores provedoras deste tipo de serviço no mundo.

Por fim, e não menos importante, este ajuste de rota aprovado pelos credores e homologado pelo juízo da RJ possibilitará à Oi pré-pagar importantes credores financeiros e gerar os recursos necessários para fazer frente à quitação dos demais credores na forma e condições previstas no seu plano e no estudo de viabilidade elaborados por empresa de auditoria externa, anexo ao aditamento aprovado. Tenho convicção de que a Oi resultante deste processo que se iniciou em 2016 e está prestes a ter mais um importante passo concluído, com a homologação, será uma nova Oi, preparada para disputar a liderança no mercado de fibra, garantindo o espaço que nunca deveria ter deixado de ocupar.

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*Paulo Penalva Santos é professor da FGV/RJ e advogado da Oi no processo de Recuperação Judicial.

 

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