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STF suspende ações sobre pejotização e põe em xeque direitos

Pejotização e STF: segurança jurídica ou ameaça à proteção trabalhista?

11/8/2025

A pejotização - prática de contratar trabalhadores como pessoas jurídicas, ocultando vínculos empregatícios - transformou-se, nos últimos anos, de expediente marginal a política contratual massiva, inclusive em setores tradicionais da economia. Sob o verniz da “modernização” e da “liberdade contratual”, tornou-se um instrumento para esvaziar o sistema protetivo do trabalho no Brasil.

A tensão entre forma e conteúdo nas relações contratuais não é nova. A CLT sempre se estruturou sobre o princípio da primazia da realidade, justamente para coibir tentativas de formalizar juridicamente o que, na prática, é uma relação de emprego. A pejotização inverte essa lógica: utiliza-se da formalização jurídica para mascarar uma subordinação fática evidente, retirando do trabalhador o acesso a direitos mínimos.

A decisão proferida em abril de 2025 pelo ministro Gilmar Mendes, suspendendo todas as ações em trâmite no país que discutem o reconhecimento de vínculo empregatício em contratos com pessoa jurídica, é mais do que uma tentativa de uniformização jurisprudencial - trata-se de um movimento de enfraquecimento institucional da Justiça do Trabalho e da proteção social constitucionalmente assegurada (art. 7º, CF/88).

Ao justificar sua decisão com base no aumento do número de reclamações constitucionais (um salto de mais de 1.800% entre 2018 e 2024), o ministro parece ignorar o que esses números realmente indicam: não o “ativismo” da Justiça do Trabalho, mas sim a massificação da fraude contratual praticada sob o disfarce da autonomia da vontade. Ao suspender os processos, o STF acaba por favorecer a perpetuação de contratos simulados, ampliando a insegurança jurídica que pretendia combater.

A premissa central da decisão - a desconsideração dos precedentes fixados pelo STF em julgamentos como a ADPF 324 e a ADC 48 - incorre em um equívoco conceitual. Tais julgados versaram sobre terceirização e prestação de serviços autônomos genuínos, não sobre a pejotização fraudulenta, em que há nítida subordinação, pessoalidade e habitualidade. Confundir ambos os institutos é metodologicamente incorreto e socialmente danoso.

Não por acaso, juristas como Rodrigo Carelli (UFRJ) e Jorge Luiz Souto Maior (USP) têm alertado para o risco de o STF transformar a exceção em regra: ao permitir a contratação ampla via pessoa jurídica, mesmo nos casos de evidente subordinação, consolida-se um modelo de precarização do trabalho que atinge desde profissionais da saúde até entregadores de aplicativos.

A suspensão nacional ignora ainda a jurisprudência construída pela Justiça do Trabalho com base na análise do caso concreto - justamente a instância mais capacitada técnica e constitucionalmente para esse tipo de apuração. Ao se sobrepor a essa competência (art. 114, I, CF/88), o STF age como legislador negativo, desidratando o sistema de proteção sem passar pelo crivo do Congresso Nacional.

Além disso, a própria tese da “hipersuficiência” - utilizada para justificar que médicos, engenheiros ou advogados podem ser contratados sem vínculo - não resiste a uma análise crítica. A Constituição não condiciona os direitos trabalhistas à renda ou à qualificação. A “hipersuficiência” não elimina a subordinação fática, nem legitima a supressão de garantias fundamentais.

O STF parece adotar uma lógica mercadológica, na qual o trabalhador é tratado como empresa e o empregador, como mero contratante. Tal lógica desconsidera o desequilíbrio estrutural das relações laborais, ignorando a função social do contrato de trabalho. A ideia de que “as partes escolheram livremente” ignora a realidade de um mercado de trabalho marcado por desemprego, informalidade e desigualdade.

O que está em jogo não é apenas uma discussão processual. É a própria validade prática do Direito do Trabalho como ramo autônomo e garantidor. A decisão do STF, embora ainda não definitiva, revela uma perigosa tendência de redução da proteção jurídica aos trabalhadores - sob o argumento de eficiência econômica e segurança contratual.

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Referências

AGÊNCIA BRASIL. STF suspende todas ações do país sobre pejotização de trabalhadores. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br.

BRASIL DE FATO. Decisão do STF sobre pejotização pode representar o fim dos direitos trabalhistas, alerta jurista. 2025. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br.

CONJUR. Ministro do TST derruba vínculo de emprego ao reafirmar legalidade de pejotização. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br.

CONJUR. Divergências entre STF e TST em relação à pejotização. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br.

CORREIO BRAZILIENSE. Reclamações contra decisões da Justiça do Trabalho disparam no STF. 2025. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br.

CUT. Decisão sobre pejotização no STF pode prejudicar trabalhador e contas públicas. 2025. Disponível em: https://www.cut.org.br.

UOL. Advocacia, MP e juízes criticam decisão do STF sobre pejotização. 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br.

Evoneide Beserra
Advogada e especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário. Cursa MBA em Gestão do Direito nas empresas com foco em prevenção de riscos e compliance nas relações empresariais.

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