Introdução
A saúde é um direito social de todos e um dever do Estado, conforme determina o art. 196 da CF/88. Todavia, apesar da normatização robusta, o acesso efetivo e equitativo aos serviços de saúde ainda é uma realidade distante para uma parcela significativa da população brasileira. Neste contexto, a judicialização da saúde emerge como uma tentativa de suprir as lacunas do sistema público e garantir a concretização de direitos fundamentais, principalmente em situações de urgência e vulnerabilidade.
No entanto, o crescente número de demandas judiciais relacionadas à saúde pública gera controvérsias sobre a legitimidade da intervenção do Judiciário em políticas públicas, questionando-se até que ponto decisões judiciais, muitas vezes individuais, comprometem a coletividade e a própria sustentabilidade do SUS.
O direito fundamental à saúde
O direito à saúde é inalienável, indisponível e de eficácia imediata. O constituinte de 1988 foi claro ao estabelecer, no art. 6º, que a saúde é um direito fundamental social, vinculado à dignidade da pessoa humana e ao princípio da igualdade material. O art. 196 complementa ao dispor que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços”.
Esse direito, contudo, depende da formulação de políticas públicas capazes de compatibilizar a realidade econômica do país com a crescente demanda social. Assim, embora o direito seja universal, sua concretização se dá de forma progressiva e dentro dos limites estruturais do Estado.
O setor da saúde movimenta cerca de R$ 914,8 bilhões por ano no Brasil, ou seja, o equivalente a cerca de 9,2% do PIB - Produto Interno Bruto total nacional. Esses números evidenciam a relevância do setor e a necessidade do Estado e demais atores do sistema de saúde a reformularem suas práticas por meios de ações, visando uma maior eficiência na prestação do serviço.
A má prestação do serviço público de saúde, consequência do alto custo operacional e falta de políticas públicas adequadas, levam a uma judicialização da saúde.
A judicialização como instrumento de efetivação de direitos
A judicialização surge como uma forma legítima de exigir do Estado o cumprimento do direito à saúde, principalmente em contextos onde a inércia administrativa expõe o cidadão a situações de risco. Desde o fornecimento de medicamentos de alto custo até internações, cirurgias e tratamentos específicos, o Judiciário tem se posicionado como um ator fundamental na mediação entre o cidadão e o Estado.
Contudo, o fenômeno da judicialização traz consigo implicações para a política pública: decisões judiciais proferidas sem considerar o contexto orçamentário, o planejamento sanitário e a equidade podem gerar distorções, privilegiando indivíduos em detrimento da coletividade e afetando a capacidade administrativa do sistema.
O aumento dos gastos relacionados à saúde, impostos pelas decisões judiciais elevam a inflação médica. Quando comparamos a inflação médica, utilizando a metodologia da VCMH - Variação dos Custos Médico-Hospitalar, com a inflação dos índices de consumidor, percebemos que a inflação médica é muito superior, demonstrando-se uma perda de acesso ao serviço médico e uma consequente pressão financeira ao Estado.
Limites da política pública e o princípio da reserva do possível
O Estado, em tese, não pode se eximir de garantir o direito à saúde sob o argumento da escassez de recursos. Contudo, é inegável que o orçamento público é limitado e que as escolhas governamentais se baseiam em critérios técnicos, políticos e econômicos. Nesse cenário, o princípio da reserva do possível estabelece que o cumprimento dos direitos fundamentais deve respeitar as condições financeiras e estruturais do Estado.
O STF tem afirmado que o direito à saúde não é absoluto, sendo necessária uma ponderação entre o direito individual e os impactos sociais de cada decisão. Assim, a judicialização não pode significar uma simples “substituição” da política pública pela vontade judicial.
De outra banda, tem-se a CF/88 que garante acesso irrestrito à saúde, para qualquer cidadão brasileiro. Uma equação muitas vezes sem resultado positivo.
O papel do Poder Judiciário na concretização das políticas de saúde
O Judiciário possui a importante função de garantir a efetividade dos direitos fundamentais quando os demais Poderes se mostram ineficazes ou omissos. A judicialização da saúde, neste contexto, deve ser compreendida como um fenômeno de controle social, que força o Estado a corrigir falhas e omissões em suas políticas públicas.
No entanto, é preciso que o Judiciário adote critérios técnicos e multidimensionais ao decidir, especialmente quando os pedidos individuais têm potencial de desequilibrar o sistema e gerar privilégios que aprofundam as desigualdades.
A balança da justiça, nestes casos, tem que ser eficaz e o Poder Judiciário tem que ter a sensibilidade de atender o jurisdicionado em seu pedido sem, contudo, desequilibrar o sistema perante toda uma sociedade. Tarefa difícil!
Considerações finais
A judicialização da saúde é, simultaneamente, um sintoma das deficiências estruturais do SUS e uma resposta legítima do cidadão que busca proteger seus direitos. A tensão entre o direito fundamental à saúde e os limites impostos pela política pública exige do Judiciário uma postura de prudência, sensibilidade institucional e respeito às escolhas democráticas, sob pena de afetar a sustentabilidade do próprio sistema.
Dessa forma, é essencial que a atuação judicial esteja alinhada a uma visão sistêmica, cooperativa e de respeito à coletividade, buscando sempre o equilíbrio entre a concretização de direitos e a responsabilidade fiscal e social do Estado.
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1 BARROSO, Luís Roberto. A eficácia das normas constitucionais e os direitos fundamentais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
3 BRENNER, Maria Paula Dallari. Judicialização da saúde no Brasil: um estudo empírico. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 10-35, 2014.
4 FERRAZ, Octavio Luiz Motta. The right to health in the courts of Brazil: worsening health inequities? Health and Human Rights Journal, v. 11, n. 2, p. 33-45, 2009.
5 APOSTILA, Sistmas e Políticas em Saúde. ALBERT EINSTEN Ensino e Pesquisa.