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A importância do estudo dos procedimentos especiais

O texto analisa de maneira geral os procedimentos especiais do CPC e a importância dos estudos e atualizações permanentes.

2/7/2025

O processo civil é formado no Brasil, com a construção do CPC, como dois grandes núcleos: o processo de conhecimento e o processo de execução.

A grande formação do ordenamento dialoga com a construção do procedimento comum dentro do processo de conhecimento, seja na parte geral (e na teoria geral), dialogando claramente mais com o procedimento comum, seja na própria construção da procedimentalidade, com quase 300 artigos estipulando, em 1º grau, este procedimento que detém serventia para a maioria das ações.

O procedimento comum - em qualquer situação - do processo de conhecimento é residual, cabível para qualquer ação que o ordenamento não dispôs um procedimento especial. Ou seja, o que não for especial utilizar-se-á o procedimento comum.

De modo diverso, os procedimentos especiais são criados a partir de especificações legais para determinadas situações que o legislador entende que merece uma procedimentalidade diversa da comum e específica para aquela situação, tornando o procedimento para o exercício da jurisdição especial.

De modo geral, Sica conceitua procedimentos especiais “pela posição que ocupa, pela atribuição legal de um nomen iuris e, principalmente, pela existência de um conjunto de normas processuais e procedimentais criadas com o objetivo de adequar o instrumento padrão de prestação de tutela jurisdicional à configuração da relação jurídica litigiosa ou a um aspecto do direito material em conflito1.”

Ou seja, há uma especificação legal sobre a existência do procedimento diferenciado interligado a uma diferente configuração da própria tutela jurisdicional almejada, seja pela relação jurídica litigiosa, seja pelo direito material em conflito. Estes pontos, de modo geral, levam a um procedimento que não se encaixa no procedimento comum, ao menos na visão do legislador.

Já Marcato simplifica que o procedimento especial “vincula-se ao ajuste da forma ao objeto da ação, com o que se estabelece perfeita correspondência entre os trâmites do processo e o direito que se pretende fazer reconhecido ou efetivo2.”

De igual maneira, o procedimento especial diferencia-se do comum, de um modo ou outro.

Todos sabem a importância do estudo do processo civil para a prática da jurisdição, por todos os atores, para uma melhor atuação, com mais estratégia e melhor exercício processual, inclusive para possibilitar melhor entendimento do direito material, quando necessário.

Qual seria a importância do estudo dos procedimentos especiais? É tão importante o estudo dos procedimentos especial quanto do procedimento comum? É possível deixar para estudar - e entender - os procedimentos especiais somente quando atuar numa demanda de determinado procedimento?

Essas são dúvidas pertinentes aos procedimentos especiais e à sua devida importância.

Os procedimentos especiais são deixados de lado pelo estudo do processo civil nas graduações, muitas vezes não tem na ementa ou está junto com execução ou outro conteúdo, como um puxadinho insignificante dentre as matérias de processo civil, como algo que não será muito usado e, assim, quando o estudante for profissional e se deparar com esta situação, terá tempo e meios para estudo, entendimento e atualização.

Essa percepção, claramente, é equivocada, com a necessidade de que o profissional saiba diferentes pontos sobre procedimentos especiais, ainda que de maneira geral, o que analisar-se-á a seguir.

O que são os procedimentos especiais?

O ordenamento processual nomeia sempre um título dentro do Livro Especial como procedimentos especiais, um conglomerado de procedimentos que se diferenciam do comum e geral, sendo nomeados de maneira nomen iuris, com interligação a uma determinada situação como objeto e a sua procedimentalidade. Não é somente o CPC que regula estes procedimentos, mas diversas leis esparsas também, como se pode exemplificar na lei de alimentos, lei de despejo, dentre outras.

No entanto, os procedimentos especiais são imaginados como regulação de procedimentos de ações que não comportariam o procedimento comum do CPC. A afirmação é verdadeira, contudo somente em parte.

Os procedimentos especiais, tais quais regulados no CPC, regulam diversas situações diferentes, sendo procedimentos de ações com direito material afirmado diferenciado, incidentes processuais e normais especiais para determinadas relações.

Não há uma classe clara de procedimentos especiais. Num modo geral, imaginam-se que são ações que necessitam pela sua relações jurídica ou pelo seu objeto de um procedimento especial, o que seria a base inicial da própria nomenclatura de procedimento especial. A premissa é parcialmente verdadeira.

A maioria dos procedimentos especiais nascem exatamente dessa compreensão, um objeto material diferenciado como objeto litigioso e, por isso, a necessidade de uma adaptabilidade procedimental, como na ação de consignação em pagamento, exigir contas e inventário e partilha, dentre outros. Nestes, o objeto litigioso envolto ao direito material necessita de uma procedimentalidade que se adapte à tutela a ser prestada, o direito material influenciando o procedimento.

No entanto, em duas situações parecidas, não ocorre a mesma questão: (i) as ações que envolvem somente direito processual; (ii) as ações que há uma especificação de limitação cognitiva, mas sem alteração procedimental.

A primeira situação encontra-se, por exemplo, a ação rescisória. Não é o direito material em si que é o objeto do processo, mas o próprio Direito Processual, o que importa em uma ação que versa sobre processo como objeto litigioso e, dessa maneira, com maior ou menor diferenciação, é um procedimento especial, com as adaptações procedimentais.

Na segunda situação, as ações versam sobre uma limitação cognitiva somente e alguma interligação procedimental, sem conter um procedimento claramente especial. De certa maneira, a procedimentalidade pode estar em torná-los processo-incidente, dada a interligação a um processo já existente. O exemplo seria a oposição, por ser uma ação que é interligada a outra em que o autor entende que discutem direito que lhe é pertinente, com as especificações de conexão, porém sem ter um procedimento específico em sua tramitação.

Os embargos de terceiro estão entre as duas situações, por não terem uma grande alteração procedimental, somente a interligação com o processo que ameaça ou que realizou a constrição e o objeto do processo é meramente processual e não atinente ao direito material em si, somente a limitação cognitiva de seu objeto do processo.

A questão sobre incidentes processuais também serem inseridos como procedimentos especiais, está na inserção, por exemplo, de habilitação e restauração de autos como especiais, sendo que não detêm em seu objeto do processo uma ação ou um objeto claro autônomo, sendo somente um incidente processual para regular uma situação específica num processo preexistente. Apesar de ter um procedimento especial, é um incidente com esta especialidade procedimental, não uma ação.

E o CPC criou normas especiais dentro dos procedimentos especiais, com a intitulada ações de família. Não é um procedimento especial, é somente um conjunto de diretrizes ou normas para que sejam analisadas e aplicadas no procedimento base de cada ação de família, como a prioridade aos meios alternativos de solução de conflitos a qualquer momento.

Entendido o que são procedimentos especiais, tratando-se do estudo teórico e prático destes, o que é o mais importante para entender o mundo dos procedimentos especiais?

Muitas vezes os profissionais e até os professores se atentam às diferenças procedimentais propriamente ditas, sobre o prazo menor ou maior das partes, a alteração da petição inicial ou da contestação, dentre outras alterações com menor ou maior critérios que a legislação emprega para aquele procedimento.

Mas, essa é a maior preocupação? Evidentemente que não. O cerne para o estudo e preparo para os procedimentos especiais deve ser a partir do entendimento do motivo pelo qual aquele procedimento (seja ação, incidente ou norma) é especial.

O procedimento não nasce especial por um simples capricho do legislador, como uma alteração e adaptação ao procedimento sem sentido. Nasce de uma situação específica, geralmente do direito material, porém com a possibilidade em ser do direito processual, que necessita de uma procedimentalidade que torne possível aquela tutela jurídica.

De certo modo, todo procedimento especial nasce da ideia de uma tutela diferenciada e, para tanto, um procedimento igualmente diferenciado, com a adaptação para a melhor prestação dessa tutela.

E são motivos diferentes que fazem com que a tutela seja diferenciada.

O exemplo talvez mais claro: o inventário. Essa ação não detém uma relação entre as partes - herdeiros - como autores e réus, mas todos interessados no processo e com direitos a serem discutidos e com adaptações a partir da existência do direito de herdar, do que herdar e como herdar. Então, o procedimento comum baseado em autor e réu não serve para este direito material, o de sucessões, com a necessidade de uma adaptação.

A consignação em pagamento, por exemplo, é a ação do devedor que quer pagar; exigir contas daquele administrado que quer ver o seu direito a saber como os seus bens foram administrados e se houve malversação de valores, a apuração destes; a dissolução parcial de sociedade é sobre a saída ou retirada de um dos sócios sem desfazimento da sociedade, dentre outras.

Cada ação detém a sua especialidade que demonstra a necessidade de adaptabilidade - maior ou menor - e se estudar todos os procedimentos especiais é moroso e cansativo, ainda mais sem a utilização constante, ao menos é crucial que se entenda, de modo geral, os motivos de sua especialidade, para depois que tiver uma ação a ser intentada ou respondida, se aprofundar no estudo das especialidades do procedimento e as suas diferenciações ao procedimento comum, entendendo que os institutos processuais também mudam conforme o procedimento, como as decisões, as defesas, os recursos.

Além disso, é relevante notar que o aprofundamento no estudo dos procedimentos especiais não apenas contribui para uma atuação mais estratégica, como também fortalece a argumentação jurídica e a escolha adequada das vias processuais. Compreender o porquê da especialidade de cada rito também auxilia na análise crítica da legislação, favorecendo interpretações mais coerentes com a finalidade da norma e com a efetividade da tutela jurisdicional.

________

1 SICA, Heitor Vitor Mendonça Fralino. Novas reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais. . São Paulo: GEN Jurídico. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/04/26/novas-reflexoes-em-torno-da-teoria-geral-dos-procedimentos-especiais/. Acesso em: 29 jun. 2025.

2 MARCATO, Antônio Carlos. Procedimentos especiais. São Paulo: Atlas, 2021. p. 126.

Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.

Marcos Paulo Pereira Gomes
Advogado Doutorando em Direito Processual Civil - UNESA/RJ Mestre em direito pela Unimar/SP Professor de Direito Processual Civil.. Membro da ANNEP, IBDP, ABDPRO e CEAPRO.

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