Os desastres ambientais e mudanças climáticas representam alguns dos maiores desafios contemporâneos para a humanidade, exigindo respostas efetivas dos diversos setores da sociedade e do Estado.
Nesse contexto, o Poder Judiciário emerge como ator fundamental na proteção do meio ambiente e na garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme preconizado pela CF/88. A crescente judicialização de questões ambientais, especialmente aquelas relacionadas a desastres e mudanças climáticas, tem colocado os tribunais brasileiros diante da necessidade de interpretar e aplicar normas ambientais em situações complexas, que frequentemente envolvem conflitos entre diferentes direitos fundamentais e interesses econômicos. Essa atuação judicial tem se mostrado essencial para a efetivação da proteção ambiental, especialmente em contextos de omissão ou insuficiência da atuação dos Poderes Executivo e Legislativo.
O presente artigo busca analisar o papel dos tribunais brasileiros na proteção contra desastres ambientais e mudanças climáticas, identificando os principais fundamentos jurídicos que embasam as decisões judiciais, os princípios norteadores da proteção ambiental e os desafios enfrentados pelo Poder Judiciário na efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para tanto, será realizada uma análise da jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros, especialmente do STF e do STJ, bem como da doutrina especializada sobre o tema.
A CF/88 consagrou, em seu art. 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Esse dispositivo constitucional representa marco na proteção ambiental no Brasil, elevando o meio ambiente à categoria de bem jurídico constitucionalmente tutelado e estabelecendo uma série de obrigações para o Estado e para a sociedade. O reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental implica na sua proteção contra retrocessos legislativos e administrativos, bem como na obrigação do Estado de adotar medidas positivas para sua efetivação.
Nesse sentido, o Poder Judiciário assume papel crucial na garantia desse direito, especialmente quando os demais Poderes se mostram omissos ou insuficientes na sua proteção. A doutrina brasileira tem reconhecido a natureza difusa do direito ao meio ambiente, caracterizando-o como direito de terceira geração, cuja titularidade pertence a toda a coletividade, incluindo as gerações futuras. Essa característica impõe desafios específicos à sua proteção judicial, exigindo instrumentos processuais adequados e uma interpretação que considere a complexidade e a interdisciplinaridade das questões ambientais.
A atuação dos tribunais na proteção contra desastres ambientais e mudanças climáticas é orientada por diversos princípios do Direito Ambiental, que fornecem diretrizes para a interpretação e aplicação das normas ambientais. Entre esses princípios, destacam-se:
- Princípio da prevenção: Orienta a adoção de medidas que evitem danos ambientais previsíveis, fundamentando decisões judiciais que determinam a implementação de medidas preventivas por parte do Poder Público e de particulares.
- Princípio da precaução: Justifica a adoção de medidas de proteção ambiental mesmo diante da incerteza científica sobre os riscos de determinada atividade, sendo frequentemente invocado em decisões relacionadas às mudanças climáticas.
- Princípio do poluidor-pagador: Estabelece que os custos da prevenção e reparação dos danos ambientais devem ser suportados pelo poluidor, fundamentando decisões que impõem a responsabilização civil por danos ambientais.
- Princípio da responsabilidade: Impõe a obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente, independentemente da existência de culpa, conforme a teoria da responsabilidade objetiva adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
- Princípio da vedação do retrocesso ambiental: Impede a redução dos níveis de proteção ambiental já alcançados, sendo invocado em decisões que analisam a constitucionalidade de alterações legislativas que flexibilizam normas ambientais.
Esses princípios têm sido amplamente aplicados pelos tribunais brasileiros, orientando a interpretação das normas ambientais e fundamentando decisões que visam à proteção do meio ambiente e à prevenção de desastres ambientais. A jurisprudência tem consolidado a aplicação desses princípios, contribuindo para a construção de um sistema jurídico mais efetivo na proteção ambiental.
Um dos casos mais emblemáticos da atuação do STF em matéria de mudanças climáticas é a ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 708, conhecida como "Caso Fundo Clima".
Nessa ação, o STF analisou a omissão do Poder Executivo Federal na operacionalização do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), criado pela lei da política nacional sobre mudança do clima. O julgamento da ADPF 708 representou marco na jurisprudência ambiental brasileira, pois o STF reconheceu o dever constitucional da União de enfrentar as mudanças climáticas, à luz de normas nacionais e internacionais.
A Corte equiparou os tratados de Direito Ambiental aos tratados de direitos humanos, conferindo-lhes status supralegal e, portanto, proteção reforçada em face de normas ordinárias posteriores. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, convocou uma audiência pública para ouvir representantes de diversos setores da sociedade, demonstrando a importância do diálogo institucional e da participação social na construção de soluções para questões ambientais complexas. Essa abordagem evidencia o papel do Poder Judiciário não apenas como aplicador da lei, mas como promotor do debate público sobre questões ambientais relevantes.
A decisão do STF no Caso Fundo Clima estabeleceu importantes parâmetros para o controle judicial de políticas públicas ambientais, reconhecendo a possibilidade de intervenção judicial quando há omissão ou insuficiência da atuação estatal na proteção do meio ambiente. Esse entendimento tem orientado decisões posteriores dos tribunais brasileiros, contribuindo para a consolidação de uma jurisprudência mais protetiva em matéria ambiental.
O STJ tem desempenhado papel fundamental na consolidação da jurisprudência sobre responsabilidade civil por danos ambientais, incluindo aqueles decorrentes de desastres ambientais. A Corte tem adotado a teoria do risco integral, segundo a qual a responsabilidade por danos ambientais é objetiva, não admitindo excludentes de responsabilidade como caso fortuito ou força maior. Em diversos julgados, o STJ tem reconhecido a responsabilidade solidária de todos os agentes que contribuíram para o dano ambiental, incluindo o Estado quando há omissão no dever de fiscalização. Essa orientação jurisprudencial tem sido aplicada em casos emblemáticos de desastres ambientais, como o rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, impondo a responsabilização dos agentes envolvidos e a reparação integral dos danos causados.
A jurisprudência do STJ também tem reconhecido a imprescritibilidade da pretensão de reparação por danos ambientais, considerando a natureza difusa do bem jurídico tutelado e a necessidade de garantir a proteção do meio ambiente para as gerações futuras. Esse entendimento fortalece a proteção ambiental, impedindo que o decurso do tempo inviabilize a responsabilização por danos ambientais. Outro aspecto relevante da jurisprudência do STJ é o reconhecimento da natureza propter rem das obrigações ambientais, que acompanham o bem independentemente de quem seja seu proprietário. Esse entendimento tem sido aplicado em casos de áreas degradadas, impondo ao atual proprietário a obrigação de recuperar o dano ambiental, mesmo que não tenha sido o causador direto.
O controle judicial de políticas públicas ambientais tem sido objeto de debate na doutrina e na jurisprudência brasileiras, especialmente no que se refere aos limites da intervenção do Poder Judiciário em questões tradicionalmente reservadas aos Poderes Executivo e Legislativo. Esse debate ganha contornos específicos quando se trata de políticas relacionadas à prevenção de desastres ambientais e ao enfrentamento das mudanças climáticas, dada a complexidade técnica e a dimensão política dessas questões.
A jurisprudência dos tribunais superiores têm reconhecido a possibilidade de intervenção judicial em políticas públicas ambientais quando há omissão ou insuficiência da atuação estatal, violando o dever constitucional de proteção ao meio ambiente. Contudo, essa intervenção deve observar certos limites, como o respeito à separação dos poderes e à discricionariedade administrativa em questões técnicas complexas. O STF, no julgamento da ADPF 708, estabeleceu importantes parâmetros para o controle judicial de políticas climáticas, reconhecendo que a discricionariedade administrativa não pode ser invocada para justificar a omissão estatal no cumprimento de obrigações constitucionais e legais relacionadas à proteção ambiental. Esse entendimento representa avanço na jurisprudência ambiental, fortalecendo o papel do Poder Judiciário na garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A doutrina tem destacado a importância do diálogo institucional e da deferência técnica como critérios para orientar a intervenção judicial em políticas públicas ambientais. Segundo essa perspectiva, o Poder Judiciário deve buscar soluções que promovam a cooperação entre os Poderes e respeitem a expertise técnica dos órgãos administrativos, sem abdicar de seu papel de garantidor dos direitos fundamentais.
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de diversos instrumentos processuais para a proteção judicial do meio ambiente, que têm sido amplamente utilizados pelos tribunais na prevenção e reparação de danos ambientais. Entre esses instrumentos, destacam-se:
- Ação civil pública: Principal instrumento processual para a tutela de interesses difusos e coletivos, incluindo o meio ambiente, permitindo a imposição de obrigações de fazer, não fazer e de indenizar por danos ambientais.
- Ação popular: Permite que qualquer cidadão questione atos lesivos ao meio ambiente, ampliando o acesso à justiça em matéria ambiental.
- Mandado de segurança coletivo: Utilizado para proteger direito líquido e certo relacionado ao meio ambiente, quando ameaçado por ilegalidade ou abuso de poder.
- Arguição de descumprimento de preceito fundamental: Instrumento de controle concentrado de constitucionalidade que tem sido utilizado em casos emblemáticos de proteção ambiental, como o Caso Fundo Clima.
Esses instrumentos processuais têm sido aprimorados pela jurisprudência, que tem flexibilizado requisitos formais e ampliado sua aplicação em casos de proteção ambiental. O STJ, por exemplo, tem reconhecido a possibilidade de cumulação de pedidos em ações civis públicas ambientais, permitindo a imposição simultânea de obrigações de fazer, não fazer e de indenizar. A efetividade desses instrumentos processuais depende, em grande medida, da atuação dos legitimados para propor as ações, especialmente do Ministério Público, que tem desempenhado papel fundamental na proteção judicial do meio ambiente. A jurisprudência tem reconhecido a legitimidade ampla do Ministério Público para atuar em questões ambientais, fortalecendo seu papel na defesa do meio ambiente.
Um dos principais desafios enfrentados pelos tribunais na proteção contra desastres ambientais e mudanças climáticas é a complexidade técnica e científica dessas questões, que frequentemente exigem conhecimentos especializados em diversas áreas do saber. Essa complexidade impõe desafios específicos à atuação judicial, exigindo a adoção de mecanismos que permitam a incorporação do conhecimento técnico-científico ao processo decisório.
A jurisprudência tem buscado superar esse desafio através da realização de audiências públicas, da nomeação de peritos especializados e da consideração de estudos científicos relevantes. No Caso Fundo Clima, por exemplo, o STF convocou uma audiência pública que contou com a participação de especialistas em diversas áreas, contribuindo para uma decisão mais informada e tecnicamente adequada. A doutrina tem destacado a importância da interdisciplinaridade na análise de questões ambientais complexas, sugerindo a adoção de abordagens que integrem conhecimentos jurídicos, científicos, econômicos e sociais. Essa perspectiva interdisciplinar é essencial para a compreensão adequada dos desastres ambientais e das mudanças climáticas, fenômenos que envolvem múltiplas dimensões e interações complexas. Outro aspecto relevante é a necessidade de capacitação dos operadores do Direito em questões ambientais, incluindo juízes, promotores e advogados. Essa capacitação é fundamental para que o Poder Judiciário possa lidar adequadamente com a complexidade técnica e científica das questões ambientais, contribuindo para decisões mais informadas e efetivas.
A efetividade das decisões judiciais em matéria ambiental representa outro desafio significativo, especialmente quando se trata de casos complexos como desastres ambientais e mudanças climáticas. A implementação dessas decisões frequentemente enfrenta obstáculos práticos, políticos e econômicos, que podem comprometer sua efetividade.
A jurisprudência tem buscado superar esse desafio através da adoção de mecanismos de monitoramento e fiscalização do cumprimento das decisões, como a designação de comitês de acompanhamento e a fixação de multas por descumprimento. Essas medidas visam garantir a efetiva implementação das determinações judiciais, contribuindo para a proteção concreta do meio ambiente.
Por sua vez, a doutrina tem destacado a importância da cooperação entre os Poderes e da participação social na implementação das decisões judiciais em matéria ambiental. Segundo essa perspectiva, a efetividade das decisões depende não apenas de sua força coercitiva, mas também da construção de consensos e da mobilização de diversos atores sociais e institucionais. Outro aspecto relevante é a necessidade de adaptação dos instrumentos processuais tradicionais às especificidades das questões ambientais, considerando a natureza difusa dos interesses envolvidos e a complexidade dos danos ambientais. Essa adaptação é essencial para garantir a efetividade da tutela jurisdicional ambiental, especialmente em casos de desastres ambientais e mudanças climáticas.
A análise realizada neste escrito evidencia o papel fundamental dos tribunais brasileiros na proteção contra desastres ambientais e mudanças climáticas, especialmente através do controle de políticas públicas e da responsabilização por danos ambientais.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem contribuído significativamente para consolidação de um sistema jurídico mais efetivo na proteção ambiental, estabelecendo parâmetros importantes para a atuação estatal e privada em matéria ambiental. O reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental impõe ao Poder Judiciário o dever de garantir sua efetivação, especialmente quando os demais Poderes se mostram omissos ou insuficientes na sua proteção.
Nesse contexto, os tribunais têm assumido papel cada vez mais relevante na proteção ambiental, contribuindo para a prevenção de desastres ambientais e para o enfrentamento das mudanças climáticas. Todavia, a atuação judicial em matéria ambiental enfrenta desafios significativos, como a complexidade técnica e científica das questões ambientais e a efetividade das decisões judiciais.
A superação desses desafios exige a adoção de abordagens interdisciplinares, a capacitação dos operadores do Direito e a adaptação dos instrumentos processuais tradicionais às especificidades das questões ambientais. A perspectiva do Direito Público sobre o papel dos tribunais na proteção contra desastres ambientais e mudanças climáticas revela a importância do diálogo institucional e da cooperação entre os Poderes para a construção de soluções efetivas para os problemas ambientais contemporâneos. Esse diálogo deve ser orientado pelo princípio da sustentabilidade, buscando conciliar a proteção ambiental com o desenvolvimento econômico e social.
Em conclusão, os tribunais brasileiros têm desempenhado papel crucial na proteção contra desastres ambientais e mudanças climáticas, contribuindo para efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa atuação judicial, embora enfrente desafios significativos, representa avanço importante na construção de um sistema jurídico mais efetivo na proteção ambiental, capaz de responder adequadamente aos complexos desafios ambientais contemporâneos.
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