A vaquejada, reconhecida como patrimônio cultural imaterial do Brasil pela lei 13.364/16, vive um momento que vai além das tradições regionais que a consagraram. Responsável por movimentar cerca de R$ 600 milhões por ano e gerar milhares de empregos, passou a integrar o mercado regulado das apostas esportivas, impulsionado pela lei 14.790/23. Esse avanço econômico traz oportunidades, mas também desafios que não podem ser ignorados para não comprometer a essência histórica que justifica sua proteção constitucional.
O processo de profissionalização já era evidente, com contratos, remuneração de atletas e aplicação subsidiária da lei Pelé e do Estatuto do Torcedor. Contudo, a entrada das apostas em quota fixa traz uma nova dimensão ao fenômeno, exigindo regulação atenta e soluções jurídicas adequadas. A arbitragem é um ponto central: ao contrário de competições em que juízes são indicados por entidades afastadas economicamente dos resultados, na vaquejada o árbitro é geralmente contratado pelos próprios promotores. Esse vínculo, em um cenário de apostas, amplia riscos de manipulação e fragiliza o sistema.
A falta de estruturas independentes de governança, como ligas ou federações autônomas, agrava esse quadro, deixando o espetáculo mais exposto a contestações. Sob o aspecto constitucional, o desafio é garantir que o art. 216 da Constituição, que protege o patrimônio cultural brasileiro, não seja esvaziado em nome de uma monetização sem limites. O mercado de apostas traz ganhos econômicos, mas precisa andar em sintonia com o dever do Estado de preservar manifestações culturais.
Outro ponto importante é o perfil do público. A vaquejada, por ser popular, atrai muitos que estão em faixas de maior vulnerabilidade social e educacional. Isso exige responsabilidade ética de patrocinadores e casas de apostas, para que o espetáculo não se transforme em fator de endividamento e problemas sociais, sob o argumento de fortalecer a cultura local.
O caminho adequado está em qualificar a arbitragem, criar estruturas independentes de supervisão e garantir transparência nas relações entre organizadores, atletas, apostadores e operadores do mercado. Assim, será possível manter a vaquejada reconhecida por seu valor histórico e ligação com o ciclo do gado e as raízes do nordeste, sem que se torne refém exclusivo da lógica do entretenimento financeiro.
O grande desafio é assegurar que o crescimento econômico da vaquejada ocorra em harmonia com o compromisso jurídico e ético de preservar a identidade cultural que justifica seu status constitucional. Esse equilíbrio é essencial para que o patrimônio siga vivo e protegido para as próximas gerações.