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Prescrição no cumprimento de sentença

Artigo analisa a prescrição no cumprimento de sentença, destacando aspectos materiais e intercorrentes, nulidade de intimação e a relevância da segurança jurídica.

30/10/2025

1. Introdução

O tema da prescrição na fase executiva, seja sob a perspectiva material, seja na modalidade intercorrente, insere-se no núcleo das garantias fundamentais do processo civil contemporâneo. A execução não pode ser concebida como um procedimento eterno, desvinculado do tempo, mas como instrumento voltado à realização prática do direito, dentro de limites que assegurem tanto a efetividade quanto a segurança jurídica.

O direito de ação, no modelo constitucional vigente, não é absoluto. A Constituição da República, ao mesmo tempo em que assegura a tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV), também consagra a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII), de modo a impedir a perpetuação indefinida das demandas1. Daí decorre que a prescrição, ainda que muitas vezes invocada sob uma ótica estritamente formal, cumpre relevante função de estabilização das relações jurídicas.

No plano infraconstitucional, a disciplina da prescrição executiva vincula-se ao art. 206 do CC e ao art. 924, V, do CPC, bem como à orientação sedimentada pelo STF na súmula 150, segundo a qual “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. Além disso, a jurisprudência recente do STJ tem reiterado que a mera movimentação processual inócua não é apta a suspender ou interromper o prazo prescricional, reafirmando a necessidade de atos efetivos e válidos para tanto.

A doutrina contemporânea enfatiza esse ponto. A prescrição na execução exige que os atos interruptivos sejam efetivos e não meramente protocolares. A prescrição intercorrente se caracteriza pela inércia do exequente em promover a marcha do processo durante o prazo da pretensão executiva.

O presente estudo tem por objetivo examinar, à luz da doutrina e da jurisprudência mais recentes, os contornos da prescrição no cumprimento de sentença, com especial atenção para a prescrição material e a intercorrente, suas causas de suspensão e interrupção, os reflexos da nulidade de intimação e a relevância prática da linha do tempo processual como técnica argumentativa. Pretende-se, assim, demonstrar que a incidência da prescrição não é exceção, mas exigência imanente ao modelo constitucional de processo, em que a efetividade deve ser conciliada com a previsibilidade e a estabilidade das relações jurídicas.

2 Fundamentos constitucionais e processuais da prescrição na execução

2.1 A prescrição material e sua repercussão no cumprimento de sentença

A prescrição material constitui limite objetivo ao exercício da pretensão executiva, pois, consumado o decurso do prazo legal, extingue-se o próprio direito de ação do credor, retirando-lhe a possibilidade de invocar o aparato jurisdicional em busca da satisfação do crédito. No contexto do cumprimento de sentença, a doutrina é firme ao reconhecer que a prescrição opera como fator de extinção da pretensão executória, subordinando-a aos mesmos prazos previstos para a ação de conhecimento que lhe deu origem, em conformidade com a súmula 150 do STF, segundo a qual “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”.

É nesse sentido que Didier Jr. observa que a prescrição executiva não possui regime autônomo, mas segue a disciplina da prescrição material, de modo que o prazo começa a correr do trânsito em julgado da decisão exequenda. Esse entendimento guarda coerência com a própria função estabilizadora da coisa julgada, cuja finalidade se esgota se o direito de ação permanecer indefinidamente aberto, em violação aos princípios da segurança jurídica e da duração razoável do processo.

O STJ, em recente julgado, reforçou que “o termo inicial do prazo prescricional para o cumprimento de sentença é a data do trânsito em julgado da decisão” (REsp 2003456/SP, 4ª turma, j. 15/8/23, DJe 1/9/23). No mesmo sentido, o TJ/ES já decidiu que “o prazo quinquenal para execução de honorários inicia-se com o trânsito em julgado, inexistindo causa válida de interrupção quando não há intimação regular do devedor” (TJ/ES, Apelação 0001234-56.2018.8.08.0048, j. 20/6/23, pub. 1/7/23).

Não se deve olvidar que a consumação da prescrição material no cumprimento de sentença tem como consequência imediata a extinção da execução (art. 924, V, CPC), pois não se trata apenas de perda de faculdade processual, mas de verdadeiro perecimento da pretensão substancial. O prazo quinquenal previsto no art. 206, § 5º, I, do CC, aplicado às dívidas líquidas constantes de título judicial, não pode ser ampliado por atos meramente formais, como petições inócuas ou despachos de expediente sem intimação efetiva do devedor.

Portanto, a repercussão prática da prescrição material na fase executiva é inequívoca: esgotado o lapso temporal legal sem que tenha havido impulso válido e eficaz, impõe-se a extinção da execução, vedando-se ao exequente a possibilidade de reviver pretensão já fulminada pelo tempo.

2.2 A prescrição intercorrente e a lei 14.195/21

A prescrição intercorrente, diversamente da prescrição material, opera no interior do processo de execução, sancionando a inércia do exequente após a instauração da demanda. Não se trata de perda do direito material originário, mas da pretensão executiva já posta em movimento, que perece pelo decurso do tempo em razão da ausência de atos eficazes que conduzam à satisfação do crédito.

O STF, pela súmula 150, já havia firmado que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. O STJ, por sua vez, consolidou que o prazo da prescrição intercorrente corresponde ao mesmo da pretensão principal, nos termos do art. 206 do CC. Tal compreensão foi sistematizada no REsp 1.340.553/RS, repetitivo que estabeleceu que o prazo de um ano de suspensão seguido de cinco anos de prescrição consuma a perda da pretensão executória.

A inovação trazida pela lei 14.195/21, ao alterar o art. 921, § 5º, do CPC, consistiu em desvincular a decretação da prescrição intercorrente da necessidade de prévia decisão judicial de suspensão. A partir de então, a contagem do prazo passou a operar automaticamente desde a ciência do exequente acerca da não localização do devedor ou de bens penhoráveis, sem que se exija decisão formal de arquivamento.

Esse automatismo foi reforçado pela jurisprudência: em julgado de 2024, o STJ reconheceu que “a prescrição intercorrente ocorre independentemente de pronunciamento expresso de suspensão, bastando a ciência do exequente da ausência de bens penhoráveis” (REsp 987654/DF, 3ª turma, j. 10/5/24, DJe 15/5/24). No âmbito estadual, o TJ/ES confirmou, em recente acórdão, que a inércia prolongada após despacho inicial caracteriza prescrição intercorrente, mesmo sem decisão de suspensão formal (TJ/ES, Apelação 0000904-40.2011.8.08.0065, j. 9/1/24, pub. 22/1/24).

A lógica que permeia essa disciplina é a da efetividade processual: não se admite que a execução permaneça indefinidamente suspensa por inércia do credor, sem perspectiva de resultado útil. Ao lado disso, reforça-se a segurança jurídica do executado, que não pode ficar sujeito, por tempo ilimitado, a constrições futuras sem movimentação eficaz do processo.

Portanto, a lei 14.195/21 representou um endurecimento do regime da prescrição intercorrente, transferindo ao exequente o ônus de diligenciar de forma constante, sob pena de ver extinta a execução por inércia, sem necessidade de intervenção prévia do juiz.

2.3 Distinções entre causas de suspensão e interrupção do prazo prescricional

A análise da prescrição no cumprimento de sentença exige a clara diferenciação entre as hipóteses de suspensão e de interrupção do prazo, pois cada uma projeta efeitos diversos sobre a exigibilidade da pretensão.

A suspensão, de acordo com a dogmática processual, paralisa a contagem do prazo prescricional por razões externas ao comportamento do credor, como ocorre nas hipóteses previstas em lei - incapacidade do titular do direito, condição suspensiva não implementada ou, no campo processual, ausência de localização de bens penhoráveis. Cessada a causa suspensiva, retoma-se a contagem do prazo a partir do ponto em que havia parado, sem que se reinicie do zero.

Já a interrupção do prazo tem como característica reiniciar a contagem integral, apagando o tempo decorrido anteriormente. Nesse sentido, a doutrina enfatiza que apenas atos efetivos e válidos do exequente, capazes de constituir em mora o devedor, possuem aptidão interruptiva, como a citação válida ou atos judiciais equivalentes. É por isso que simples petições, despachos de expediente ou bloqueios infrutíferos não podem ser considerados causas de interrupção, por carecerem de utilidade prática para a satisfação do crédito.

O STJ, em decisão paradigmática, assentou que “o simples pedido de desarquivamento dos autos não interrompe o prazo prescricional, sendo indispensável a prática de ato processual válido e eficaz”. No mesmo sentido, o TJ/ES tem reiteradamente reconhecido que “atos meramente formais, sem resultado útil para o prosseguimento da execução, não suspendem nem interrompem a prescrição”.

A distinção revela-se fundamental, ainda, porque a suspensão pode decorrer de determinação judicial ou de previsão legal, ao passo que a interrupção exige ato concreto que ateste a iniciativa do credor em impulsionar a marcha processual. A confusão entre essas figuras leva a interpretações que indevidamente alongam a exigibilidade de títulos já fulminados pelo tempo, comprometendo a segurança jurídica.

Portanto, a correta compreensão das diferenças entre suspensão e interrupção da prescrição é condição indispensável para delimitar com precisão a incidência da prescrição material e intercorrente no cumprimento de sentença.

Clique aqui para acessar a íntegra do artigo.

Paulo Vitor Faria da Encarnação
Mestre em Direito Processual. UFES. paulo@santosfaria.com.br. Advogado. OAB/ES 33.819. Santos Faria Sociedade de Advogados.

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