Na sessão de julgamento do dia 30 de abril 2025, o Plenário do TCU - Tribunal de Contas da União apresentou, por meio do acórdão 965/2025, um entendimento singular quanto ao instituto da prescrição intercorrente no âmbito da TC - Tomada de Contas 017.695/2014-7, sob a relatoria do ministro Weder de Oliveira.
A TC buscou apurar supostas irregularidades cometidas em procedimento licitatório realizado para a aquisição de trens elétricos por parte da empresa de Trensurb - Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. Originou-se de representação formulada em junho de 2014 pelo então procurador da República no Estado do Rio Grande do Sul, sob a alegação de frustração do caráter competitivo da licitação devido à realização de ajustes e outros expedientes ilícitos pelas empresas integrantes do consórcio vencedor do certame.
Após pedido de vista do MP/TCU - Ministério Público junto ao TCU em sessão plenária realizada em março de 2025, sob a alegação da necessidade de exame de possível prescrição intercorrente nos autos, esta passou a ser a controvérsia central da TC. Seria necessário, portanto, analisar se o ato de encaminhar um ofício do Tribunal – que reiterou diligência anterior direcionada ao CADE, com vistas a trazer elementos probatórios fundamentais para o deslinde dos autos – se caracterizaria como interruptivo da prescrição intercorrente, à luz do disposto no § 1° do art. 8° da resolução TCU 344/221.
Para o MP/TCU, a reiteração de diligência frustrada é capaz de interromper a prescrição intercorrente, tendo em vista que essa ação mantém incólume a finalidade originária de apuração dos fatos e constitui desdobramento de diligência original. Portanto, essa medida não poderia ser considerada ato de mero seguimento processual sem relevância no curso das ações, como seria o caso de um simples carimbo ou a distribuição de processos entre as unidades.
Ao adentrar nas questões de mérito, o parquet considerou ser inequívoco o conluio entre as empresas na formação do consórcio vencedor do certame. A investigação empreendida e corroborada pela Unidade Técnica do TCU teria demonstrado que as companhias envolvidas poderiam, de fato, ter competido entre si e oferecido preços mais vantajosos, mas optaram por apresentar proposta única, 0,1% abaixo do orçamento da Administração, em fraude à licitação.
Por outro lado, o ministro Relator, cujo entendimento prevaleceu no julgamento, reconheceu a ocorrência da prescrição intercorrente no processo e determinou o seu arquivamento. Pontuou que a questão da prescrição no âmbito do TCU é complexa e ainda está em desenvolvimento, inspirada por decisões do STF que nem sempre apresentam uma posição consistente. Destacou que, inicialmente, a Corte de Contas e o STF foram cautelosos na definição dos atos administrativos que ensejariam a interrupção da prescrição, preocupados em evitar que inúmeras ações, especialmente em processos de Tomada de Contas Especial, que visam o ressarcimento ao erário, viessem a prescrever.
Entretanto, o ministro alinhou-se ao princípio subjacente ao instituto da prescrição, o qual postula que a segurança jurídica deve ser garantida à sociedade e o Estado deve arcar com as consequências geradas pela sua inércia. Na sua visão, para que a prescrição se interrompa sob a ótica da resolução TCU 344/22, o ato praticado deve interferir de modo relevante no curso das apurações, possuindo algum caráter decisório ou analítico relevante, e não sendo apenas um ato de mero andamento processual. Esse entendimento estaria em consonância com a tendência evolutiva observada no STF2 e em pareceres do exarados pelo parquet que atua junto ao TCU.
Complementarmente, o ministro Weder de Oliveira foi enfático ao destacar que “se há um ato que deve, nesse contexto, deixar de ser considerado ato interruptivo é exatamente um ato de mera reiteração de um pedido de informações feito a outro órgão público”, de modo que a reiteração de uma solicitação não pode produzir os mesmos efeitos em relação à prescrição que o ato original produz.
Apresentou, ainda, uma distinção entre os diferentes tipos de reiterações, enfatizando que o caso concreto envolvia uma repetição de pedido de informações feito pelo Estado (via TCU) para o Estado (CADE) – ou seja, uma relação dentro do próprio Estado. Não se trataria, portanto, de reiteração de diligência (i) dirigida ao responsável; (ii) em razão de pedido do responsável; ou (iii) que teria se feito necessária pelo fato de a diligência inicial ter restado infrutífera por ação do responsável. Diante disso, afirmou que a repetição da diligência feita anteriormente ao CADE não constituiria um novo ato apuratório nem mesmo um ato processual apto a interromper a prescrição intercorrente.
Caso se entendesse o contrário, fraturar-se-ia o próprio instituto da prescrição, além de comprometer a capacidade de a Administração assegurar uma apuração tempestiva e diligente. Nesse cenário, o Estado poderia ficar inerte por longos períodos, limitando-se a uma atividade formal por meio de reiterações.
Por sua vez, o ministro Jorge Oliveira, na parte de seu voto referente à possível incidência de prescrição intercorrente no processo, alinhou-se à manifestação do parquet. Segundo ele, para a interrupção dessa modalidade de prescrição, basta um ato útil que ajude a impulsionar o processo, não sendo necessariamente exigido que possua teor apuratório.
Para o ministro, até que a legislação ou o STF discipline o tema de forma diversa, o TCU deve maximizar as oportunidades de exercer seu papel constitucional de controle, considerando temerária a interpretação de que uma simples reiteração do mesmo fato não seria ensejadora da interrupção do prazo da prescrição intercorrente. Em seu entendimento, igualar o TCU a outros órgãos da Administração Pública “diminui a importância de um órgão de controle com assento constitucional”.
No mérito, o ministro Jorge Oliveira divergiu do MP/TCU, reconhecendo a procedência da representação, mas destacando que os fatos já haviam sido apurados e sancionados pelo CADE. Considerando a proporcionalidade e os efeitos práticos de uma nova penalidade, entendeu que a sanção aplicada pelo CADE teria sido suficiente para coibir as condutas ilícitas e preservar a integridade do sistema de contratações públicas, tornando desnecessária a aplicação de nova sanção pela Corte de Contas.
Embora não tenha votado por estar presidindo a sessão de julgamento, o ministro Walton Alencar Rodrigues manifestou a sua concordância com o voto do ministro Jorge Oliveira, afirmando que excessos no delineamento das margens de prescrição podem causar simplesmente a inaptidão do TCU para cumprir sua função vital que é a fiscalização efetiva da Administração Pública. Além disso, ressaltou a necessidade de o Congresso Nacional estabelecer os critérios sobre o tema que devem ser obedecidos pelo Tribunal.
Os demais ministros presentes na sessão acompanharam o voto do relator, sendo importante destacar que os ministros Antônio Anastasia, Augusto Nardes e Bruno Dantas reconheceram ter modificado o seu entendimento sobre a matéria após os debates na sessão de julgamento. Em particular, o ministro Anastasia divergiu do ministro Jorge Oliveira, aduzindo que tanto TCU quanto CADE integram o Estado e, portanto, estão submetidos ao mesmo arcabouço jurídico, não cabendo distinções que privilegiem um órgão de controle.
De modo semelhante, o ministro Bruno Dantas concordou que a prescrição deve correr contra o Estado como um todo e não apenas contra o TCU, reforçando que, diante da omissão do CADE, o TCU tinha a obrigação de ter assinado prazo para que o ofício fosse cumprido ou adotado medidas para prosseguir com a apuração independentemente da resposta requisitada. Como não o fez, a prescrição resulta exatamente na punição por essa inação.
Assim, o Plenário da Corte de Contas decidiu que a mera reiteração de um pedido de informações feito a outro órgão público não seria apto a interromper a prescrição intercorrente prevista pelo art. 8°, § 1°, da resolução TCU 344/22.
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1 Art. 8º Incide a prescrição intercorrente se o processo ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, sem prejuízo da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. § 1° A prescrição intercorrente interrompe-se por qualquer ato que evidencie o andamento regular do processo, excetuando-se pedido e concessão de vista dos autos, emissão de certidões, prestação de informações, juntada de procuração ou subestabelecimento e outros atos que não interfiram de modo relevante no curso das apurações.
2 O Relator citou, inclusive, um precedente do STF que corrobora essa visão: “Admitir-se que o prazo prescricional possa ser interrompido por um número indeterminado de vezes, bastando que para isso se verifique a ocorrência de uma das causas previstas no art. 2º da Lei nº 9.873/1999, seria o mesmo que, na prática, chancelar a tese da imprescritibilidade das apurações levadas a efeito pelo TCU, o que, como já observado, não encontra ressonância no ordenamento jurídico brasileiro” (STF, MS 39.803, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 05/12/2024).