A Justiça do Trabalho tem fixado indenizações por dano existencial, mesmo diante de ausência de previsão expressa na legislação trabalhista, ou ainda no ordenamento jurídico brasileiro, mas o que vem a ser o dano existencial?
O dano existencial configura-se como uma violação à dignidade da pessoa humana, decorrente de obstar o desenvolvimento da vida pessoal, dos planos de vida, das relações familiares e sociais do trabalhador.
Isto porque jornadas extenuantes que ultrapassam os limites legais ou ausência de tempo para vida pessoal, compromete os direitos da personalidade, especialmente o direito ao lazer, à convivência familiar, à saúde física e psíquica, e à fruição de vida pessoal saudável afetando afeta diretamente a qualidade de vida do empregado.
Na seara trabalhista, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido que o dano existencial não se confunde com o dano moral tradicional.
Enquanto o dano moral está ligado ao sofrimento íntimo, à dor e ao abalo psicológico, o dano existencial se projeta para a vida prática do indivíduo, atingindo sua liberdade de conviver, de descansar e de desenvolver projetos pessoais.
Desta maneira, quando um empregado é submetido a jornadas que ocupam quase a totalidade de seu dia (por exemplo de 15 horas), não se trata apenas de abalo emocional, mas de uma impossibilidade concreta de usufruir de sua vida social e familiar, inclusive impedindo-o de realizar novos projetos como por exemplo cursar uma faculdade ou cursos técnicos. É justamente nesse ponto que o instituto ganha relevância.
A Justiça do Trabalho tem se posicionado de maneira firme diante de situações extremas. Em recente decisão, o C. TST manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano existencial a um trabalhador submetido a jornadas que chegavam a vinte e uma horas por dia.
O Tribunal destacou que a supressão quase total do tempo para descanso, lazer e convivência social configura afronta inaceitável à dignidade do trabalhador, não havendo como normalizar práticas que lembram situações de semi-escravidão.
Importante destacar que jornadas exaustivas expõem o trabalhador a riscos objetivos de acidentes de trabalho e ao desenvolvimento de doenças ocupacionais, tanto físicas quanto psíquicas.
A fadiga excessiva compromete a atenção, a capacidade de reação e a segurança no ambiente laboral, ampliando significativamente a probabilidade de sinistros, além de poder contribuir para desencadear patologias como a síndrome de burnout, distúrbios do sono, depressão e enfermidades cardiovasculares, o que reforça a gravidade do dano existencial e evidencia sua conexão com a proteção constitucional à saúde e à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII, da CF).
Diante deste cenário, a Justiça do Trabalho tem consolidado o entendimento de que jornadas extenuantes, que ultrapassam em muito os limites legais, configuram lesão não apenas ao direito ao lazer, mas à própria dignidade da pessoa humana, já que vão além da compensação de horas extras ou dos adicionais, isto porque o impacto recai sobre dimensões existenciais do trabalhador irrecuperáveis ao longo do tempo e que não se resolvem com o mero pagamento de parcelas salariais.
Assim, ainda que a indenização não seja capaz de reverter por completo os prejuízos vivenciados pelo trabalhador, ao fixar condenações por dano existencial, a Justiça do Trabalho reafirma que a exploração desenfreada da força de trabalho não encontra respaldo no ordenamento jurídico, reforçando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e da função social da empresa.