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Licitações e recuperação judicial

Com a jurisprudência do STJ, reafirmou-se a garantida da participação de empresa em recuperação judicial nos processos licitatórios, desde que comprovada sua capacidade ou viabilidade econômico-financeira, já na fase de habitação, com a consequente relativização da exigência de certidões negativas.

9/3/2023

São cabíveis e pertinentes preocupações quanto à garantia do interesse público no caso de empresas que estejam com dificuldades de caixa, problemas fiscais, débitos previdenciários etc. Entretanto, Administração Pública não pode inovar para além de exigências legais. Deve-se, portanto, analisar o caso decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que enfrentou a questão da possibilidade de uma empresa em recuperação judicial participar de processo licitatório.

O gestor de uma autarquia federal se negou a assinar o contrato administrativo consequente de licitação, sob a justificativa de que, no edital do certame, havia previsão de comprovação da boa situação financeira dos participantes. Na sua interpretação, empresas em recuperação judicial não poderiam contratar com o poder público.

Em 2011, o Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão 8271/11-TCU, entendeu que é possível a participação de empresa em recuperação judicial em licitações. Nesses casos, é exigida a apresentação de certidão emitida pela instância judicial competente, garantindo que a concorrente se encontra apta econômica e financeiramente. Recentemente, o posicionamento do TCU foi reafirmado no Acórdão 1201/20.

No STJ, no julgamento do AREsp 309.867/ES, da Primeira Turma, em 2018, firmou-se o entendimento de que, uma vez demonstrada a viabilidade econômica, a exigência da apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada, possibilitando a participação da empresa em recuperação judicial no certame.

O princípio da legalidade não admite que a Administração Pública adote interpretação extensiva ou restritiva quando a lei dispuser de forma expressa a respeito de determinado assunto, sobretudo quanto à restrição de direitos.

O objetivo da lei de Recuperação Judicial e Falências (lei 11.101/05) sempre foi proporcionar meios para que o devedor supere a crise econômico-financeira que o atingiu, com a manutenção dos empregos dos trabalhadores e interesses dos credores. Como se alcançaria tal escopo se uma empresa cujas receitas são oriundas, majoritária ou exclusivamente, de contratos com o Poder Público sofresse com uma proibição em participar de licitações?

Todas as cautelas são cabíveis na proteção do interesse público, desde que não avance para esvaziar o princípio de recuperação da empresa previsto na lei 11.101/05. Afinal, uma empresa que cumpre sua função social, ainda que em recuperação judicial, merece o amparo da legislação especial.

Portanto, com a jurisprudência do STJ, reafirmou-se a garantida da participação de empresa em recuperação judicial nos processos licitatórios, desde que comprovada sua capacidade ou viabilidade econômico-financeira, já na fase de habitação, com a consequente relativização da exigência de certidões negativas. Sendo assim, depreende-se que, existindo conflito entre o princípio do interesse público e o princípio da preservação da empresa, o melhor caminho é aquele que, equilibradamente, pondera e encontra solução que preserve e resguarde a coexistência de ambos os princípios.

Giussepp Mendes
Advogado especialista em direito administrativo público.

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