Atuando em demandas múltiplas no âmbito dos Juizados Especiais, sobretudo no interesse de PIE - Produtor Independente de Energia, o qual embora não seja concessionário de serviço público, está sendo responsabilizado objetivamente com base no art. 37, §6º da CF/88 por falhas na prestação do serviço público de energia elétrica, foi possível verificar que apesar de inúmeros recursos extraordinários terem sido admitidos, a presidência do STF, de modo automático, por meio de despacho, devolve os autos à origem para aplicação do Tema 800.1
Do mesmo modo, os agravos em recursos extraordinários possuem o mesmo despacho padrão e, apesar de alguns dos agravos terem sido convertidos em recursos extraordinários2 após devolução do STF e reanálise da origem, a presidência permaneceu despachando os autos à origem para a aplicação do Tema 800.
Nesse contexto, impende destacar que os tais “despachos” possuem fundamentação genérica e não se prestam a explicitar a razão pela qual o precedente suscitado seria aplicável no caso concreto. Ademais, em tais situações não é possível socorrer-se da análise colegiada, a fim de ampliar o debate e expor as razões pelas quais a aplicação monocrática do precedente ocorre de forma equivocada, porquanto o STF compreende que o ato jurisdicional que determina a devolução dos autos à origem para que seja aplicada a sistemática da repercussão geral é irrecorrível.3
Destarte, considerando que tais “despachos” são revestidos de cunho decisório, haja vista que aplica, ainda que indiretamente, um precedente vinculante ao caso concreto, em face destes deveriam ser cabíveis agravo interno a fim de oportunizar à parte realizar o distinguishing, porquanto o princípio da colegialidade possui valor constitucional e reafirma o caráter democrático do STF, sendo corolário necessário de independência e imparcialidade de justiça.
Vale ressaltar que embora o regimento interno do STF disponha em seu art. 13, inciso V, alínea “c”, que o presidente possa despachar como relator, nos termos dos arts. 932 e 1.042 do CPC, até eventual distribuição, as petições, os recursos extraordinários e os agravos em recurso extraordinário ineptos ou manifestamente inadmissíveis, inclusive por incompetência, intempestividade, deserção, prejuízo ou ausência de preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cujo tema seja destituído de repercussão geral, conforme jurisprudência do Tribunal, tem-se que em tais casos este usualmente profere decisões, as quais são passíveis de agravo interno.
Em matéria recente4, li que o presidente do STF destacou que a Corte é a mais produtiva do mundo, com mais de 114 mil decisões em 2024, todavia, sobreveio uma dúvida, será que os despachos da presidência devolvendo os autos à origem para aplicação de tema de repercussão geral são contabilizados como decisões para fins estatísticos, se sim, não deveriam ser recorríveis?
Na verdade, já seria de grande valia se os despachos da presidência possuíssem uma fundamentação mínima, identificando os fundamentos determinantes aptos a demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos adotados na tese de repercussão geral, como preleciona o art. 489, §1º, V do CPC.
De toda sorte, certo é que o princípio da colegialidade reforça o caráter democrático do STF, assim como a sua independência e imparcialidade para atuar como guardião da Constituição, de modo que não é razoável atribuir ao presidente do STF a prerrogativa de determinar aos tribunais de origem a aplicação de determinado tema de repercussão geral, sem que a parte possa insurgir-se em face de eventual equívoco no enquadramento do contexto fático, sobretudo quando o próprio tribunal de origem compreende que não é o aplicável ao caso o tema invocado pelo STF.
Assim, compreende-se que tal prerrogativa suprema ofende o princípio da colegialidade, porquanto dota de irrecorribilidade uma decisão monocrática transfigurada de “despacho”, que na maioria das vezes é fruto de uma distribuição que sequer privilegia o princípio do juiz natural, pois ocorre a distribuição automática para a presidência, a qual perpetua uma análise simplória, sem fundamentação e irrecorrível, que devolve os autos ao tribunal de origem, o qual muitas vezes se vê perdido no enquadramento da situação fática ao tema de repercussão geral, gerando um círculo vicioso e inquebrantável, haja vista a impossibilidade de ampliar a discussão por meio de um colegiado.
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1 Tema 800 - Presunção relativa de inexistência de repercussão geral dos recursos extraordinários interpostos nas causas processadas nos Juizados Especiais Cíveis da Lei 9.099/1995.
2 ARE 1476504; RE 1486247.
3 ARE 874.816-AgR-AgR, Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 8/11/2016); (ARE 927.835-AgR-terceiro, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 11/10/2019); (ARE 862.406- AgR-segundo, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 1º/3/2019); (ARE 904.576-AgR-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 26/10/2016).
4 https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/presidente-do-stf-abre-ano-judiciario-de-2025-e-destaca-uniao-entre-poderes-pelos-principios-da-constituicao/; https://www.migalhas.com.br/quentes/422834/barroso-defende-stf-e-critica-editoriais-do-estadao-por-incitarem-odio.