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Renúncia à herança não blinda dívidas: Quando é ineficaz

Renúncia à herança é ato formal e, em certos cenários, ineficaz perante credores. Entenda quando cai como fraude à execução, diferenças para cessão de direitos e como planejar com segurança.

25/8/2025

“Renunciar” à herança nunca foi sinônimo de blindagem. Trata-se de ato jurídico formal, com forma rígida e consequências específicas. Feita no momento processual errado ou com finalidade de frustrar credores, a renúncia não protege: torna-se ineficaz perante a execução, permitindo que o quinhão seja alcançado até o limite do débito. A seguir, um guia técnico - com a distinção entre renúncia e cessão, o alcance do art. 792, IV, do CPC e do art. 1.813 do CC.

Conceito, forma e (ir)revogabilidade

Duas operações distintas (e frequentemente confundidas)

Ineficácia perante credores: Quando a renúncia “cai”

Caso prático TRT-MG e a renúncia ineficaz

Fatos essenciais. Após ser incluído em execução trabalhista, um devedor renunciou, por escritura pública, à sua parte na herança materna, em favor da irmã. A 5ª turma do TRT da 3ª região reconheceu, por unanimidade, a fraude à execução: a renúncia buscou privar o credor de patrimônio passível de satisfação.

Resultado. Mantida a possibilidade de penhora dos bens herdados até o valor da dívida e apenas no limite do quinhão do executado; quitado o crédito, o saldo remanescente permanece com a irmã.

Lição. O Tribunal destacou que a discussão não é sobre a “legalidade abstrata” da renúncia, mas sobre sua ineficácia perante o credor quando usada para frustrar a execução já em curso.

(Síntese redacional do acórdão: 5ª turma TRT-MG; execução trabalhista; renúncia após inclusão do devedor na execução; ineficácia da renúncia frente ao credor; penhora limitada ao quinhão e ao valor do débito.)

Tabela prática - Renúncia x cessão x ineficácia

Tema

Renúncia abdicativa

Cessão de direitos hereditários

Ineficácia perante credores

Natureza

Ato unilateral do herdeiro

Negócio jurídico com destinatário

Sanção de inoponibilidade

Forma

Escritura/termo judicial (CC 1.806)

Escritura pública (CC 1.793)

Reconhecimento judicial (CPC 792, IV)

Efeito

Quota retorna ao monte

Transfere a posição hereditária

Permite penhora do quinhão

Tributação

Em regra, não

Pode haver ITCMD/ganho de capital

-

Quando “cai”

Vício/simulação

Vício/simulação

Execução/insolvência preexistente

Checklist de conformidade (o que resiste no contencioso)

  1. Due diligence de passivos: Certidões, processos e risco de insolvência antes de propor renúncia/cessão.
  2. Escolha técnica: Abdicativa (política familiar) x cessão (negócio com destinatário e efeitos fiscais).
  3. Temporalidade: Evitar atos após o ajuizamento/inclusão em execução relevante.
  4. Coerência do plano: Integrar com inventário, doações, quotas/holding e cláusulas restritivas; ato isolado soa “maquiagem”.
  5. Lastro probatório: Motive a decisão (finalidade lícita), documente a boa-fé e a ausência de prejuízo a credores.

Conclusão: Técnica, timing e finalidade lícita

A renúncia à herança é ferramenta legítima - quando técnica, tempestiva e inserida em planejamento real. Usada como “atalho” para escapar de execução, não blinda: cai por ineficácia, permite penhora do quinhão e ainda expõe as partes a litígios desnecessários. O precedente do TRT-MG reforça uma linha já consolidada: o Direito Sucessório conversa com o Direito Processual e com a tutela do crédito. Planejar é prevenir conflito, não provocá-lo.

Marcia Pons
Pons advogada com 25 anos em Família, Sucessões e Planejamento Patrimonial, 14 anos no Pons & Tosta, com atuação em Executivos, Mediação estratégica e proteção do patrimônio inc digital.

Luiz Gustavo Tosta
Tosta é advogado sócio na P & T, Mediador, especialista em Trabalhista para Executivos e Planejamento Patrimonial, atua em negociações estratégicas com grandes empresas e proteção de alta gestão.

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