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Adão e Eva até a certidão: O impacto jurídico e cultural do casamento civil

Do mito à certidão, o artigo analisa o casamento civil como transformação jurídica e cultural, mostrando seu impacto histórico, patrimonial e social na vida dos cônjuges.

21/9/2025

O casamento civil é um dos institutos mais antigos do Direito e, ainda hoje, continua a transformar profundamente a vida daqueles que decidem por ele. Não se trata apenas de uma formalidade cartorária ou de um ato solene: o casamento produz efeitos que alcançam a esfera jurídica, patrimonial, social e até mesmo a identidade pessoal dos envolvidos

Breve olhar histórico

A origem do casamento perde-se no tempo, pois antes mesmo da escrita já existiam rituais para marcar uniões e regular descendência. Para tradições religiosas, como o cristianismo, o primeiro casal seria Adão e Eva, em sentido simbólico. No entanto, em termos jurídicos, o marco fundamental foi a Revolução Francesa, em 1792, quando o casamento deixou de ser exclusivamente religioso e passou ao controle do Estado, inaugurando o casamento civil moderno.

No Brasil, até meados do século XIX, apenas o casamento religioso era reconhecido oficialmente. Com a lei 1.144, de 1861, surgiu a figura do casamento civil, mas ainda dependente de formalidades ligadas à Igreja. Somente com o decreto 181, de 24/1/1890, após a Proclamação da República e a separação entre Igreja e Estado, o casamento civil tornou-se obrigatório e independente, consolidando um novo capítulo do Direito de Família brasileiro.

Alteração do status civil

Ao casar-se, o indivíduo muda juridicamente de condição: de solteiro passa a casado. Essa alteração repercute em documentos oficiais e em diversas situações jurídicas. O status civil é, portanto, não apenas uma informação burocrática, mas um marco que influencia obrigações e direitos perante o Estado e a sociedade.

Regime de bens e vida patrimonial

O casamento implica a escolha de um regime de bens, que determinará como serão administrados os patrimônios presentes e futuros do casal. Ainda que muitos nubentes encarem essa escolha como detalhe, trata-se de decisão que terá efeitos diretos na vida econômica e sucessória da família.

Direitos e deveres recíprocos

O CC brasileiro estabelece deveres de lealdade, respeito, assistência e sustento mútuo. A partir do casamento, os cônjuges assumem compromissos jurídicos que vão muito além do afeto e da convivência cotidiana.

Direitos sucessórios e previdenciários

O cônjuge passa a ser herdeiro necessário, com participação garantida na herança. Além disso, o casamento confere acesso a direitos previdenciários, pensões e benefícios trabalhistas. O Estado, ao reconhecer essa união, projeta efeitos que vão além do vínculo afetivo, reforçando a proteção social.

A dimensão cultural e simbólica

Ainda que o Direito seja o motor das transformações jurídicas, é impossível ignorar que o casamento carrega também um peso cultural e simbólico. Em muitos contextos sociais, ser casado ainda é sinônimo de estabilidade, maturidade e respeitabilidade. A forma como cada sociedade percebe o casamento, como rito de passagem, contrato ou símbolo, revela que o instituto é tanto jurídico quanto cultural.

Uma síntese necessária

A transformação prática do casamento civil é jurídica; a transformação simbólica é cultural. É nessa intersecção que o instituto continua vivo e relevante, mesmo em tempos de mudanças nas formas de constituição das famílias e no reconhecimento da união estável.

O casamento civil, portanto, não é apenas uma escolha individual, mas um ato que gera impactos sociais, patrimoniais e culturais. Compreender sua força transformadora é reconhecer que o Direito, ao regular a vida privada, também molda as formas de convivência coletiva.

Rudyard Rios
Juiz de Paz pelo TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Formado em Direito e Filosofia, pós em Ciência Politica, Mestrando em Direito pela UNB com foco em Direito de Familia.

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