Com base nas recentes movimentações legislativas em torno do PLP 108/24, observa-se um esforço do Congresso Nacional para ajustar e complementar a LC 214/25, que regulamenta a reforma tributária sobre o consumo. Dentre as mais de 300 emendas apresentadas ao PLP 108/24, cerca de 50 refletem preocupações setoriais e técnicas, com potencial de impacto direto sobre a aplicação da LC 214, que regulamenta a reforma tributária, especialmente em setores estratégicos da economia.
Entre os temas em debate, destacam-se algumas propostas:
Um dos setores mais impactados é o digital, com a emenda 311, de autoria do senador Fernando Farias, que propõe reforçar a responsabilidade solidária das plataformas digitais pelas informações relativas às operações e importações de bens e serviços realizadas por seu intermédio, exigindo a identificação do fornecedor, ainda que este não seja contribuinte. A proposta busca eliminar interpretações equivocadas que poderiam isentar as plataformas de responsabilidade até a implementação do mecanismo de split payment. Essa proposta sinaliza uma tendência de maior responsabilização dos intermediários digitais no novo modelo tributário.
No setor agropecuário, a emenda 211, do senador Weverton, propõe a diferenciação dos percentuais de crédito presumido conforme a tipologia e a renda do produtor rural. A proposta reconhece a heterogeneidade do setor e busca proteger a agricultura familiar, evitando que pequenos produtores sejam prejudicados por regras uniformes. No entanto, a operacionalização dessa diferenciação pode aumentar a complexidade administrativa e gerar disputas sobre a classificação dos produtores.
Outro setor com proposta avançada é o aéreo, com as emendas 270 e 273, dos senadores Veneziano Vital do Rêgo e Alan Rick, que estendem o regime de suspensão tributária da importação temporária de aeronaves também a partes, peças e motores. A medida alinha a legislação à prática operacional do setor, que depende de contratos de leasing e manutenção internacional, e reduz o risco de litígios decorrentes de interpretações restritivas da norma. Além disso, contribui para a competitividade do setor ao garantir neutralidade tributária nas operações de suporte à aviação.
No campo da transição energética, a emenda 307, do senador Cid Gomes, propõe a criação de uma seção específica na LC 214/25 para regulamentar o Rehindro - Regime Especial de Incentivos à Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono. Embora a legislação do Rehidro preveja a aplicação dos benefícios fiscais do REIDI, a atual redação da LC 214/25 não incorpora expressamente esse regime quando trata do REIDI, o que gera incertezas quanto à continuidade do benefício no novo sistema tributário. Essa lacuna normativa compromete a segurança jurídica de investimentos em curso, especialmente em um setor que exige planejamento de longo prazo e estabilidade regulatória. A proposta da emenda busca justamente sanar essa omissão, assegurando que os projetos de hidrogênio verde já enquadrados no Rehidro possam manter os incentivos fiscais originalmente concedidos,
Outros setores em pauta:
Além dos setores já mencionados, outras emendas tratam de temas relevantes como:
- Programas de fidelidade e arranjos de pagamento, com foco na definição de base de cálculo específica para evitar bitributação;
- Exportações ferroviárias, buscando garantir tratamento de exportação ao diesel utilizado no transporte ferroviário;
- Imposto seletivo sobre bebidas açucaradas, com proposta de escalonamento de alíquotas;
- ZPEs - Zonas de Processamento de Exportação, com restabelecimento de alíquota zero na aquisição de serviços e esclarecimento de conceitos operacionais;
- Benefícios fiscais e compensação, com ampliação do conceito de benefício oneroso para fins de uso do Fundo de Compensação durante o período de transição.
Essas discussões demonstram que o PLP 108/24 não apenas operacionaliza aspectos administrativos da reforma tributária, como também se tornou o principal instrumento de ajuste da LC 214/2025, permitindo que o Congresso Nacional responda às demandas específicas de setores econômicos e corrija eventuais lacunas ou rigidezes do novo sistema tributário.