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Dilema da hotelaria: Personalização extrema versus privacidade do hóspede

Hotelaria usa IA e dados para personalizar experiências, mas deve equilibrar inovação e privacidade, respeitando a LGPD e os direitos dos hóspedes.

22/8/2025

O setor hoteleiro vem atravessando uma revolução tecnológica, impulsionada por inteligência artificial, big data e automação. Hoje, é possível oferecer experiências altamente personalizadas aos hóspedes, como ajustes automáticos da temperatura do quarto, playlists sob medida e travesseiros específicos. No entanto, essa evolução traz um dilema central: até que ponto a coleta e o uso de dados pessoais podem ser feitos sem violar a LGPD?

Segundo especialistas, a LGPD permite o tratamento de dados pessoais apenas quando há uma base legal válida, que pode ser o consentimento explícito do hóspede, a necessidade de execução de um contrato, ou o legítimo interesse do hotel, desde que não prejudique os direitos do cliente. A coleta e o uso dessas informações devem ainda respeitar princípios como finalidade, necessidade, transparência e segurança. Isso significa, na prática, que utilizar o histórico de reservas para sugerir serviços similares é permitido, desde que previamente informado e aceito pelo hóspede. Já rastrear preferências sem consentimento, inclusive por meio de tecnologias invasivas, é considerado violação de privacidade.

A linha entre personalização legítima e prática invasiva está ligada à expectativa do hóspede e ao cumprimento das exigências legais. O uso de dados torna-se invasivo quando o hóspede não tem ciência do tratamento, não é informado sobre a finalidade, ou não pode controlar a utilização de suas informações. Por exemplo, oferecer itens do frigobar com base em pedidos anteriores, autorizado pelo cliente, é legítimo; porém, utilizar informações de parceiros comerciais ou redes sociais sem consentimento caracteriza prática invasiva.

O uso de algoritmos e IA - inteligência artificial também exige cautela.

Sistemas de decisão automatizada devem ser transparentes, auditáveis e revisáveis por humanos, especialmente se impactarem significativamente os interesses do titular. Hotéis devem informar, desde a reserva, quais dados serão coletados, com que finalidade e por quanto tempo serão armazenados. Além disso, revisões periódicas são essenciais para evitar decisões baseadas em dados desatualizados ou inferências sobre aspectos sensíveis sem autorização.

No contexto hoteleiro, o consentimento para tratamento de dados deve ser livre, informado, específico, inequívoco e revogável a qualquer momento.

Ou seja, o hóspede precisa ter autonomia real para aceitar ou recusar o uso de suas informações e deve ser claramente informado sobre seus direitos e sobre como exercê-los.

Para garantir conformidade com a LGPD, hotéis devem revisar suas políticas internas e adotar boas práticas de governança de dados. Isso inclui a criação de políticas de privacidade transparentes, registros detalhados das operações de tratamento, nomeação de um DPO - Data Protection Officer e treinamentos periódicos da equipe. Avaliações de impacto de proteção de dados também são recomendadas quando tecnologias de IA forem utilizadas.

O descumprimento da LGPD expõe hotéis a sanções administrativas, que podem chegar a 2% do faturamento da empresa, limitadas a R$ 50 milhões, além de bloqueio ou eliminação de dados. Judicialmente, há risco de ações civis por danos materiais e morais, sem contar o impacto reputacional, que pode abalar a confiança dos clientes.

Em um cenário em que a experiência personalizada é um diferencial competitivo, a hotelaria precisa encontrar o equilíbrio entre inovação e respeito à privacidade, garantindo que a tecnologia seja aliada, e não inimiga, da confiança e satisfação do cliente.

Mayara Filippin Leone
Advogada no escritório TNP Advogados.

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