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Prontuário: Médico tem direito de acesso para sua defesa?

É comum hospitais negarem ao médico o prontuário do paciente que atendeu, mesmo com justo motivo. Isso viola o direito à defesa e interpreta de forma errada o dever de sigilo.

11/7/2025

A entrega do prontuário ao médico que esteve diretamente envolvido no atendimento do paciente - desde que de forma motivada, mediante justo motivo e com finalidade específica, como a elaboração de sua defesa - não viola o dever de sigilo profissional, conforme estabelecem os arts. 73 e 74 do CEM - Código de Ética Médica, tampouco o dever de guarda legalmente imposto ao nosocômio.

Não se trata de violação ao art. 85 do CEM, que veda o manuseio de prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional. Isso porque:

  1. O médico envolvido no atendimento está submetido ao dever de sigilo profissional (art. 74 do CEM);
  2. Caso revele indevidamente informações sigilosas, poderá responder criminalmente, nos termos do art. 154 do CP.

Dessa forma, a liberação do prontuário ao médico para fins de defesa, em processo judicial ou ético, está autorizada com base no justo motivo, nos termos do próprio Código de Ética Médica:

Art. 89 do CEM: Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa, assim como quando autorizado por escrito pelo paciente.

§1º Quando requisitado judicialmente, o prontuário será encaminhado ao juízo requisitante.

§2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.

A resolução CFM 1.605/00, em seu art. 7º, também reforça esse entendimento:

Art. 7º: Para sua defesa judicial, o médico poderá apresentar a ficha ou prontuário médico à autoridade competente, solicitando que a matéria seja mantida em segredo de justiça.

Embora o sigilo seja regra, inclusive respaldado por fundamentos éticos e pelo juramento de Hipócrates, esse dever não é absoluto: deve ceder diante de justa causa, como a defesa legítima do médico. A negativa infundada por parte do hospital - mesmo diante da demonstração clara do justo motivo - mais revela desconhecimento jurídico do que proteção efetiva ao sigilo.

Ao negar o acesso ao prontuário, o nosocômio pode, na verdade, violar direitos fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa, constitucionalmente assegurados. Se a negativa resultar em prejuízo à defesa do médico, inclusive, pode gerar responsabilidade civil pela omissão indevida.

Além disso, a recusa injustificada pode expor o diretor técnico a processo administrativo junto ao Conselho Regional de Medicina, por infração ao CEM:

Art. 18 do CEM: É vedado ao médico desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.

O próprio art. 73 do CEM, combinado ao artigo 89, autoriza a revelação de informações médicas em casos de justo motivo:

Art. 73: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

Art. 89: Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa...

Esse entendimento é reforçado pelos seguintes pareceres:

Conclusão

É legítima e legal a entrega, pelo nosocômio, de cópia do prontuário do paciente ao médico envolvido no atendimento, desde que comprovado o justo motivo e com a finalidade exclusiva de apresentação de defesa em processo judicial ou administrativo, sem necessidade de autorização do paciente. Tal conduta não viola o sigilo médico, nos termos dos arts. 73, 74 e 89 do CEM, e da resolução CFM 1.605/00.

Por cautela, recomenda-se que o hospital:

Alex Leandro da Silva
Adv. especialista em Direito Médico (USP). Membro da Comissão de Direito Médico da OAB 12ª Subseção RP. Atuo na Defesa Judicial, CRM - Sindicância e Proc. Ético. Fundador do escritório ALSA Advogados.

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