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Atos diferenciados no procedimento comum e os procedimentos especiais

O presente texto estuda a diferenciação de atos no procedimento comum como uma adaptabilidade interna e não como um procedimento especial em si.

2/10/2025

O procedimento comum deve regulamentar um padrão da marcha processual, uma base para que a jurisdição seja exercida e possa dialogar, servindo de base, para a maioria dos direitos materiais, como preconiza o art. 318 do CPC.

Para isso, o próprio CPC se desdobra em diversos pontos procedimentais para esse andamento padrão, como a divisão já vista em fases para o procedimento comum na atuação do juízo de primeiro grau: (i) postulatória; (ii) ordinatória; (iii) instrutória; (iv) decisória.

Essa é a base para a padronização.

No entanto, o procedimento comum também regulamenta uma série de diferenciações dentro do procedimento comum, com adaptabilidade para determinadas situações, contudo sem deixar de ser um procedimento comum.

Quando há necessidade de um ato específico que contempla um direito material ou certa situação, o procedimento comum pode criar uma diferenciação processual, um ato específico diferente que contempla uma situação igualmente específica, sem ser geral, justamente para adequar a padronização uma especificidade material ou de outra ordem que somente necessite de um ato, não de um procedimento inteiro especial.

Se o procedimento especial é aquele que altera o procedimento para adequar a tutela a determinado direito, principalmente material, a diferenciação é um ponto abaixo numa relação com o próprio direito ou situação específica que precisa de um ato igualmente específico, não de um procedimento especial inteiro e, com isso, utiliza-se da padronização e neutralidade do procedimento comum, mas com ato específico que abranja aquele direito e resolva a especialidade de modo simples, sem retirar do procedimento comum, muito menos construir um procedimento especial.

É uma alteração procedimental mínima no procedimento comum para que não necessite de outro procedimento especial1.

Por exemplo, as intervenções de terceiros são um “fenômeno processual (…) quando alguém ingressa, como parte ou coadjuvante da parte, em processo pendente entre outras partes2 3.” O ordenamento regulamenta diversas destas entradas, de maneira geral ou específica, e é pertinente o enfrentamento sobre as diferenças.

Quando regula a assistência4, o CPC descreve um instituto processual em que pode ocorrer um ingresso de terceiro - pelo autor ou pelo réu - em situações gerais, em qualquer direito material, sem uma especificidade de ação, desde que haja uma relação simples ou litisconsorcial daquele que deseja ingressar.

Já quando regula a denunciação da lide, há uma especificidade de um ingresso de terceiro que detém, no mundo do direito material, uma obrigação de garantia5 sobre o objeto litigioso da demanda principal. Logo, é uma especificidade do procedimento comum para adequar a possibilidade de ingresso de terceiro para uma situação material específica, sem amplitude para qualquer terceiro, tampouco para qualquer direito material, somente quando há garantia na relação terceiro - réu originária.

Outro exemplo é a regulação do chamamento ao processo, um ingresso somente possível quando o direito material discutido detém solidariedade entre o réu e o chamado ao processo, uma relação de coobrigação material6.

Não é uma intervenção de terceiros ampla, mas um atendimento ao uma especificidade do direito material, a qual com o chamamento ao processo soluciona, diferenciando um ato específico no procedimento comum, sem alterar o procedimento em si, com um ponto mínimo para atender a situação em concreto7.

Dessa maneira, não se pode entender que os atos específicas perfazem um procedimento especial em si, somente uma adequação mínima do procedimento comum para a atender um ou alguns atos processuais para aquela situação, seguindo o procedimento comum para todo o resto.

A diferença entre a diferenciação de atos no procedimento comum para um procedimento especial é tanta que diversos procedimentos especiais foram extintos por sua própria desnecessidade, quando a inclusão de um ato específico no procedimento comum.

São vários os exemplos de atos diferenciados - frutos da diferenciação – para o procedimento comum que o próprio atual CPC tornou desnecessários procedimentos especiais que anteriormente existiam: a tutela provisória de urgência do art. 311, III do CPC e antiga ação de depósito8; a formação de litisconsórcio necessário e publicação de edital para usucapião de terras particulares9; a competência específica na ação de nunciação de obra nova10.

Além destas situações trazidas para o procedimento comum que significaram procedimentos especiais extintos, outras diferenciações existem no procedimento comum para determinada situação, como as reguladas pelo art. 73 do CPC11 quando fala sobre a outorga uxória e determinadas ações de direito real imobiliário (caput) e a sua utilização quando a situação for de união estável (§ 3º). Ou o art. 259, II do CPC que estipula a rega da citação por edital para a ação de recuperação ou substituição de título ao portador. Ou as especificações dos valores da causa nos incisos do art. 292 do CPC12.

Diante disso, o legislador deve enfrentar a questão sobre o tamanho da especialidade, com a criação de procedimento especial que seja realmente necessário13, com atos que moldem a jurisdição de modo a adequá-la ao direito material ou a buscar claramente uma celeridade - ou outro motivo - que torne uma melhoria para a tutela jurisdicional.

Caso contrário, é melhor inserir um ato diferenciado no procedimento comum e manter a ação (e o direito material) na preferibilidade do procedimento comum.

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1 “Trata-se de solução mais racional que a criação de diversos procedimentos especiais, sobretudo nos casos em que esses apresentam modificações pequenas em relação ao procedimento comum. Evitam-se, assim, diversos problemas teóricose práticos, como, por exemplo, dúvidas em torno da subsidiariedade do regime do procedimento comum, quanto ao regime de cumulabilidade de pedidos etc.” SICA, Heitor Vitor Mendonça Fralino. Novas reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais. São Paulo: GEN Jurídico. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/04/26/novas-reflexoes-em-torno-da-teoria-geral-dos-procedimentos-especiais/.

2 THEODORO JR., Humberto. Intervenção de terceiros. Revista Do Tribunal Regional Federal Da 3ª Região. 27(128), 89–108, 2016. p. 89. Disponível em: https://revista.trf3.jus.br/index.php/rtrf3/article/view/317

3 No mesmo sentido: MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1974, v. I, n. 236, p. 262.

4 "A assistência quando o terceiro, na pendência de uma causa entre outras pessoas, tendo interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma das partes, intervém no processo para prestar-lhe colaboração.” THEODORO JR., Humberto. Intervenção de terceiros. Revista Do Tribunal Regional Federal Da 3ª Região. 27(128), 89–108, 2016. p. 90. Disponível em: https://revista.trf3.jus.br/index.php/rtrf3/article/view/317

5 “A denunciação da lide consiste em chamar o terceiro (denunciado), que mantém um vínculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio jurídico, caso o denunciante saia vencido no processo.” THEODORO JR., Humberto. Intervenção de terceiros. Revista Do Tribunal Regional Federal Da 3ª Região. 27(128), 89–108, 2016. p. 97. Disponível em: https://revista.trf3.jus.br/index.php/rtrf3/article/view/317

6 “favorecer o devedor que está sendo acionado, porque amplia a demanda, para permitir a condenação também dos demais devedores, além de lhe fornecer, no mesmo processo, título executivo judicial para cobrar deles aquilo que pagar.” BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. v. I, n. 434, Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 265.

7 “(ii) normas que permitem a denunciação da lide nas situações de direito material previstas no art. 125, I e II e o chamamento ao processo aludidas no art. 130, I a III;”SICA, Heitor Vitor Mendonça Fralino. Novas reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais. São Paulo: GEN Jurídico. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/04/26/novas-reflexoes-em-torno-da-teoria-geral-dos-procedimentos-especiais/.

8 “A principal peculiaridade do procedimento especial da ação de depósito era a permissão para que o órgão julgador concedesse uma tutela satisfativa provisória, determinando a entrega da coisa (art. 902, 1, CPC-1973). A ação de depósito era uma espécie de ação monitória. O CPC-2015 incluiu expressamente a possibilidade de concessão de tutela provisória de evidência, no mesmo caso antes previsto para a antiga ação de depósito (are. 311, III, CPC).” DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; CABRAL, Antonio do Passo. Por uma nova teoria dos procedimentos especiais. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 53.

9 “A formação do litisconsórcio necessário e a publicação do edital permanecem, no CPC-2015, como regras peculiares do procedimento comum para reconhecimento da usucapião de imóvel (arts, 246, $3º, e 259, 1, CPC).” DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; CABRAL, Antonio do Passo. Por uma nova teoria dos procedimentos especiais. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 52

10 CPC. Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa. § 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova.

11 CPC. Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens. § 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação: I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens; II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles; III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família; IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges. § 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado. § 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.

12 CPC. Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal.

13 Sica enfrenta bem essa questão sobre a necessidade do procedimento especial e compara com o CPC colombiano, como ele somente regula disposições especiais ao procedimento comum, sem ter procedimentos especiais em si. Um claro ponto sobre a diferenciação inserta ao procedimento comum: “Isso significa que o CPC colombiano preferiu estabelecer, para esses numerosos casos, normas especiais para diferenciar os procedimentos comuns, em atenção à natureza do direito material controvertido, em vez de criar procedimentos especiais. Daí porque a doutrina distingue o proceso ordinário dos procesos ordinario con disposiciones especiales, e o proceso abreviado dos procesos abreviados con disposiciones especiales.” SICA, Heitor Vitor Mendonça Fralino. Novas reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais. São Paulo: GEN Jurídico. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/04/26/novas-reflexoes-em-torno-da-teoria-geral-dos-procedimentos-especiais/.

Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.

Marcos Paulo Pereira Gomes
Advogado Doutorando em Direito Processual Civil - UNESA/RJ Mestre em direito pela Unimar/SP Professor de Direito Processual Civil.. Membro da ANNEP, IBDP, ABDPRO e CEAPRO.

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