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Contribuições previdenciárias e os limites da isenção tributária para assistência médica diferenciada

Entendimento do CARF e TRFs sobre isenção previdenciária diverge da lei, exigindo uniformidade de planos médicos antes da reforma trabalhista de 2017.

8/8/2025

A incidência das contribuições previdenciárias sobre o benefício indireto de assistência médica concedido aos empregados é uma discussão considerada pacificada em razão da previsão contida na lei 8.212/1991, que instituiu o plano de custeio previdenciário. Nos termos do art. 28, § 9º, alínea “q” deste diploma legal, as empresas estão expressamente desobrigadas de recolher as contribuições incidentes sobre os valores despendidos a título de assistência médica e odontológica.

Em sua redação original, a lei 8.212/1991 exigia como requisito para a inexigibilidade tributária que a cobertura do benefício médico abrangesse a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa. Com o advento da reforma trabalhista pela lei 13.467/17, a redação do art. 28, § 9º da lei de custeio foi alterada e o requisito de cobertura total foi suprimido. Na mesma linha, o art. 458, § 2º, inciso IV, da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho afasta este benefício do conceito de salário. Portanto, atualmente, as contribuições previdenciárias não devem incidir sobre a assistência médica ainda que o plano não seja extensivo a todos os empregados.

As alterações na CLT foram além, deixando claro no § 5º do art. 458 que o “valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, (...) mesmo quando concedido em diferentes modalidades de planos e coberturas, não integra o salário do empregado para qualquer efeito, nem o salário de contribuição, para efeitos do previsto na alínea q do § 9º do art. 28 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991.”

Ocorre que, apesar dessa previsão legal, que resolveu o problema para fatos geradores posteriores à 2017, o CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e os Tribunais Regionais Federais têm adotado o entendimento de que, para o período anterior, a regra isentiva contida na redação original da lei 8.212/91 exigia não só que o plano fosse extensível a todos colaboradores, mas outro requisito: a concessão equitativa da assistência médica. Segundo esse entendimento, a existência de condições diferenciadas e benefícios exclusivos para certos grupos atrairia a incidência das contribuições previdenciárias sobre este benefício

No Acórdão 9202-011.664 da Câmara Superior do CARF, publicado em abril de 2025, por exemplo, foi firmado o entendimento de que a oferta de planos diferenciados em função do cargo ou salário do empregado configura discriminação que desvirtua o propósito legal do benefício. O caso concreto refere-se ao período de apuração que remonta às competências de 2002 a 2006, de modo que os Conselheiros aplicaram por analogia a redação original da lei 8.212/1991 para consignar que a concessão de planos diferenciados com acesso exclusivo a determinados grupos descaracteriza a universalidade exigida pela legislação.

Nesse mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 3ª região entende, em acórdão de fevereiro de 20251, que a legislação previdenciária antes da reforma trabalhista impunha que a isenção não depende apenas da existência de assistência médica para todos os empregados, mas que a concessão dos benefícios e coberturas seja uniforme e equitativa. Logo, a inexigibilidade das Contribuições Previdenciárias só se aplicaria se todos os empregados tivessem acesso aos mesmos benefícios.

Esta interpretação, contudo, não encontra respaldo legislativo. A análise histórica e hermenêutica da lei 8.212/1991 revela que o legislador jamais condicionou a inexigibilidade das contribuições previdenciárias à uniformidade de planos, mas tão somente à disponibilidade do benefício a todo o quadro de funcionários. Exigir que haja cobertura a todos os empregados da empresa é indiscutivelmente distinto de exigir que haja a mesma cobertura a todos estes funcionários.

Note-se que não há qualquer menção à igualdade, identidade ou uniformidade da concessão na lei de custeio, de modo que qualquer interpretação neste sentido seria analógica e violaria o art. 111, inciso II, do CTN, o qual impõe interpretação literal às normas tributárias isentivas.

Além disso, do ponto de vista teleológico, a isenção tributária do benefício de assistência médica visa a incentivar o empregador a assumir o custo que seria suportado pelo sistema público e a concretizar o direito constitucional à saúde. Sob este ponto de vista, exigir a concessão de um plano único onera empresas e não traz qualquer tipo de benefício aos empregados e ao Estado, de modo que seria contraproducente para o alcance dos objetivos a que a norma se propõe.

A literalidade da redação original do art. 28, § 9º, alínea “q”, da lei 8.212/1991 evidencia que “abranger” não é sinônimo de “equalizar”. Portanto, qualquer interpretação que exija cobertura uniforme da assistência médica como requisito para a inexigibilidade das contribuições previdenciárias não encontra respaldo na legislação, senão em uma interpretação analógica e ampliativa.

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1 5003314-63.2022.4.03.6114 – 2ª Turma – Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Decisões de 5/9/2024 e 27/2/2025.

Cristiane Ianagui Matsumoto
Sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Lucas Barbosa Oliveira
Associado da área previdenciária do Pinheiro Neto Advogados.

Yuri Forsthuber Alandia
Advogado no Pinheiro Neto Advogados.

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