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Limites e ambiguidades no julgamento do STF

Analisa incertezas no julgamento do STF (Tema 1.148, RE 1301250) sobre limites da quebra de sigilo, na internet.

28/4/2025

I - Indícios

Em 2018, o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista motivou investigações complexas, nas quais o TJ/RJ determinou ao Google a divulgação de registros de IPs e identificadores de dispositivos de todos os usuários que, em 96 horas, pesquisaram termos relacionados ao parlamento (e.g., “Marielle Franco”, “vereadora Marielle”). Em 2023, o STF iniciou o julgamento do RE 1.301.250, apresentado pela empresa de tecnologia, para definir que ponto uma proteção constitucional à privacidade permite uma quebra de sigilo na internet. Embora o caso tenha repercussão geral reconhecida e vá estabelecer balizas para todas as instâncias judiciais, há aspectos centrais sem debate que permanecem pouco claros.

II - Metodologia

Adotou-se abordagem qualificada de análise documental, baseada no voto da ministra Rosa Weber (relatora), nos votos dos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e André Mendonça, bem como nos fundamentos da decisão originária do TJ/RJ.

III -  Resultados: Pontos de incerteza identificados.

III.I. Definição de “grupo indefinido”

Ambiguidade semântica: o voto de André Mendonça restringe uma quebra de sigilo a indivíduos específicos, evitando varreduras genéricas em “grupo indefinido de pessoas”. Contudo, não delimita quais elementos concretos caracterizam esse “indivíduo específico”. Por exemplo, se a simples inserção de um termo de busca constitui elemento suficiente ou se necessário cruzará com outros parâmetros (localização, padrões de navegação).

Impacto prático: a falta de critérios claros pode gerar insegurança jurídica, pois promotores e juízes de primeiro grau de orientação para diferenciar investigações jurídicas de violações de privacidade.

III.II. Critérios de “proporcionalidade” e “fundada suspeita”

Proporcionalidade: Embora invocado como princípio balizador, permanece indefinido quais fatores devem ser sopesados (grau de gravidade do crime, número de pessoas afetadas, duração da quebra).

Fundada suspeita: Uma expressão, comum no Direito Penal, não recepção empírica específica no contexto digital. Não está claro a “densidade probatória” exigida para autorizar coleta de dados: bastam índicios circunstanciais ou é preciso prova prévia mais robusta?

III.III. Lacuna na fixação de limites temporais e temáticos

Período de 96 horas: A decisão originária abrangia um intervalo extenso — quatro dias. Ainda não se estabeleceu parâmetro máximo para futuros casos: se o STF considerará aceitar reduzir prazos ou se admitirá investigação em um intervalo ainda maior quando uma complexidade do caso justificar.

Termos de pesquisa temáticos: O RE usa buscas por termos como “Marielle Franco” ou endereços frequentados por ela. Fica por esclarecer se termos correlatos (por exemplo, nomes de cúmplices ou hashtags associadas) também seriam incluídos no mandado de busca, e sob quais limites semânticos.

III.IV. Critérios de fundamentação da decisão judicial

Exigência de fundamentação clara: Os votos favoráveis (Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin) admitem uma medida desde que haja “critérios claros e fundamentação adequada”. Sem contato, não definindo que elementos mínimos devem ser construídos na decisão que autoriza uma quebra de sigilo de ônus — se a motivação do juiz deve explicitar uma relação causal entre ônus e suspeitos, ou se basta indicar o objeto geral da investigação.

IV. Discussão

A análise revelou que, embora o STF busque harmonizar a proteção à privacidade com uma eficiência investigativa, uma falta de especificação de elementos-chave pode resultar em jurisprudência fragmentada ou insegura. Recomenda-se que, ao retomar o julgamento em 24/4/25, os ministros considerem:

V. Conclusão

O julgamento do RE 1.301.250 figura como marco importante para o direito digital no Brasil. Todavia, para que como diretrizes estabelecidas sejam efetivas e consistentes, é imperativo que o STF esclareça os conceitos de “grupo indefinido”, “proporcionalidade” e “fundada suspeita”, bem como fixe parâmetros objetivos de fundamentação e limites temporais. Uma consolidação dessas balizas promoverá maior segurança jurídica para investigados, empresas de tecnologia e órgãos de persecução penal.

Guilherme Fonseca Faro
Advogado, escritor e empreendedor. Membro dos Advogados de Direita e fundador do Movimento Nordeste Conservador. Especializado em Direito Público. Advogado do PL22 de São José da Coroa Grande - PE

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