No universo dos concursos públicos, a fase de avaliação de saúde costuma ser tratada como etapa de menor complexidade, mas não raramente revela-se um ponto crítico de controvérsias e exclusões sumárias. Entre os diversos exemplos, há um que merece atenção especial: a eliminação do candidato que, mesmo comparecendo regularmente ao exame médico, é desclassificado por não apresentar um exame complementar - cuja necessidade sequer compreendia, por não ter conhecimento técnico suficiente para tal exigência.
Essa situação expõe um problema jurídico relevante. Afinal, pode o candidato ser eliminado sumariamente por não apresentar um exame cuja necessidade não lhe era clara? A resposta, sob a ótica do princípio do devido processo legal, é negativa.
Em primeiro lugar, é necessário compreender que o candidato não é profissional da área médica. Sua obrigação é comparecer à avaliação de saúde conforme as orientações do edital, não podendo ser responsabilizado por não antever a necessidade de exames complementares específicos, cuja indicação depende da avaliação técnica de um médico. O edital, por sua vez, em regra, prevê a possibilidade de solicitação de exames complementares durante ou após a avaliação médica, exatamente para suprir lacunas diagnósticas e permitir a adequada aferição da aptidão do candidato.
Assim, eliminar um candidato que esteve presente à avaliação e cooperou com os procedimentos previstos, mas que não apresentou previamente um exame técnico cuja ausência só poderia ser detectada por um profissional de saúde, é medida que viola o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal — todos garantias constitucionais asseguradas pelo art. 5º, incisos LIV e LV, da CF/88.
Mais do que isso, tal eliminação ignora a própria lógica do edital. Se há a previsão expressa de possibilidade de solicitação de exames complementares, o correto seria que a junta médica apontasse a necessidade do exame ausente, intimando o candidato a apresentá-lo no prazo razoável. O edital não pode ser interpretado de forma a tolher direitos que ele próprio assegura.
A jurisprudência pátria tem reconhecido que a eliminação de candidato por ausência de exame complementar, sem a prévia notificação para sua realização, caracteriza violação aos princípios da razoabilidade, da legalidade e da boa-fé. O TJ/DF, por exemplo, em diversas decisões, tem reafirmado que o candidato não pode ser penalizado por falha atribuível à própria banca examinadora, tampouco pode ser exigido que tenha conhecimentos técnicos que não possui.
Ademais, a Administração Pública deve observar o princípio da supremacia do interesse público, que aqui se traduz não apenas na proteção à legalidade do certame, mas também na preservação do direito de acesso a cargos públicos daqueles que efetivamente preenchem os requisitos exigidos. O candidato que se apresenta à avaliação médica demonstra inequívoca disposição de se submeter às exigências do certame; não é razoável que seja excluído sem qualquer chance de sanar a suposta irregularidade documental de caráter técnico.
Portanto, o que se sustenta é que, diante da ausência de um exame médico complementar, o caminho legítimo e juridicamente adequado seria a notificação do candidato, com prazo para regularização. A eliminação sumária, nesses casos, é desproporcional, e deve ser revista administrativa ou judicialmente.
É preciso lembrar que concursos públicos são processos seletivos regidos por princípios constitucionais, e não meros rituais formais. A forma deve servir ao conteúdo, não o contrário. A exclusão automática de um candidato que compareceu à avaliação médica, sem lhe ser dada oportunidade de suprir um exame técnico, não encontra respaldo nem na lei, nem no bom senso.
Em um Estado Democrático de Direito, o processo seletivo deve ser permeado pela justiça material, e não pela rigidez burocrática. O candidato tem, sim, um bom direito a ser reconhecido: o de participar de todas as etapas do concurso com observância aos princípios do contraditório e da razoabilidade, inclusive na fase de avaliação de saúde.