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Advocacia abusiva/predatória: Uma reflexão sobre desafios, impactos e caminhos éticos

A advocacia abusiva compromete a ética e a justiça. Combatê-la exige regulação, fiscalização, formação ética e inovação no sistema jurídico.

14/5/2025
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A advocacia abusiva, também conhecida como predatória, traz impactos sérios para o Judiciário, as partes e a sociedade. Seu combate passa por regulação, fiscalização, formação ética e inovação. Consolidar uma cultura jurídica mais responsável é fundamental para garantir o respeito à dignidade da profissão e à própria cidadania.

Advocacia abusiva é a prática, por parte de profissionais do Direito, de ajuizar demandas judiciais em massa, desprovidas de fundamento legal ou fático relevante, visando primordialmente vantagens econômicas ilícitas ou a sobrecarga do sistema Judiciário. Esse fenômeno se distingue de litígios legítimos coletivos ou estruturais — necessários e socialmente salutares — porque aqui o objetivo não é buscar justiça, mas utilizar o Judiciário como instrumento de pressão sobre partes adversas (especialmente grandes empresas), negociar acordos automáticos ou ainda lucrar com honorários sem compromisso real com o mérito das causas.

São exemplos recorrentes: (i) Propositura massiva de ações idênticas sobre temas julgados em repercussão geral ou repetitivos pelos tribunais superiores, sem respeito à jurisprudência consolidada; (ii) Peticionamento de demandas inverídicas com documentos padronizados para obtenção de “acordos de gabinete”, especialmente nos juizados especiais; e, (iii) Apresentação de recursos meramente protelatórios e descabidos, visando apenas retardar a execução ou tumultuar o andamento do processo.

Os impactos negativos da advocacia abusiva

a) Para o Poder Judiciário:

  • Sobrecarga processual: O número excessivo de demandas abusivas contribui para o congestionamento dos tribunais, dilatando prazos e dificultando a prestação jurisdicional célere e eficiente.
  • Desgaste institucional: A credibilidade do Judiciário é abalada, ao ser visto como palco de expedientes oportunistas e não de debates sérios sobre direitos legítimos.

b) Para as partes:

  • Prejuízo financeiro e processual: Réus e autores acabam arcando com custas indevidas, honorários e, muitas vezes, sendo forçados a negociar para evitar desgaste material e emocional.
  • Insegurança jurídica: A proliferação desses litígios enfraquece o princípio da segurança jurídica, dispersando o foco nos processos legítimos.

c) Para a sociedade:

  • Desestímulo ao acesso à justiça: O aumento artificial de demandas prejudica quem realmente precisa do Judiciário, tornando a justiça mais cara e lenta para todos.
  • Desvalorização da advocacia: A imagem da profissão é comprometida, visto que práticas antiéticas contribuem para a generalização de estigmas negativos.

As motivações para a advocacia abusiva:

a) Econômicas:

Os honorários advocatícios em série podem gerar ganhos expressivos com baixo esforço intelectual, sobretudo nas chamadas “ações de prateleira”.

Recompensas financeiras rápidas e oportunações para acordos com grandes litisconsortes passivos, tais como bancos e operadoras de telefonia.

b) Culturais e sistêmicas:

Sentimento de impunidade diante de penalidades brandas ou fiscalização insuficiente pelos órgãos de classe.

Cultura do “volume” em detrimento do compromisso com a qualidade e a ética, estimulada por escritórios que tratam o litígio como linha de produção.

c) Éticas:

Flexibilização de princípios éticos diante de pressões econômicas, concorrenciais e da própria precarização do mercado jurídico.

O combate à advocacia abusiva: Regulação e instituições:

a) Marco legal

O CPC (arts. 80 e 81) prevê punições para litigância de má-fé, incluindo multa e indenização por dano processual.

A legislação de regência da OAB estabelece padrões éticos e disciplinares, definindo infrações e penalidades para condutas incompatíveis com a dignidade da advocacia.

b) Judiciário e órgãos de classe

Tribunais têm editado súmulas, portarias e decisões que possibilitam o reconhecimento coletivo da litigância predatória, inclusive com bloqueio de demandas, aplicação de multas e envio de representações à OAB.

OAB - Ordem dos Advogados do Brasil vem se manifestando publicamente sobre o tema, instaurando processos disciplinares e orientando sobre boas práticas.

Sistemas de automação judiciária já identificam padrões repetitivos para alertar as corregedorias.

As boas práticas e prevenção.

Para advogados:

Avaliar criteriosamente a viabilidade jurídica do caso antes da propositura da demanda, evitando petições padrão sem análise individualizada.

Manter-se atualizado com a jurisprudência e privilegiar a solução consensual de conflitos.

Para empresas:

Implementar setores de compliance e canais de diálogo com clientes para resolução extrajudicial de demandas.

Monitorar causas frequentes e buscar aperfeiçoamento em políticas de atendimento.

Para o sistema de justiça:

Fomentar políticas de conciliação, mediação e arbitragem.

Investir na modernização de sistemas de detecção de demandas repetitivas abusivas.

Os desafios, opiniões e perspectivas futuras

Ainda que as iniciativas regulatórias estejam em constante evolução, o desafio maior é de ordem cultural e ética. A advocacia abusiva reflete distorções do próprio mercado jurídico — muitas vezes, alimentadas pelo volume, pela pressão do produtivismo e pela dificuldade de fiscalização.

Por isso, a importância das faculdades de Direito, que são pilares fundamentais para a qualificação do operador jurídico, devendo conjugar rigor técnico, formação ética e compromisso social. Regulamentações são robustas, porém desafios contemporâneos demandam inovação constante, inclusão e efetivação de práticas cidadãs. O aprimoramento da fiscalização e o incentivo à excelência são essenciais para alinhar a formação acadêmica às demandas complexas do cenário jurídico brasileiro.

O fortalecimento da cultura ética, com valorização do papel social do advogado, é fundamental. A tecnologia desponta como aliada, facilitando a identificação e o combate a práticas abusivas, mas não substitui a necessidade de formação ética contínua.

No futuro, é possível que vejamos:

  • Restrições procedimentais mais rígidas para ações em massa e recursos protelatórios.
  • Ampliação das responsabilidades pessoais de advogados e sociedades de advogados.
  • Valorização dos métodos alternativos de resolução de conflitos.

Vale registrar o Tema 91 do TJ/MG que foi admitido: necessidade de prévia tentativa de solução administrativa para configuração do interesse de agir, que fixou o entendimento de que o interesse de agir somente é constatado quando o consumidor comprovar que tentou solucionar a controvérsia de forma administrativa, conforme acórdão exarado no IRDR2922197- 81.2022.8.13.00001.

  • Adoção de mecanismos preventivos (como filtros informatizados) na distribuição das ações judiciais.

A advocacia abusiva representa não apenas um desvio do exercício profissional, mas ameaça a credibilidade da justiça, prejudica partes envolvidas e pode inviabilizar o acesso eficiente à tutela jurisdicional. É fundamental que a resposta a esse fenômeno seja sistêmica, preventiva e corretiva, combinando regulação, fiscalização e educação.

Enfrentar a advocacia abusiva é missão de toda a comunidade jurídica, exigindo vigilância, reflexão constante e disposição para aperfeiçoar o sistema — sempre em busca de uma advocacia digna e de uma justiça efetivamente democrática.

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1 https://drive.google.com/file/d/1o1hVDZ0psbXS2rBFgci9obzi7Myz2- qa/view?usp=sharing

Autor

Stanley Martins Frasão Advogado, sócio de Homero Costa Advogados Diretor Executivo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados

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