O crime de estelionato, previsto no art. 171 do CP brasileiro, sempre ocupou uma posição de destaque no cenário jurídico. Baseia-se na lógica de cálculo entre risco e recompensa, tendo como atrativo o lucro fácil.
Após a pandemia de covid-19, esse tipo de crime apresentou um aumento expressivo, impulsionado principalmente pelo crescimento do uso de novas tecnologias e plataformas digitais. Essa transformação não apenas ampliou o alcance das fraudes, mas também permitiu com que os criminosos se escondessem por trás das telas de computadores e celulares. Isto, claro, encoraja o estelionatário, dificulta sua identificação e, consequentemente, o enfrentamento desse tipo de criminalidade.
Sem dúvida alguma, referido cenário criminal agravou a vulnerabilidade das vítimas e reforçou a necessidade de um fortalecimento das estratégias de combate ao estelionato na era digital. Não à toa a percepção é de que o crime de estelionato “compensa”.
Fato é que o criminoso obtém vantagem ilegal significativa por meio da fraude e, diante da morosidade processual, da dificuldade investigativa e da pena relativamente branda usualmente aplicada, assume uma responsabilidade penal desproporcionalmente baixa em comparação ao potencial ganho.
É neste contexto e, em boa hora, que surge o PL 898/24. Aprovado pela Comissão de Segurança Pública do Senado em maio do presente ano, referido PL busca conter a crescente ocorrência de fraudes e golpes, sobretudo na modalidade digital, mediante o endurecimento das sanções aplicáveis ao crime de estelionato.
A proposta altera o CP para elevar a pena mínima do crime de um para dois nos de reclusão, mantendo-se, contudo, a pena máxima em 5 anos. Além disso, tal mudança tem como consequência a vedação de benefícios como suspensão condicional do processo (instituto que hoje, em muitos casos, é aplicado como forma de evitar a persecução penal prolongada em delitos de menor potencial ofensivo) e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos casos em que a pena ultrapassar quatro anos.
A justificativa do PL fundamenta-se no aumento significativo dos casos de estelionato nos anos de 2018 a 2022, período em que, segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, registrou-se um crescimento de 326% em razão da pandemia e do aumento da utilização da tecnologia. A iniciativa legislativa parte do pressuposto de que a pena atual, reflete o referido ilícito como um crime menor e, por via de consequência, favorece o crime e sua reincidência.
Fato é que, não raras vezes, os estelionatários costumam agir com sofisticação e planejamento. Avaliam riscos e benefícios, de modo que as penas brandas são encaradas como “custos operacionais aceitáveis” frente aos lucros obtidos com as fraudes. Na legislação atual, não é incomum que a pena resulte apenas em acordos, medidas alternativas, regimes abertos ou até mesmo na suspensão do processo.
O legislador, ao reconhecer essa vulnerabilidade, pretende dar um recado claro de intolerância estatal contra o crime de estelionato. A vedação à suspensão condicional do processo, por exemplo, reforça a ideia de que o estelionato não deve ser banalizado como crime de menor relevância.
Assim, apesar de ainda muito tímida, o PL 898/24 representa evolução e uma tentativa de reverter o quadro atual ao aumentar a gravidade da sanção e reduzir a possibilidade de atalhos legais que permitam que criminosos escapem de consequências mais severas.
Ao restringir o acesso aos benefícios penais, o projeto atua contra a lógica do lucro fácil e de que o crime compensa. Além disso, dialoga com o cenário atual da criminalidade, especialmente digital, em que os golpes atingem milhares pessoas em questão de segundos, além de causar prejuízos irreparáveis.
Não obstante, é necessário ponderar que o aumento da pena mínima, por si só, não é capaz de reverter a lógica de que o crime é vantajoso. De nada adianta duplicar a pena se os inquéritos policiais não são instruídos com provas sólidas, se os responsáveis não chegam a ser condenados ou se os processos se arrastam por anos até prescreverem.
Penas mais duras não garantem, por si só, a diminuição da criminalidade, pois a eficácia depende da eficiência do sistema policial e judicial. Penas brandas, lucro fácil, aliados à certeza da impunidade, encorajam e tornam atrativos os “custos operacionais” da fraude.
Portanto, o PL 898/24 representa avanço e importante iniciativa para o enfrentamento do crime de estelionato ao elevar a responsabilidade penal e restringir benefícios que atualmente dão a sensação de impunidade.
No entanto, para que tais medidas tenham efetivo impacto na redução da criminalidade, é imprescindível que o aumento das sanções caminhe lado a lado com melhorias na eficiência do sistema policial e judicial. Somente assim será possível alterar a lógica de que o crime compensa, ao promover uma resposta estatal mais resoluta, justa e eficaz frente às fraudes e golpes que assolam nossa sociedade.
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Bibliografia
BRASIL. Código Penal, Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 898, de 2024. Justificativa e tramitação. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/162729
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Relatório sobre fraudes eletrônicas (2018–2022).
ZAFFARONI, E. Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro.