A busca pela efetividade da prestação jurisdicional, especialmente na fase de execução, representa um dos maiores desafios enfrentados pelo Poder Judiciário brasileiro. Estudos, como o "Justiça em Números" do Conselho Nacional de Justiça, apontam que a fase executiva concentra a maior parte do acervo processual pendente de baixa, com tempos médios de tramitação significativamente superiores aos da fase de conhecimento.
Este cenário complexo é, em grande medida, impulsionado pela notória dificuldade do credor em localizar bens do devedor que sejam passíveis de penhora e suficientes para a garantia da dívida, um entrave que transcende a capacidade dos credores, a produtividade judicial, afetando diretamente a concretização do direito material.
Desafios na localização de bens do devedor
A falta de efetividade na fase de execução é um gargalo persistente que compromete todo o sistema de justiça.
Dados apontam e sugerem que, ao final de 2021, o Poder Judiciário contava com um acervo de 77 milhões de processos pendentes de baixa, dos quais mais da metade, precisamente 53,3%, referia-se à fase de execução e que o tempo médio de tramitação de uma execução de título extrajudicial no Primeiro Grau da Justiça Estadual, por exemplo, alcança 6 anos e 4 meses, em contraste com os 2 anos e 8 meses de um processo de conhecimento.
No âmbito do TJ/SP, o panorama é similar, com 15,5 milhões de execuções em um acervo total de 21,6 milhões de processos pendentes de baixa, resultando em uma taxa de congestionamento na execução de 91,5%, contra 72,8% na fase de conhecimento.
Essa realidade sugere que há fatores externos prejudiciais a perseguição do crédito, notadamente a dificuldade em localizar o devedor e, principalmente, bens penhoráveis que garantam a satisfação do crédito, muitas vezes não chegando a etapa de penhora, menos ainda em leilão.
Na busca de superar esses fatores exógenos prejudiciais, denota-se que o Poder Judiciário, ao longo do tempo, incorporou uma série de atividades, transformando-se em um grande "expedidor de ofícios" para diversos órgãos públicos e empresas privadas. Essa proliferação de requisições, por sua vez, impulsionou a criação de múltiplos sistemas e portais, visando conferir ao Judiciário acesso direto a bases de dados variadas, bases estas que serão apresentadas no tópico seguinte.
Ferramentas ou mecanismos de buscas de bens do devedor
Diante da complexidade da busca patrimonial, o sistema de justiça brasileiro desenvolveu e aprimorou diversas ferramentas eletrônicas para auxiliar o credor na localização de bens e informações do devedor.
O SISBAJUD - Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário, sucessor do BacenJud 2.0, é uma das mais relevantes, resultado de um Acordo de Cooperação Técnica entre o CNJ - Conselho Nacional de Justiça, o Banco Central do Brasil e a PGFN - Procuradoria da Fazenda Nacional.
Este sistema permite a inclusão de três tipos principais de ordens: bloqueio de valores, requisição de informações e quebra de sigilo.
Sua abrangência é vasta, incluindo bancos comerciais, múltiplos, de investimento, caixas econômicas, cooperativas de crédito, distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários, sociedades de crédito, financiamento e investimento (financeiras), e, também instituições de pagamento autorizadas pelo Banco Central, inclusive Fintechs.
O SISBAJUD atinge uma ampla gama de ativos e investimentos, como contas correntes, poupança e de investimento, produtos de cooperativas de crédito, ativos negociados em bolsa, fundos de investimento, moedas eletrônicas e ativos Selic.
Uma funcionalidade notável é a "Teimosinha", que permite a reiteração automática de ordens de bloqueio de valores por um período determinado, buscando atingir o valor da dívida em tentativas sucessivas.
Além disso, o sistema permite a requisição de informações cadastrais, utilizando o CCS - Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional para identificar as instituições financeiras de relacionamento do executado. O CCS é o sistema do Banco Central que armazena os registros dos relacionamentos entre clientes e instituições financeiras, permanecendo integrado ao BacenJud e ao seu sucessor, o SISBAJUD, (CNJ, 2020).
Outra ferramenta crucial é o INFOJUD, parceria entre o CNJ e a Receita Federal, que substituiu o envio de ofícios em papel para a obtenção de informações cadastrais e cópias de declarações.
Através dele, é possível solicitar dados de pessoas físicas (DIRPF - Declaração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas, DITR - Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural) e jurídicas (DIPJ - Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica, ECF - Escrituração Contábil Fiscal), além de informações sobre operações imobiliárias (DOI - Declaração de Operações Imobiliárias, DIMOB - Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias) e cartões de crédito (DECRED - Declaração de Cartões de Crédito).
No entanto, a utilidade de algumas dessas pesquisas para a localização de bens penhoráveis é limitada, como a DIPJ, que foi substituída pela ECF e não contém campos para declaração de bens, ou a DECRED, que se refere a operações pretéritas e não é meio hábil para constrição de valores.
Ao propósito, e abordaremos com mais profundida em outro artigo, a DIMOB - Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias ferramenta importante para localizar patrimônio e rendas possivelmente ocultados pelo devedor, a cuja apresentação é obrigatória para as pessoas jurídicas e equiparadas que comercializarem imóveis que houverem construído, loteado ou incorporado para esse fim, que intermediarem aquisição, alienação ou aluguel de imóveis, que realizarem sublocação de imóveis, que se constituírem para construção, administração, locação ou alienação de patrimônio próprio, de seus condôminos ou de seus sócios, conforme artigo 1º da Instrução Normativa RFB 1115, de 28/12/2010.
Nesse sentido:
Instrução normativa RFB 1115, de 28 de dezembro de 2010, Publicado(a) no DOU de 30/12/2010, seção 1, página 96, Dispõe sobre a Dimob - Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias e dá outras providências, [Alterado(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 2218, de 17 de setembro de 2024: Art. 1º A Dimob - Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias é de apresentação obrigatória para as pessoas jurídicas e equiparadas: I - que comercializarem imóveis que houverem construído, loteado ou incorporado para esse fim; II - que intermediarem aquisição, alienação ou aluguel de imóveis; III - que realizarem sublocação de imóveis; IV - que se constituírem para construção, administração, locação ou alienação de patrimônio próprio, de seus condôminos ou de seus sócios. § 1º As pessoas jurídicas e equiparadas de que trata o inciso I apresentarão as informações relativas a todos os imóveis comercializados, ainda que tenha havido a intermediação de terceiros.
O RENAJUD é o sistema online de restrição judicial de veículos, interligando o Judiciário ao Denatran - Departamento Nacional de Trânsito que permite consultas em tempo real à base de dados do Renavam - Registro Nacional de Veículos Automotores e o envio de ordens judiciais de restrições de veículos, incluindo o registro de penhora.
As restrições podem ser de transferência, licenciamento ou circulação, sendo cumulativas.
Referida ferramenta embora útil, sua eficácia é restrita a proprietários de veículos e pode ser limitada pela baixa probabilidade de localização e alienação em hasta pública de veículos antigos ou com muitas restrições, não traduzindo muitas vezes em efetividade para o credor.
Outra ferramenta, é o SREI - Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, operado pelo ONR - Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico, anteriormente gerenciado pela ARISP, facilita o intercâmbio de informações entre os Oficiais de Registro de Imóveis, o Poder Judiciário e o público e que possibilita a busca de bens imóveis e outros direitos reais registrados em determinado CPF ou CNPJ, abrangendo registros a partir de 1º de janeiro de 1976, e também informações de imóveis já alienados.
Complementarmente, a CNIB - Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, instituída pelo provimento 39/14 do CNJ, visa dar publicidade às ordens de indisponibilidade de bens, embora sua aplicação em execuções cíveis ainda seja objeto de divergência jurisprudencial.
Outras ferramentas incluem o CRCJUD, para pesquisa de registros de nascimentos, casamentos e óbitos; o CENSEC, que interliga as serventias extrajudiciais para pesquisa de testamentos (RCTO), escrituras de separações, divórcios e inventários (CESDI), e procurações (CEP); o SIEL, para acesso a dados biográficos do Cadastro Eleitoral.
Há ainda o INFOSEG, que reúne informações de segurança pública, justiça e fiscalização, embora muitas de suas bases sejam redundantes com INFOJUD e RENAJUD e também o COMGÁSJUD, para busca de dados cadastrais de clientes da Companhia de Gás de São Paulo.
Por fim, mas sem esgotar as ferramentas disponibilizadas, há ainda sistemas de consulta a cadastros de inadimplentes, como o SERASAJUD e o POJ (SCPC), que permitem a inclusão/exclusão de anotações e a consulta de informações cadastrais e endereços.
Feito esse panorama geral sobre os mecanismos ou ferramentas de buscas de bens, avança-se a seguir para o módulo de afastamento do sigilo bancário, objeto da abordagem.
Módulo de afastamento do sigilo bancário: Ferramenta essencial para a efetividade da execução
No vasto panorama das ferramentas de busca de bens apresentados no decorrer deste artigo, o módulo de afastamento do sigilo bancário, integrado ao SISBAJUD e inicialmente incorporado ao BacenJud 2.0, emerge como uma das inovações mais significativas e promissoras para a efetividade da execução.
Sua importância reside na capacidade de transpor uma das barreiras mais robustas à localização de ativos: o sigilo bancário.
Embora o sigilo bancário seja uma garantia fundamental constitucional, assegurando os direitos à privacidade, intimidade e inviolabilidade do sigilo de dados, a legislação pátria, notadamente a LCr 105/01, em seu art. 3º, admite seu afastamento por ordem do Poder Judiciário, preservando o caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes.
O desenvolvimento deste módulo pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Banco Central e a Procuradoria da Fazenda Nacional, visa cumprir o comando constitucional da razoável duração do processo e da prestação jurisdicional eficiente, ao mesmo tempo em que reduz os riscos inerentes à tramitação física de documentos sigilosos.
A funcionalidade automatiza o envio de ordens judiciais de afastamento de sigilo bancário e informa sobre as respostas de cumprimento pelas instituições financeiras participantes. Uma das suas maiores vantagens é a capacidade de realizar o envio e o acompanhamento das ordens em tempo real, com a transmissão das informações requeridas de forma inteiramente digital.
Através deste módulo, é possível solicitar uma gama diversificada de informações financeiras, que vão muito além do simples saldo em conta, tais como extratos bancários detalhados, extratos de contas do FGTS e PIS, faturas de cartão de crédito, contratos de câmbio, contratos de abertura de conta e cópias de cheques.
Nesse caso, os dados são fornecidos em formatos abertos (txt, csv, xlsx) e/ou PDF, o que facilita sobremaneira a análise e o tratamento das informações pelo juízo. Adicionalmente, a ferramenta oferece uma consulta instantânea ao CCS - Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional, indicando de imediato em qual instituição financeira o investigado possui relacionamento, otimizando o direcionamento das ordens.
De acordo com o TJ/SP, O módulo de quebra de sigilo bancário é uma ferramenta que automatiza o envio de Ordem Judicial de afastamento de sigilo bancário e informa sobre as respostas de cumprimento pelas instituições participantes. Conforme o manual do sistema, são passíveis de informação os seguintes itens: Extratos bancários; Extrato da conta do FGTS; Extrato da conta do PIS; Faturas de cartão de crédito; Contratos de câmbio; Contratos de abertura de conta; Cópia de cheques.( ESTUDOS DE SISTEMAS, 2022).
Segundo o CNJ, o módulo de afastamento do sigilo bancário, uma ferramenta que automatiza o envio de ordem judicial de afastamento de sigilo bancário e informa sobre as respostas de cumprimento pelas instituições participantes; e a reiteração de ordem de bloqueio, conhecida como teimosinha, procedimento que elimina a emissão sucessiva e manual de novas ordens da penhora eletrônica relativa a uma mesma decisão. (SISBAJUD, CNJ, 2023).
A inovação do módulo de afastamento de sigilo bancário também se manifesta na dispensa do conceito de minuta, permitindo que o próprio juiz ou assessor com delegação envie as ordens diretamente no sistema.
Decorre que tamanha agilidade no processo de requisição e a segurança na transmissão das informações são cruciais para a redução dos prazos de resposta das instituições financeiras.
A integração com o PJe - Processo Judicial Eletrônico e a disponibilização de API para outros sistemas eletrônicos dos tribunais reforçam a capacidade de automação e eficiência.
Denota-se que, embora o módulo não substitua o Simba - Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias, eles atuam de forma complementar, com o Simba sendo preferencialmente utilizado para investigações criminais que exigem tratamento de dados estruturados, enquanto o módulo de afastamento de sigilo atende à grande maioria da demanda dos juízos cíveis, trabalhistas e da execução fiscal, fornecendo extratos simples com maior agilidade.
Caminha nesse sentido o CNJ, que assim discorreu:
Essa funcionalidade também permite o envio de extrato simples, que será fornecido com maior agilidade pelas instituições bancárias, atendendo a grande maioria da demanda dos juízos cíveis, trabalhistas e da execução fiscal (CNJ,2020).
O Sistema permite o envio de ordem de bloqueio de valores em conta-corrente e de ativos mobiliários, como títulos de renda fixa e ações, ferramenta imprescindível para o cumprimento dos comandos constitucionais de razoável duração do processo e eficiência da prestação jurisdicional, bem como redução dos riscos na tramitação física de documentos com informações sigilosas.
A importância do módulo de afastamento do sigilo bancário para a redução dos prazos processuais e, por conseguinte, para uma maior efetividade do credor e da justiça brasileira, é inegável. Ao automatizar e digitalizar um processo que antes era moroso e burocrático, a ferramenta reduz sensivelmente o tempo de comunicação entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras.
Tal ferramenta pode contribuir para a identificação mais rápida de ativos, permitindo que as medidas constritivas sejam efetivadas com maior celeridade, antes que o devedor possa ocultar ou dissipar seu patrimônio.
A capacidade de acessar informações detalhadas sobre movimentações financeiras, mesmo que sigilosas, é fundamental para desvendar esquemas de ocultação de bens e para a efetivação da penhora, aumentando as chances de recuperação do crédito e, consequentemente, a satisfação do direito do credor.
A celeridade e a eficiência proporcionadas por este módulo podem contribuir diretamente para a diminuição do congestionamento processual na fase de execução, alinhando-se à promoção da efetividade processual, a satisfação do credor e aos valores de justiça e paz social.
Os credores devem utilizar de forma plena e estratégica esta funcionalidade para que a justiça brasileira se torne cada vez mais célere, eficaz e capaz de concretizar o direito do credor, transformando a decisão judicial em efetiva satisfação do crédito.
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BRASIL. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2001.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Módulo de afastamento de sigilo bancário: BacenJud 2.0 e SISBAJUD. 1. ed. Brasília, DF: CNJ, 2020.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD). Brasília, DF: CNJ, 2023. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/sistema-de-busca-de-ativos-do-poder-judiciario-sisbajud/. Acesso em: 09 jun. 2025.
ESTUDOS DE SISTEMAS. Módulo de afastamento de sigilo bancário. Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), 2022.