A polícia prende, o judiciário solta
René Ariel Dotti*
Passados 150 (cento e cinqüenta) anos da publicação dos clássicos Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro, continuam vivas as palavras que o espírito e o talento de Pimenta Bueno modelou na lição de resistência contra o arbítrio:
"Os termos e condições que a lei prescreve, são meios protectores que garantem a execução imparcial da lei, a liberdade e plenitude da accusação e da defesa: são pharóes que assignalão a linha e norte que os magistrados e as partes devem seguir, precauções salutares que encadeão o arbitrio e os abusos, que esclarecem a verdade, e dão authenticidade ou valor legal aos actos" (Empreza Nacional do Diario, RJ, 1857, p.59, 60).
E, mais incisivamente, arremata o Mestre imortal: "É pois conseqüente annular-se o processo, desde que são preteridas as suas formulas substanciaes, ou as cominações expressas da lei, porquanto o que se pratica contra seus preceitos nada vale: seria contradictorio estabelecel-as com esse caracter, e deixar violal-as impunemente" (Ob.cit., p. 60).
Sempre que houver ilegalidade ou abuso em qualquer tipo de prisão impõe-se ao magistrado a obrigação de decretar a nulidade e expedir alvará de soltura se não houver outro motivo legal para a custódia. Deverá fazê-lo ex-officio, ao receber a cópia do auto, ou atendendo petição simples de relaxamento ou da ação de habeas corpus e "imediatamente", como exige o inciso LXV da lei fundamental. É preciso ressaltar as hipóteses em que a complexidade do ato policial exigir exame mais detalhado ou quando a burocracia forense impedir ou dificultar o conhecimento dos autos com a urgência exigida.
O Juiz não pode tolerar a ilegalidade ou o abuso de que conheça, em qualquer modalidade de prisão (flagrante, temporária, preventiva, de pronúncia ou decorrente de sentença condenatória) sob pena de cometer ilícito administrativo, civil e criminal. Com efeito, nos termos do art. 4º, alínea d da Lei nº 4.898/65 (clique aqui), "constitui também abuso de autoridade deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada". Em outras palavras: a pretexto de "salvar" o ato processual não é lícito manter o erro e o abuso.
E a frase do título desta crônica deve ser complementada: "A polícia prende e o juiz solta, cumprindo a Constituição e a sua consciência funcional".
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*Advogado do Escritório Professor René Dotti
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