Têm sido frequentes os casos de mães denunciadas e condenadas por crimes praticados por seus companheiros, sob a alegação de que foram omissas no cuidado de seus filhos. Em geral, são situações graves e extremamente dolorosas, envolvendo lesões corporais, estupro ou mesmo homicídio. Recentemente, noticiou-se a prisão em flagrante, no Rio de Janeiro, da mãe e do padrasto pela morte de um bebê de 11 meses. Levado desacordado a uma UPA - Unidade de Pronto Atendimento no Complexo da Maré, ele apresentava sinais de maus tratos. Apesar das tentativas de reanimação, faleceu na unidade. Segundo a delegada do caso, “ela é a mãe, tinha o dever de agir. Se não fosse a omissão dela, esta criança estaria viva. Então, ela vai responder pelos mesmos crimes do padrasto”.
É preciso ter cuidado na análise desses casos, pois não existe maternidade ideal. Sempre há omissões em relação ao papel social de onipotência e onipresença que continua sendo atribuído às mães. E, a depender de como se entendem essas omissões, promove-se uma criminalização da maternidade, ao tratar as mães como uma espécie de garantidor universal e absoluto. O raciocínio, pouco jurídico, é: se ela tivesse sido uma boa mãe, o crime não teria ocorrido. Em vez da lei, o critério de análise passa a ser aquilo que as mães “idealmente” deveriam fazer, numa distribuição desigual e absolutamente irrealista de funções.
O CP é claro: “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”. Não cabe presumir os requisitos da omissão penalmente relevante. No entanto, muitas vezes, considera-se que a mulher, excetuando as hipóteses de impedimento físico, teria sempre o poder de agir para evitar o resultado. Ignoram-se as muitas condicionantes da vida real; entre elas, a violência doméstica em suas várias dimensões.
Estranhamente, não aplicam o mesmo raciocínio ao pai, quase sempre ausente. Atribui-se à mãe todo o dever e o poder de agir para evitar o resultado, mas, via de regra, ignoram-se a responsabilidade jurídica do pai e as omissões do poder público no cuidado e atendimento da mãe e da criança. Diante de resultados trágicos, em vez de reconhecer a omissão do pai e a sua própria, o Estado descarrega sua ineficiência na mãe, responsabilizando-a penalmente.
“Legalmente, o pai divide com a mãe o poder familiar. É um agente igualmente responsável pelos filhos menores”, lembra a professora da USP, Helena Regina Lobo da Costa. No entanto, em muitos inquéritos e processos sobre suposta omissão da mulher, não há uma compreensão articulada entre o dever e o poder de agir da mãe e o dever e o poder de agir do pai.
Nessa ampliação irrestrita da responsabilidade da mãe, ignora-se não apenas a lei, mas a realidade. Na imensa maioria dos casos, essas mães estão em situação de grande fragilidade social e econômica; muitas vezes, são vítimas de violência doméstica e, não raro, estão grávidas de seus companheiros. É irrealista, disfuncional e ilegal considerar que, se não estiver impedida fisicamente de agir, a mãe tem invariavelmente o poder de agir e, portanto, é responsável pelos crimes do seu companheiro.
Precisamos entender melhor a realidade da maternidade. Precisamos tornar efetiva a responsabilidade do pai. A lei deve assegurar igualdade, não reproduzir desigualdades.