Introdução
O presente artigo busca trazer breves considerações iniciais sobre a possibilidade de parcelamento da dívida tributária na hipótese da existência do protesto da CDA - Certidão de Dívida Ativa.
A dinâmica da cobrança da dívida ativa tem evoluído significativamente no cenário jurídico brasileiro, buscando mecanismos eficientes e desjudicializados para a recuperação do crédito público, sendo o protesto extrajudicial um dos mecanismos dessa transformação.
Entender a dinâmica e o fluxo operacional entre o envio do título, o seu recebimento, aceitação e devolução de arquivo retorno é fundamental para o exercício das boas práticas e crucial para evitar erros durante a tramitação desse processo.
1. Marco legal do protesto da CDA
Inicialmente, cumpre discorrer sobre a lei 9.492, de 10/9/1997, que estabelece as diretrizes para a competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida no Brasil, definindo os contornos gerais para a atuação dos tabelionatos de protesto.
Embora a redação original desta lei tratasse de forma mais genérica os "outros documentos de dívida", a sua aplicação à Certidão de Dívida Ativa, instrumento hábil e formal para a cobrança do crédito tributário, foi objeto de controvérsia e discussão doutrinária e jurisprudencial por um tempo considerável.
A questão foi definitivamente pacificada com a intervenção legislativa que trouxe clareza e segurança jurídica ao tema, fortalecendo a execução fiscal administrativa.
A alteração substancial e definitiva ocorreu com a promulgação da lei 12.767, de 26/12/12, que promoveu uma modificação crucial na lei de protestos e inclui o parágrafo único ao art. 1º da lei 9.492/1997, passando a explicitar de forma inequívoca que as Certidões de Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas estão expressamente sujeitas a protesto.
De mais a mais, o art. 2° da lei 9.492/1997 diz que o protesto tem a finalidade de garantir a autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Referida norma, foi objeto de repercussão geral, gerando o Tema 69, que no julgamento da ADIn 5.135 DF cravou que o protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.
Esta modificação legislativa representou um divisor de águas, conferindo à Administração Pública uma ferramenta extrajudicial para a recuperação de créditos buscando desonerar o Poder Judiciário e ao conferir mais celeridade e efetividade ao processo de cobrança.
A partir de então, o protesto da CDA deixou de ser uma mera possibilidade interpretativa e passou a ser uma ferramenta legal, impulsionando a celebração de convênios entre entes tributantes e os tabelionatos de notas ou protestos.
2. Desnecessidade de lei local específica para realizar o protesto
O STJ, ao julgar o Tema repetitivo 777, estabeleceu que o protesto de dívida ativa pela Fazenda Pública municipal não depende de lei local específica, uma vez que está embasado no art. 1º, parágrafo único, da lei 9.492/1997 – dispositivo de lei Federal, aplicável em todo o território nacional.
A tese fixada pelo STJ foi a seguinte: a Fazenda pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da lei 9.492/1997, com a redação dada pela lei 12.767/12.
No julgamento do REsp 1.895.557 o relator, ministro Gurgel de Faria, determinou que o protesto de título de crédito está afeto ao Direito Civil e Comercial, matéria que se inclui na competência legislativa privativa da União (art. 22, inciso I, da CF/88), de maneira que a norma Federal não requer autorização legislativa de outros entes públicos para a sua eficácia.
"Basta, então, à Fazenda Pública credora atender ao procedimento previsto na própria lei 9.492/1997 para obter o protesto de seu título de crédito, a CDA, não havendo necessidade de lei específica do ente tributante que preveja a adoção dessa medida, visto que a citada lei federal já é dotada de plena eficácia", afirmou o ministro.
O ministro Gurgel de Faria fez uma comparação entre o protesto da dívida com a ação de execução fiscal, que é regulada pela lei 6.830/1980. De acordo com o ministro do STJ, essa lei processual, assim como a lei 9.492/1997, não contém nenhum dispositivo que condicione a sua imediata aplicação, por outros entes da federação, à existência de lei local.
Desse modo, não há dúvidas de que o protesto de dívida ativa pela Fazenda Pública municipal não depende de lei local.
3. Trâmite do protesto
O protesto em cartório consiste no registro oficial de uma dívida não paga.
Melhor dizendo, quando uma pessoa física ou pessoa jurídica deixa de cumprir o pagamento do crédito público tributário ou não tributário, a Fazenda Pública pode apresentar a CDA a um cartório de protesto. Isso formaliza a inadimplência e dá ao Poder Público respaldo legal para cobrar o valor devido.
Vale mencionar que o protesto só é lavrado quando o devedor não efetua o pagamento do boleto que é emitido pelo cartório de protesto.
Dito de outro modo, quando a CDA é apresentada no cartório de protesto pela Fazenda Pública, o cartório notifica o devedor e concede um prazo, geralmente de 3 dias úteis, para o pagamento da dívida.
Caso o pagamento não seja efetuado é lavrado o protesto, o registro passa a constar em bancos de dados acessados por instituições financeiras e empresas de análise de crédito, impactando diretamente a reputação financeira do devedor e causa dificuldades na obtenção de crédito, empréstimos e até mesmo a realização de compras simples no dia a dia.
4. É possível o parcelamento da dívida após a lavratura do protesto da CDA?
Feito esse panorama introdutório, agora é fundamental compreender que a lavratura do protesto da Certidão de Dívida Ativa não anula a possibilidade de o contribuinte buscar a regularização de sua situação fiscal perante o ente tributante, a exemplo do parcelamento tributário.
Ao contrário, o protesto funciona como um mecanismo de pressão e publicidade da inadimplência, cujo objetivo precípuo é incentivar o devedor a regularizar a sua dívida.
Nesse caso, seria possível realizar o parcelamento da dívida após a lavratura do protesto da CDA, ou seja, após a finalização do ato de protesto pelo tabelionato?
Após a lavratura do protesto, a resposta direta à pergunta inicial é afirmativa: sim, é plenamente possível realizar o parcelamento da dívida tributária.
A possibilidade de parcelamento, inclusive após o protesto, é um direito do contribuinte, desde que observadas as condições e requisitos estabelecidos pela legislação específica de cada ente federativo (União, Estados, Distrito Federal, municípios), que regulamentam os programas de parcelamento, transação e outras formas de extinção ou suspensão do crédito tributário.
Anote-se que, uma vez protestada a CDA, o cancelamento do registro de protesto, via de regra, está condicionado à prova da quitação integral da dívida, o que atesta o cumprimento da obrigação tributária.
A depender do convênio celebrado entre o tabelionato de notas e o ente tributante, há uma dinâmica ou um fluxo para proceder com o cancelamento do registro de protesto, cabendo ao devedor regularizar o débito perante o ente público e imediatamente, com a carta de anuência, comparecer ao cartório para pagar os emolumentos e cancelamento do protesto.
Essa estrutura convencional confirma que a regularização pós-protesto é uma via aberta e incentivada, permitindo ao contribuinte restabelecer sua capacidade de crédito e sua situação fiscal.
5. Atenção para o lapso temporal de inviabilidade momentânea de concessão de parcelamento e o fluxo operacional
Apesar da regra geral que permite o parcelamento após o protesto, existe um período crítico em que o parcelamento se torna momentaneamente inviável, demandando atenção tanto do contribuinte quanto do ente tributante.
Este lapso temporal abrange o intervalo entre o protocolo da Certidão de Dívida Ativa no tabelionato de protesto e a efetiva lavratura e finalização do ato de protesto.
Trata-se de uma dinâmica operacional de envio das CDAs aos tabelionatos, especialmente por meio eletrônico, que em determinados convênios criam essa janela de transição.
Como explicado no tópico 3 o processo de protesto inicia-se com o envio do arquivo remessa contendo os dados dos títulos a serem encaminhados aos cartórios de protesto.
A partir desse momento, a CDA passa a tramitar no ambiente dos tabelionatos, o que por questões operacionais não permite que o ente aderente ao convênio receba pagamentos ou efetue parcelamentos, por exemplo, entre o período compreendido entre o pedido de protesto e sua efetiva lavratura e finalização.
Ao nosso sentir, trata-se de procedimento operacional importante para evitar duplicação de pagamentos, inconsistências nos sistemas da fazenda pública e dos tabelionatos, além de garantir a fluidez e a segurança jurídica do ato de protesto.
Durante essa fase de processamento, a CDA está sob a custódia e diligência do tabelionato, aguardando as providências formais para a lavratura do protesto ou o pagamento/regularização diretamente na serventia.
6. Recomendações ao ente tributante para o período de transição
No cenário de inviabilidade momentânea de parcelamento ou pagamento direto junto ao ente tributante durante o trâmite do protesto, torna-se não apenas uma recomendação, mas uma medida essencial que o ente tributante adote procedimentos internos para gerenciar essa fase de forma eficaz.
Considera-se boa prática, inclusive prevista em convênios operacionais, que a administração fazendária providencie o bloqueio em seu sistema eletrônico da possibilidade de emissão de guias de arrecadação, parcelamento, transação ou qualquer outra forma de pagamento referentes às CDAs que foram efetivamente enviadas para protesto.
Esse bloqueio operacional deve permanecer ativo até que o ente tributante receba o arquivo retorno dos tabelionatos, contendo as informações acerca das ocorrências verificadas com as CDAs encaminhadas a protesto, incluindo pagamentos efetivados no tabelionato, protestos lavrados, desistências, devoluções, cancelamentos, entre outras.
O recebimento e a conciliação desses dados pelo ente tributante marcam o encerramento do período de bloqueio, permitindo que as funcionalidades de arrecadação e parcelamento sejam restabelecidas no sistema fazendário, agora com a situação atualizada da dívida.
Essa sincronia entre os sistemas do ente público e dos tabelionatos é vital para a integridade dos dados, a segurança jurídica das operações e para evitar dissabores e inconsistências para o contribuinte.
Considerações finais
Durante a abordagem investigou-se a possibilidade de parcelamento da dívida tributária após o protesto da Certidão de Dívida Ativa, realidade jurídica e operacional.
O protesto, longe de ser um óbice intransponível, atua como um catalisador para a regularização fiscal, impulsionando o devedor a buscar as vias legais disponíveis para sanar sua pendência, dentre as quais o parcelamento se destaca como uma alternativa viável e frequentemente utilizada.
Entretanto, o processo não é isento de particularidades. O lapso temporal entre o protocolo da CDA no tabelionato e a efetiva lavratura do protesto representa um período de transição, durante o qual as opções de pagamento ou parcelamento diretamente com o ente tributante são momentaneamente suspensas.
Essa interrupção temporária, vital para a coerência e segurança dos procedimentos de protesto, exige uma gestão rigorosa por parte da Administração Pública, que deve bloquear suas ferramentas de arrecadação e parcelamento para as CDAs em trâmite no protesto até que as informações do arquivo retorno sejam devidamente processadas.
Este alinhamento estratégico entre a fazenda pública e os tabelionatos de protesto, como evidenciado em convênios como o que serviu de base para esta análise, é crucial para a eficácia do sistema de cobrança da dívida ativa, garantindo a celeridade na recuperação do crédito público e, ao mesmo tempo, proporcionando ao contribuinte meios claros e organizados para a regularização de suas obrigações fiscais.
O protesto da CDA, com um dos mecanismos de desjudicialização, trazido pela lei 12.767/12 e operacionalizada por tais convênios, visa um sistema mais célere, eficiente e mutuamente benéfico para o Estado e para os cidadãos.
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BRASIL. Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997. Dispõe sobre protesto de títulos e outros documentos de dívida. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 set. 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9492.htm. Acesso em: 17 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 12.767, de 26 de dezembro de 2012. Altera a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, para incluir as certidões de dívida ativa entre os títulos sujeitos a protesto. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12767.htm. Acesso em: 17 jun. 2025.
BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.135. Distrito Federal. Relator: Min. Roberto Barroso. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14308771. Acesso em: 17 jun. 2025.
BRASIL. REsp 1.895.557. Distrito Federal. Relator: Min. Gurgel de Faria. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/19082021-Protesto-de-divida-pela-Fazenda-Publica-municipal-nao-depende-de-lei-local-autorizadora--decide-Primeira-Turma.aspx. Acesso em: 23 jun. 2025.
BRASIL. Tema Repetitivo 777. Distrito Federal. Relator: Min. Herman Benjamin. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=777&cod_tema_final=777. Acesso em: 23 jun. 2025.