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Processo de violência doméstica: Entre a versão da vítima e a efetividade da defesa

Mesmo diante da força da palavra da vítima, a defesa no processo de violência doméstica não é causa perdida: com estratégia, preparo e atuação especializada, é possível evitar injustas condenações.

28/7/2025

1. Introdução

É comum que homens acusados de violência doméstica se sintam derrotados antes mesmo do início do processo criminal. A sensação de que tudo já está decidido e perdido - que basta a palavra da suposta vítima para que venha a condenação - é recorrente. Embora essa percepção não seja totalmente infundada, especialmente diante do peso probatório conferido à palavra da suposta vítima, ela não deve impedir a construção de uma defesa sólida, estratégica e tecnicamente apurada. Neste ensaio, refletiremos sobre os principais desafios enfrentados pelos acusados e os caminhos possíveis para se atingir um bom resultado defensivo.

2. A centralidade da palavra da suposta vítima

No âmbito da lei Maria da Penha, a palavra da mulher que se declara vítima de violência doméstica ocupa um lugar de centralidade. A jurisprudência tem consolidado o entendimento de que seu depoimento, quando coerente, pode ser suficiente para sustentar a condenação do homem. Esse cenário, ainda que pautado na boa intenção de proteger a vítima, traz desequilíbrios quando não acompanhado de um mínimo de contraditório e de cautela probatória.

É preciso lembrar que nem todo homem acusado praticou o crime. E em tempos em que a denúncia, a investigação e o processo caminham em ritmo acelerado, cabe ao advogado o papel de garantir que a verdade não seja sufocada pela versão unilateral dos fatos.

3. A importância da atuação especializada

A primeira providência para quem enfrenta uma acusação sob a lei Maria da Penha é buscar um advogado especializado. Quando machucamos o joelho, buscamos um ortopedista e não um psiquiatra, em razão da especialidade profissional. Com a acusação de violência doméstica é a mesma coisa. O campo da violência doméstica não se resume a aplicar artigos de lei: trata-se de uma área em constante atualização legislativa e jurisprudencial. Advogados que não atuam diretamente nessa seara tendem a deixar passar nuances importantes da defesa, como estratégias de impugnação de provas, formulação de quesitos técnicos e compreensão da dinâmica dos processos híbridos, que envolvem tanto aspectos cíveis quanto penais.

O especialista saberá, por exemplo, como atuar diante de uma audiência concentrada, como questionar sem revitimizar a depoente e como preservar o direito do cliente à produção de prova técnica.

4. A técnica na formulação das perguntas

Um dos momentos mais cruciais do processo é a audiência. A forma como o advogado formula suas perguntas pode definir os rumos da instrução. Perguntas mal colocadas, ofensivas, desrespeitosas ou desnecessariamente confrontadoras tendem a ser indeferidas, e o cliente perde a chance de ver esclarecimentos importantes serem trazidos ao processo.

Saber perguntar e indagar sem ofender, respeitando os limites legais e emocionais, é uma habilidade essencial. É preciso garantir que o contraditório aconteça sem alimentar a narrativa de agressividade.

5. O preparo prévio do cliente

Outro aspecto fundamental da boa defesa é o preparo antecedente do cliente acusado para a audiência. Isso inclui explicar o funcionamento da audiência, simular perguntas, orientar quanto à postura, vestimenta e até o modo de se dirigir ao juiz. Todos os participantes da audiência - juiz, promotor, assistente de acusação - estarão atentos a qualquer vacilo do acusado, e o despreparo pode ser fatal.

O objetivo não é ensaiar mentiras, mas permitir que o cliente expresse a verdade com clareza, segurança e respeito, mesmo sob pressão. Tão importante quanto dizer a verdade, é como dizê-la.

6. O papel da tecnologia: uso com equilíbrio

A inteligência artificial e os recursos digitais têm contribuído para qualificar o trabalho do advogado. Entretanto, é preciso cuidado para que esses instrumentos não substituam o elemento humano da defesa e a sagacidade e experiência do profissional. Estratégias artificiais, robóticas e impessoais retiram a autenticidade da narrativa e podem prejudicar a percepção de sinceridade do acusado. A tecnologia deve ser uma ferramenta de auxílio, não um substituto da sensibilidade e da inteligência emocional do defensor.

7. Conclusão

Ainda que o processo de violência doméstica traga desafios expressivos à defesa do homem acusado, não se trata de um caso perdido como alguns pensam. Com preparo técnico, atuação especializada e uma abordagem humanizada, é possível desconstruir narrativas unilaterais, garantir o exercício pleno do contraditório e evitar injustas condenações. O combate à violência doméstica é necessário, mas deve ser feito com justiça, equilíbrio e respeito às garantias fundamentais de todos os envolvidos.

Júlio Cesar Konkowski da Silva
Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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