Sabemos que a peça de embargos de declaração é considerada tipicamente um recurso (CPC, art. 994, IV), cabível nas hipóteses também elencadas na legislação processual (CPC, art. 1.022, I, II e III), podendo, em regra geral, ser interposta em face de qualquer decisão judicial (CPC, art. 1.022, caput).
Sendo um recurso, os embargos de declaração observam também a disciplina legal de que sua interposição não impede a eficácia da decisão, que é circunstância limitada às previsões legais específicas (CPC, art. 995, caput); ou quando cumpridos os requisitos para a concessão de efeito suspensivo, desde que o pedido seja acompanhado da devida demonstração do perigo de dano e probabilidade de provimento do recurso (CPC, art. 995, parágrafo único).
Seja como for, por expressa previsão legal, além da regra geral do art. 995, os embargos de declaração possuem apenas efeito interruptivo, conforme previsto no art. 1.026 do CPC/15, tal como o era também no CPC de 1973 (art. 538), de modo que tão somente o prazo recursal fica interrompido enquanto se aguarda nova decisão que julgar os embargos declaratórios, sem suspender a eficácia da decisão.
E é aqui que mora o perigo: manejando embargos de declaração contra alguma decisão, o que, como operadores do Direito, devemos ainda observar? Sobretudo quando manejados em primeiro grau de jurisdição.
Para melhor demonstrar as possíveis e graves consequências interligadas a este questionamento, devemos primeiramente relembrar que o art. 203 do CPC nos ensina que os pronunciamentos do juiz podem ser qualificados como sentença (§1°); decisões interlocutórias (§2°) e despachos (§3°) – rememorando também que contra despacho, não cabe recurso (CPC, art. 1.001).
Não necessariamente, porém, o pronunciamento do juiz é exclusivo em seu teor, podendo uma decisão interlocutória, por exemplo, possuir conteúdo decisório (passível de recurso/embargos de declaração), e também conteúdo de despacho, ao determinar diligências e impulsionamento oficial.
Neste cenário, determinando-se o cumprimento de alguma diligência direcionada a algum litigante, o conteúdo de parte da decisão, é em verdade conteúdo de despacho, cuja inobservância ou ignorância – intencional ou não, pode causar as consequências processuais e até materiais cabíveis, como preclusão consumativa, revelia e até mesmo imposição de multa (seja por litigância de má-fé; seja por ato atentatório à dignidade da justiça; dentre outras previsões legais).
Existindo uma decisão judicial (em que haja conteúdo decisório), e mesmo sendo esta alvo de embargos de declaração sob o pretexto da presença de algum vício, toda e qualquer determinação adicional e autônoma que tenha por finalidade impulsionar o feito, deve ser observada e cumprida no prazo estabelecido.
Inclusive – e mais em especial, as determinações mais marcantes e importantes na tramitação do processo, como prazo de defesa, impugnação ao cumprimento de sentença, pagamento de custas processuais, dentre outras.
Apresentado, pois, embargos de declaração contra a parte decisória do pronunciamento, sem pedido de efeito suspensivo, e apenas interrompendo o prazo recursal que se reiniciará com novo julgamento, nós operadores do Direito devemos sempre observar e devidamente cumprir as demais diligências determinadas pela mesma decisão, na parte que tem natureza de despacho.
Ao não cumprir determinação não suspensa, a consequência do silêncio, de rigor, pode ser aplicada em desfavor da parte que interpôs os embargos de declaração, e até mesmo à parte contrária (se a diligência for a ela imposta).
Exemplo claro deste contexto pode ser encontrado em precedentes do STJ, que já reiteradamente decidiu que o efeito interruptivo dos embargos de declaração não pode ser interpretado de forma extensiva, não se permitindo aplicar o mesmo efeito para os outros meios de defesa, mas sim tão somente para o recurso que porventura seja cabível contra a decisão embargada (AgInt no AREsp 2.391.548/SP, relator ministro Humberto Martins, 3ª turma, julgado em 18/3/24, DJe de 20/3/24; AgInt no AgInt no AREsp 2.342.971/RN, relator ministro Herman Benjamin, 2ª turma, julgado em 18/12/23, DJe de 20/12/23).
O TJ/PR também recentemente decidiu caso concreto em que a o prazo para a determinação de pagamento de custas processuais não foi suspensa com o manejo de embargos de declaração, ensejando posteriormente a preclusão e o arquivamento do feito por cancelamento da distribuição, sobretudo pela ausência de pedido de efeito suspensivo nos embargos (TJ/PR - 3ª Câmara Cível - 0005026-81.2023.8.16.0153 - Santo Antônio da Platina - relator desembargador Eduardo Casagrande Sarrao - J. 14/4/25).
Na prática, portanto, mesmo que interposto embargos de declaração, as determinações constantes na decisão embargada devem ser detalhadamente observadas e cumpridas de forma autônoma, a fim de que não surtam os efeitos de sua inobservância, garantindo a melhor defesa dos interesses da parte.
Podemos embargar, mas também precisamos cumprir.
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material.
Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos: (...) IV - embargos de declaração;
Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.
Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.
Art. 1.001. Dos despachos não cabe recurso.
Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º. § 3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. DECISÃO QUE DETERMINOU A EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211 DO CPC. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA. 1. O acórdão recorrido abordou, de forma fundamentada, todos os pontos essenciais para o deslinde da controvérsia, razão pela qual não há falar na suscitada ocorrência de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC. 2. Discute-se nos autos se a oposição dos embargos de declaração contra decisão que terminou a emenda da petição inicial em 15 dias tem o condão de interromper o prazo estabelecido. 3. Nos termos do art. 1.026, § 2º, do CPC, os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompe o prazo apenas para interposição de recursos, não sendo permitido conferir interpretação extensiva ao referido artigo para estender o significado de recurso para outros meios de defesa ou impugnação de determinações judiciais. 4. Na espécie, a oposição de embargos de declaração não interrompe o prazo para emenda da petição inicial. 5. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial impede o seu conhecimento. Incidência da Súmula n. 211 do STJ. 6. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual não foi acolhida a tese sustentada pela parte agravante, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp n. 2.391.548/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 20/3/2024)
PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. DEFESA DO DEVEDOR. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O STJ possui entendimento de que o rol de Recursos, previsto no art. 994 do CPC/2015, é taxativo. Nesse sentido: AgInt no RCD nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.652.272/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 15/4/2021; AgInt no AgRg no AREsp n. 826.164/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 31/5/2016. 2. Em situação similar a dos autos, o STJ entendeu descaber interpretação extensiva da regra contida no art. 1.026 do CPC/2015, sob pena de verdadeira usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário, tendo em vista que o termo "recurso" não dá margem para o intérprete validamente extrair o sentido de "defesa ajuizada pelo devedor". A propósito: REsp n. 1.822.287/PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 3/7/2023. 3. Agravo Interno não provido. (AgInt no AgInt no AREsp n. 2.342.971/RN, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/12/2023, DJe de 20/12/2023.)
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. PLEITO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA INDEFERIDO. CONCESSÃO DE QUINZE (15) DIAS PARA RECOLHIMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS, SOB PENA DE CANCELAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO PARA QUE LHES FOSSE ATRIBUÍDO EFEITO SUSPENSIVO. PRAZO DE QUINZE (15) DIAS VENCIDO SEM PAGAMENTO CUSTAS PROCESSUAIS. CANCELAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO. DECISÃO ACERTADA. AUTOR QUE TINHA CIÊNCIA DE QUE, NÃO HAVENDO O PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS NO PRAZO DE QUINZE DIAS, A DISTRIBUIÇÃO DO FEITO SERIA CANCELADA. RECURSO DESPROVIDO.1. A interposição de recurso de embargos de declaração, por força da regra do caput do art. 1.026 do Código de Processo Civil, interrompe o prazo recursal, mas não suspende os efeitos da decisão embargada (art. 1.026, caput, do Código de Processo Civil). 2. Compete ao embargante postular ao magistrado a quem são dirigidos os embargos de declaração a atribuição de efeito suspensivo, cujo deferimento está condicionado à demonstração da probabilidade de provimento do recurso ou, sendo relevante a fundamentação, da presença de risco de dano grave ou de difícil reparação (art. 1.026, parágrafo único, do Código de Processo Civil).3. Não tendo o embargante postulado a atribuição de efeito suspensivo aos embargos de declaração, o prazo de quinze (15) dias, dentro do qual deveria haver o recolhimento das custas processuais sob pena de cancelamento da distribuição, não foi suspenso. E, não tendo sido suspenso, a consequência do não pagamento das custas no referido prazo era o cancelamento da distribuição. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 3ª Câmara Cível - 0005026-81.2023.8.16.0153 - Santo Antônio da Platina - Rel.: DESEMBARGADOR EDUARDO CASAGRANDE SARRAO - J. 14.04.2025