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STF e a prescrição na improbidade: Quais os limites da tutela cautelar?

A ADIn 7.236 questiona mudanças da lei 14.230/21 sobre improbidade. STF suspende regra de prescrição e reacende debate entre efetividade e legalidade.

25/9/2025

A lei 14.230, de 25/10/21, promoveu uma ampla reformulação na lei 8.429/1992, conhecida como lei de improbidade administrativa. Entre as mudanças mais expressivas, destacam-se a exigência de dolo específico para a configuração do ato ímprobo, a possibilidade de acordos de não persecução cível, a redefinição das hipóteses sancionatórias e, sobretudo, a alteração do regime de prescrição e da prescrição intercorrente.

Em reação a essas transformações, a CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.236, acompanhada de pedido de medida cautelar, alegando que diversos dispositivos da reforma violariam princípios constitucionais, como a moralidade administrativa, a proporcionalidade, a segurança jurídica e a própria missão institucional do Ministério Público.

O tema rapidamente alcançou relevância no STF. Em 27/12/22, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, concedeu parcialmente a liminar, ad referendum do plenário, para suspender dispositivos da lei relacionados à prescrição. Seguiram-se, em 16/5/24, um voto complementar em plenário e, em 23/9/25, nova decisão cautelar de ofício, motivada pelo suposto risco iminente de prescrição em massa de ações de improbidade.

O objeto da ADIn 7.236 recaiu sobre o art. 2º da lei 14.230/21, na parte em que modificou diversos dispositivos da lei de improbidade administrativa. Dentre eles, ganhou especial destaque o art. 23, § 5º, que previa que, interrompida a prescrição, o prazo voltaria a correr pela metade do tempo original, ou seja, em apenas quatro anos. A CONAMP sustentou que essa regra se mostrava incompatível com a realidade do processo civil brasileiro, no qual ações complexas demandam, em média, quase cinco anos para tramitar em cada instância, o que inviabilizaria a responsabilização por atos.

A análise da medida cautelar na ADIn 7.236 evidencia três momentos sucessivos em que o Supremo buscou equilibrar os riscos trazidos pela aplicação imediata da reforma.

Na primeira decisão, em 27/12/22, o relator deferiu parcialmente a liminar, reconhecendo fumus boni iuris e periculum in mora apenas em relação à prescrição. Foram então suspensos os dispositivos que tratavam do prazo prescricional e da prescrição intercorrente, enquanto os demais pedidos foram indeferidos.

Em 16/5/24, Moraes apresentou voto no plenário declarando a nulidade parcial, com redução de texto, do art. 23, § 5º, para excluir a expressão que previa a redução do prazo pela metade. O objetivo era evitar que, após a interrupção, o prazo de oito anos fosse reduzido a quatro. O julgamento, no entanto, foi interrompido por pedidos de vista dos ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin.

Por fim, em 23/9/25, diante da notícia de que mais de oito mil ações de improbidade poderiam prescrever em questão de semanas, o relator complementou de ofício a medida cautelar. Reiterou que o regime da prescrição intercorrente comprometia a efetividade da lei e suspendeu novamente a eficácia da expressão que reduzia o prazo.

As decisões do relator apoiaram-se em alguns fundamentos centrais. 

Destacou-se a plausibilidade da tese de que a redução do prazo fragilizava a proteção constitucional da probidade (art. 37, caput e § 4º, da CF). Ressaltou-se ainda o risco concreto de extinção em massa de processos em andamento, a incompatibilidade do prazo reduzido com a complexidade das ações de improbidade - que exigem ampla instrução probatória e contraditório - e a coerência da medida com precedentes do STF, como o ARE 843.989-RG, que reconheceu a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário por atos dolosos.

Embora correta ao identificar o perigo de prescrição generalizada, a medida cautelar pode ser criticada por seu caráter prematuro. A suspensão imediata do § 5º, desde 2022, eliminou de pronto a eficácia da norma, sem cogitar alternativas como a modulação de efeitos a partir de casos concretos de prescrição. Uma solução intermediária teria permitido preservar, ao menos em parte, o intento legislativo de dar maior celeridade ao processo.

Por outro lado, as complementações de 2024 e 2025 revelam a atenção do STF à realidade prática do Judiciário. Dados apresentados pelos Ministérios Públicos estaduais mostravam que a aplicação da regra acarretaria a prescrição de milhares de ações. A atuação da Corte, nesse contexto, ilustra sua função de guardiã da efetividade constitucional, ajustando o texto legal para compatibilizá-lo com o princípio republicano e a moralidade administrativa. 

Não obstante, no plano de uma tutela cautelar, a liminar deferida apresenta um problema grave, qual seja, esvazia o plenário de sua competência jurisdicional. Com efeito, ao outorgar a tutela antes do transcurso do lapso temporal necessário a uma eventual consumação de prescrição, o relator impede de fato a incidência da norma impugnada e esvazia o objeto da lide principal, Nesse sentido, bastaria deferir a liminar um dia após a consumação do prazo previsto em lei e posteriormente levar o assunto ao crivo do plenário. 

A trajetória da ADIn 7.236/DF revela como o Supremo interveio progressivamente, entre 2022 e 2025, para afastar os efeitos da disciplina prescricional introduzida pela lei 14.230/21. O foco foi o art. 23, § 5º, cuja previsão de redução do prazo, após a interrupção, poderia extinguir prematuramente milhares de ações de improbidade.

O argumento mais sólido para a intervenção reside no risco de prescrição sem inércia da parte autora. Em processos longos e complexos, a pretensão sancionatória poderia ser fulminada mesmo com atuação diligente do Ministério Público ou da entidade pública legitimada, em afronta à própria lógica da prescrição no direito brasileiro, que sempre esteve associada à inatividade processual.

Ainda assim, seria possível contemplar soluções menos drásticas, como condicionar a redução do prazo à comprovação da inércia do autor, preservando a vontade legislativa de conferir celeridade ao processo. A decisão do Supremo, de cunho monocrático, ao suspender dispositivo legal que depende de transcurso de lapso temporal específico, abre margem a críticas quanto a uma possível ingerência na conformação normativa de forma prematura, porque a eficácia desse dispositivo ainda dependeria de implementação de suporte fático. 

Em última análise, a medida cautelar na ADIn 7.236 evidencia o dilema clássico do controle de constitucionalidade: proteger a probidade administrativa e assegurar a efetividade do sistema de responsabilização, mas ao custo de tensionar a autonomia legislativa e a separação de poderes. Nesse contexto, não se pode conceder uma liminar que esvazie o conteúdo da própria ação direta de inconstitucionalidade, retirando do plenário sua competência decisória.

Fábio Medina Osório
Advogado sócio do Medina Osório Advogados. Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri, Espanha. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ex-Ministro da Advocacia-Geral da União. Presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo Sancionador da OAB. Presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE).

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