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A constitucionalidade da lei de franquias sob a ótica da ADC 48 e a aplicação incidental do Tema 725 do STF nos pedidos de relação de emprego na Justiça do Trabalho

A nova lei de franquias reafirma a natureza empresarial do contrato, excluindo vínculo empregatício e sendo respaldada por decisões do STF e o Tema 725.

17/7/2025

A nova lei de franquias (13.966/19) moderniza a regulamentação do setor no Brasil, reforçando a segurança jurídica entre franqueadores e franqueados. A lei reafirma a natureza civil e empresarial do contrato, pautado pela transferência de métodos e uso de marca, sem qualquer subordinação. O franqueado, como empresário autônomo, assume os riscos do negócio, toma decisões gerenciais próprias e atua sob responsabilidade jurídica própria, ainda que siga padrões operacionais definidos pela empresa franqueadora, o que não descaracteriza a relação empresarial, nem mesmo a aproxima de uma relação empregatícia.

O franqueador presta serviços ao franqueado, contrariando interpretações equivocadas da Justiça do Trabalho. Assim, não há vínculo empregatício, pois este requer a presença simultânea de subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade, elementos que não estão presentes no contrato mencionado.

Essa nova lei tem como objetivo salvaguardar as relações comerciais e regulamentar o setor, desvinculando o vínculo empregatício. Ela se apoia na Constituição de 1988 (CF), que assegura a livre iniciativa, a concorrência e a autonomia da vontade.

A jurisprudência do STF e o respeito à autonomia negocial

A jurisprudência constitucional tem valorizado a autonomia da vontade no Direito Privado, salvo em casos de violação de direitos fundamentais. O STF consolidou entendimento favorável à liberdade contratual em relações empresariais e parcerias comerciais.

Essa orientação jurisprudencial está evidenciada em decisões paradigmáticas, como as proferidas na ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 324 e na ADC - Ação Declaratória de Constitucionalidade 48, nas quais o STF reconheceu a constitucionalidade da terceirização, inclusive para atividades-fim, e a relação comercial existente, atribuindo competência à Justiça Comum. Em ambos os casos, o Tribunal assentou que, em um ambiente de livre iniciativa e economia de mercado, a autonomia privada deve prevalecer, observados os limites legais e constitucionais.

O mesmo pensamento se estende aos contratos de franquia, que fazem parte do mundo das relações comerciais típicas da economia contemporânea, governadas por uma legislação específica, assim como no caso decidido na ADC 48. Trata-se de um modelo contratual que não implica subordinação jurídica entre franqueador e franqueado, sendo fundamentalmente baseado na autonomia das partes para criar cláusulas que determinem direitos, deveres e estratégias de atuação no mercado.

 Em franquias, ainda, há outro aspecto que deve ser considerado: a hipersuficiência, em linha com o  perfil ideal do franqueado que, em regra, possui alto grau de instrução e obtém faturamentos expressivos através de sua empresa franqueada, que o distancia da maioria dos efetivos trabalhadores do país, que têm suas relações reguladas pela CLT.

Aliás, não é demais lembrar que, na ADC 48, o STF declarou a constitucionalidade da lei 11.442/07 que, assim como na antiga lei de franquias (lei 8.955/1994), como na atual (lei 13.966/19), reafirma a ausência de vínculo empregatício entre as partes envolvidas na relação. Veja-se analiticamente:

Lei 11.442/07 (TAC). Art. 5º, caput. As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4º desta lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego.

Lei 13.966/19 (lei de franquia). Art. 1º, caput.  Esta lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza, por meio de contrato, um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.

Ao validar esse tipo de contratação e não declarar a inconstitucionalidade da lei 13.966/19 (lei de franquias), o STF indica que a diferença entre relação comercial e vínculo empregatício deve ser preservada, ficando a análise da validade do acordo a cargo da Justiça Comum, a princípio.

Dessa forma, a jurisprudência do STF fortalece um ambiente jurídico que privilegia a organização produtiva descentralizada e a multiplicidade contratual como expressões legítimas da autonomia privada, contribuindo para o desenvolvimento econômico e a dinamização dos modelos de negócios no país.

Aplicação incidental do Tema 725 do STF nos pedidos de relação de emprego na Justiça do Trabalho

A economia atual exige a atualização dos modelos jurídicos para refletir as diversas formas contratuais de trabalho. Nesse contexto, os contratos de franquia se firmam como instrumentos legítimos de organização empresarial, regidos pela lei 13.966/19 e baseados na livre iniciativa e autonomia da vontade.

O STF, ao julgar o RE 958.252 (Tema 725), validou a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social, mantendo a responsabilidade subsidiária da empresa contratante. Essa interpretação  representou um marco na consolidação da legitimidade de arranjos contratuais firmados entre agentes econômicos autônomos, eliminando presunções de vínculo empregatício baseadas apenas em coordenação operacional ou padronização.

A franquia, enquanto modelo contratual civil e empresarial, pressupõe a ausência de subordinação jurídica direta, sendo regida por padrões operacionais e estratégicos, sem que isso implique, por si só, em relação de emprego. O reconhecimento dessa peculiaridade contratual, reforçado pelo Tema 725, impede que a Justiça do Trabalho desconsidere a forma jurídica pactuada com base apenas em indícios formais de controle, metas ou treinamentos, sob pena de violação ao próprio entendimento fixado pela Corte Constitucional.

Essa orientação foi reforçada em decisões posteriores, como nas reclamações constitucionais 57.954/RJ e 66.783/SP, ambas envolvendo contratos de franquia. Nesses casos, o STF reafirmou que elementos como metas de desempenho, treinamentos padronizados e manuais de conformidade não configuram, por si só, subordinação jurídica. Inclusive, tais aspectos são inerentes à própria relação de franquia.

De modo ainda mais expressivo, na reclamação 78.446/MG, a 1ª turma do STF cassou acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região que havia reconhecido vínculo empregatício entre uma seguradora e sua ex-franqueada, validando expressamente o modelo de franquia multilayer adotado. O Tribunal apontou que a decisão da Justiça do Trabalho contrariava o Tema 725 e a ADPF 324, ao desconsiderar a autonomia contratual das partes e presumir a existência de relação de emprego.

Em linha semelhante, a 2ª turma do STF, ao julgar o ARE 1.529.442/DF, considerou legítimo contrato de franquia que não evidenciava vulnerabilidade ou hipossuficiência do franqueado, reforçando a tese de que a autonomia negocial entre pessoas jurídicas deve ser respeitada quando ausentes os requisitos típicos da relação empregatícia.

Desses precedentes, extrai-se que, (i) uma vez reconhecida a natureza empresarial da relação de franquia, a consequência lógica é a competência da Justiça Comum para dirimir controvérsias oriundas desta relação, e que (ii) é vedado presumir fraude contratual com base apenas em práticas comerciais típicas de franquias.

O STF tem reafirmado que o controle de performance, a padronização de marca e a orientação estratégica não descaracterizam, por si, a natureza civil e empresarial da franquia, resguardando a segurança jurídica desse modelo negocial no ordenamento brasileiro.

Portanto, os  julgados do STF nas reclamações 57.954/RJ, 66.783/SP e 78.446/MG demonstram a plena compatibilidade entre o contrato de franquia e a tese firmada no Tema 725, evidenciando que a existência de diretrizes operacionais não é suficiente para descaracterizar a natureza empresarial da relação. O franqueado é, em regra, pessoa jurídica autônoma, que assume riscos do negócio e goza de liberdade gerencial, afastando-se dos pressupostos fático-jurídicos do vínculo empregatício previstos no art. 3º da CLT.

Assim, a aplicação do Tema 725 aos contratos de franquia é medida que, em conjunto com outros entendimentos vinculantes - e.g. ADPF 324 e ADC 48 asseguram segurança jurídica, coerência interpretativa e respeito à divisão funcional entre os ramos do Direito, limitando a atuação da Justiça do Trabalho ao reconhecimento de vínculos de emprego apenas em casos que não remetam à relação comercial, ou, quando remetam, tenham sido invalidados perante a Justiça Comum. Tal orientação é essencial para preservar a legitimidade das estruturas empresariais modernas e garantir o equilíbrio entre proteção ao trabalhador e liberdade econômica.

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BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 13.966, de 26 dez. de 2019. Dispõe sobre o sistema de franquia empresarial. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 de dez. 2019.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 9 de agosto. 1943.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 324. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 09 de agosto. 2018. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 14 de agosto. 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 958.252/MG (Tema 725). Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 28 jul. 2022. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 03 de agosto. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 57.954/RJ. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14 de março. 2023. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 16 mar. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 66.783/SP. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 22 de março. 2024. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 26 mar. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 1.529.442/DF. Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13 de dez. 2024. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 17 dez. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 78.446/MG. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 22 de abril. 2025. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 24 abr. 2025.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Juspodivm, 2024.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2024.

Fernanda Gonçalves Rocha
Advogada no escritório ASAF - Alex Santana e Antônio Fabrício Sociedade de Advogados, pós graduada em Direito Público pela FESMPMG e auditora do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Mineira de Futebol.

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