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Casamento civil: 135 anos de laicidade e cidadania no Brasil

O decreto 181/1890 instituiu o casamento civil no Brasil, marcando a separação entre Igreja e Estado e consolidando direitos e cidadania no contexto republicano.

8/9/2025

Em 24/1/1890, o marechal Deodoro da Fonseca, então chefe do Governo Provisório da recém-proclamada República dos Estados Unidos do Brasil, promulgou o decreto 181, que instituiu o casamento civil no país. Mais do que um simples diploma legal, esse decreto representou uma verdadeira ruptura institucional: o Estado brasileiro assumia, pela primeira vez, a prerrogativa de regular juridicamente a formação das famílias, antes exclusivamente subordinadas ao rito religioso e ao direito canônico.

A criação do casamento civil marcou o início da efetiva separação entre Estado e Igreja no Brasil, um passo fundamental para a consolidação da República, do Estado laico e do princípio da liberdade religiosa. O casamento deixou de ser um sacramento compulsório e passou a ser um ato jurídico voluntário, regulado pela lei civil, acessível a todos os cidadãos, independentemente de sua fé, credo ou convicções pessoais.

A função do juiz de paz: Expressão da cidadania em ato

Neste novo paradigma jurídico, se renova o papel do juiz de paz: uma autoridade civil com a missão de garantir o acesso ao casamento, formalizando uniões perante o Estado, com respaldo legal e reconhecimento institucional. Sua atuação não é apenas protocolar. O juiz de paz representa a presença do Estado Democrático de Direito nos rincões do país, onde muitas vezes o Judiciário togado ainda não chega com a mesma capilaridade.

Cada casamento civil celebrado pelo juiz de paz é a reafirmação de que o Estado respeita a autonomia das pessoas e assegura a sua dignidade. É um ato de cidadania que concretiza direitos fundamentais como a liberdade, a igualdade e a proteção à entidade familiar, conforme previsto no art. 226 da CF/88.

135 anos depois: Um legado que continua vivo

Passados 135 anos desde a edição do decreto 181, o casamento civil permanece como um instrumento fundamental de cidadania e segurança jurídica. Evoluímos: reconhecemos uniões homoafetivas, admitimos novas formas de família, garantimos direitos iguais a cônjuges de todos os gêneros, e o Estado continua firme no dever de garantir que os vínculos afetivos sejam respeitados com dignidade e proteção legal.

O juiz de paz, neste cenário, atua como agente da democracia, legitimando uniões e acolhendo histórias. É ele quem, com simplicidade institucional e sensibilidade humana, transforma a vontade de duas pessoas em um compromisso legal perante a sociedade. Com isso, reafirma a confiança no Estado e a vitalidade do pacto civilizatório que se iniciou em 1890.

Considerações finais

O casamento civil, instituído no início da República, é mais do que um contrato: é uma manifestação da liberdade e da igualdade. Celebremos, portanto, os 135 anos dessa conquista com a consciência de que sua manutenção e aprimoramento dependem do compromisso diário das instituições e de cada um de nós, com os valores da laicidade, da pluralidade e da dignidade humana.

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Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890.

Constituição Federal de 1988, art. 226.

Lei nº 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos).

STF, ADI 4277 (União homoafetiva).

STF, RE 646.721 (União estável).

DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. São Paulo: RT.

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva.

Rudyard Rios
Juiz de Paz pelo TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Formado em Direito e Filosofia, pós em Ciência Politica, Mestrando em Direito pela UNB com foco em Direito de Familia.

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