1. A nova fronteira da execução: O Judiciário diante dos criptoativos
Quem atua com cobrança judicial sabe: encontrar bens de devedores é, muitas vezes, uma caçada inglória. Por mais sofisticadas que sejam as ferramentas disponíveis, a execução civil brasileira ainda esbarra na criatividade daqueles que fazem da inadimplência uma estratégia. De carros em nome de terceiros a empresas fantasmas, o arsenal de manobras para ocultar patrimônio é vasto. E, nos últimos anos, ganhou um novo aliado: os criptoativos.
O crescimento das criptomoedas trouxe um novo desafio para juízes, advogados e servidores da Justiça. Ativos digitais que não passam por bancos, não estão vinculados a instituições financeiras tradicionais e podem ser movimentados anonimamente em poucos cliques tornaram-se o refúgio preferido de quem deseja escapar das penhoras.
Diante dessa realidade, o CNJ lançou, em 2025, uma ferramenta inédita: o CriptoJud, sistema que promete permitir a consulta e o bloqueio on-line de criptoativos registrados em exchanges nacionais. A proposta é simples, mas ambiciosa: dar ao Judiciário a mesma capacidade de rastrear bitcoins e outros ativos digitais que já possui em relação a contas bancárias e investimentos tradicionais.
O movimento sinaliza uma nova etapa na execução civil brasileira. Depois de modernizar a busca por dinheiro, veículos e imóveis, o Judiciário agora tenta alcançar o patrimônio que existe apenas no universo digital. O desafio, contudo, é imenso: como equilibrar inovação tecnológica, segurança jurídica e garantias individuais em um ambiente descentralizado por natureza?
Mais do que uma questão técnica, o bloqueio de criptoativos inaugura uma discussão ética e institucional sobre o alcance do poder estatal na era das finanças digitais. Afinal, até onde o Judiciário pode ir para tornar a execução efetiva sem violar o próprio princípio de proporcionalidade?
2. O velho problema da execução: Localizar o que não aparece
A execução civil brasileira vive um paradoxo conhecido: o credor tem razão, mas não leva. Em grande parte dos casos, o processo chega ao fim sem a satisfação do crédito, não porque falte título, prova ou sentença, mas porque o patrimônio simplesmente “desaparece”.
Esse sumiço, é claro, raramente é acidental. Devedores contumazes conhecem as brechas do sistema e exploram suas lentidões. Transferem bens para familiares, criam pessoas jurídicas de fachada, movimentam recursos em contas de terceiros e, agora, convertem valores em ativos digitais que não se enquadram nas estruturas tradicionais de controle financeiro. O resultado é uma execução frustrada, que significa uma espécie de vitória formal, mas derrota prática.
Durante anos, o Judiciário buscou meios de reagir. O BacenJud foi o primeiro grande avanço: permitiu, pela via eletrônica, o bloqueio imediato de valores em contas bancárias. Depois veio o Sisbajud, mais moderno, integrado e veloz. Em paralelo, outros sistemas, tais quais o Renajud, Infojud, Serasajud tornaram possível cruzar informações sobre veículos, imóveis, vínculos fiscais e até participações societárias.
Essas ferramentas trouxeram resultados palpáveis: execuções mais céleres, maior transparência e um padrão de eficiência que, há vinte anos, pareceria ficção. Mas o progresso tem um limite evidente: todos esses sistemas dependem de registros formais, centralizados e de ativos tangíveis.
E é justamente aí que o problema reaparece, ou melhor, desaparece de vez. Criptoativos não têm registro no Banco Central, não transitam pelo sistema bancário, não têm agência, gerente ou código de conta. São bens intangíveis, descentralizados e globalizados. A rigor, um bitcoin pode “existir” em qualquer parte do mundo e, ao mesmo tempo, em parte alguma.
Essa nova camada de invisibilidade patrimonial coloca a execução civil diante de um desafio inédito. A Justiça, que sempre dependeu de rastros formais como números de conta, CPF e CNPJ, agora precisa aprender a lidar com um universo de endereços digitais e carteiras virtuais, muitas vezes protegidos por senhas e chaves criptográficas que nenhum oficial de justiça conseguiria apreender.
Mais do que um problema de tecnologia, trata-se de uma questão de efetividade jurisdicional. De que adianta uma sentença justa, se o Estado não consegue fazê-la valer? A incapacidade de localizar bens corrói a credibilidade do sistema judicial e alimenta a percepção de que “quem deve, manda”.
É nesse contexto que o surgimento do CriptoJud se torna mais do que uma inovação: representa uma resposta institucional a um novo tipo de invisibilidade econômica.
3. Criptoativos e a penhora: O dilema jurídico
Antes de pensar em bloquear bitcoins ou outras criptomoedas, é preciso responder a uma pergunta básica: afinal, o que exatamente se está bloqueando?
A resposta não é simples nem consensual. No Brasil, e em praticamente todo o mundo, a natureza jurídica das criptomoedas ainda é objeto de intenso debate. Parte da doutrina as trata como ativos financeiros, dada a sua função de reserva de valor e volatilidade de mercado. Outros autores as encaram como moedas virtuais, ainda que sem curso forçado, por serem utilizadas como meio de pagamento em transações privadas. Há ainda quem sustente tratar-se de bens digitais imateriais, uma categoria híbrida que desafia os enquadramentos clássicos do Direito Civil.
Essa falta de definição repercute diretamente na execução. Se a criptomoeda é dinheiro, aplica-se a regra da penhora prioritária do art. 835, I, do CPC. Se é ativo financeiro, a competência seria da CVM e o bloqueio dependeria da colaboração das corretoras. Se for apenas um bem digital, talvez deva ser penhorado como qualquer outro ativo incorpóreo, sujeito à avaliação e posterior alienação.
A doutrina tem tentado preencher esse vazio. O estudo de Flumignan, Vasconcelos Filho e Cruz, publicado na Civil Procedure Review (2022), aponta justamente essa lacuna: embora os criptoativos representem valor econômico real, a ausência de uma tipificação legal clara dificulta sua constrição judicial. Os autores defendem que, sendo bens com conteúdo patrimonial, não há razão para excluir sua penhorabilidade, devendo o Judiciário interpretar o conceito de “dinheiro” de forma evolutiva, acompanhando as novas formas de valor na era digital.
A jurisprudência começa a se mover nesse sentido. Em abril de 2025, a 3ª turma do STJ reconheceu a possibilidade de o juiz expedir ofícios a corretoras de criptomoedas para identificar e penhorar valores pertencentes ao devedor, desde que haja indícios concretos de sua posse. A decisão, noticiada pelo próprio STJ, representou um marco simbólico: pela primeira vez, o tribunal superior admitiu expressamente a penhora de criptoativos, ainda que por meio de ofícios tradicionais e não via sistema automatizado.
O entendimento abre caminho para uma nova prática forense. Com base nele, juízes de primeira instância passaram a autorizar bloqueios pontuais junto a exchanges registradas no país, algo que, até pouco tempo, parecia impraticável. Mas o avanço ainda é fragmentado: cada magistrado, cada vara e cada tribunal têm adotado estratégias diferentes, ora deferindo, ora negando pedidos, diante da ausência de padronização técnica e normativa.
Essa multiplicidade de interpretações cria um cenário de insegurança, tanto para credores quanto para o próprio sistema judicial. Afinal, a execução moderna depende de previsibilidade e interoperabilidade. O que o CriptoJud promete, e o que muitos esperam, é justamente a superação dessa fragmentação, oferecendo uma via única e oficial para a pesquisa e bloqueio de criptoativos no país.
4. O papel da tecnologia na busca patrimonial
Nos últimos vinte anos, o Poder Judiciário brasileiro viveu uma transformação silenciosa, mas profunda. A execução, antes dominada por ofícios em papel e diligências manuais, tornou-se um campo de inovação tecnológica. A revolução começou em 2001, com o BacenJud, sistema que permitiu, pela primeira vez, o bloqueio eletrônico de valores em contas bancárias. Para muitos credores, foi como acender a luz em um quarto escuro.
O impacto foi imediato: a penhora deixou de depender de ofícios demorados e passou a acontecer em tempo real. O sucesso do BacenJud inspirou novas iniciativas, como o Renajud, para veículos; o Infojud, para dados fiscais; o Serasajud, para informações de crédito; e, mais recentemente, o Sisbajud, que substituiu o antigo sistema bancário eletrônico por uma plataforma muito mais ampla e eficiente.
O Sisbajud marcou um salto qualitativo. Além de acelerar ordens de bloqueio, trouxe a funcionalidade de reiteração automática, permitindo que o juiz mantivesse a busca por valores até alcançar o montante devido. Foi um avanço tecnológico e, ao mesmo tempo, simbólico: o Judiciário deixava de ser um mero espectador do sistema financeiro e passava a interagir com ele de forma direta e inteligente.
Mas a tecnologia tem limites, e o Sisbajud logo encontrou o seu. O sistema foi criado para dialogar com bancos e instituições financeiras reguladas pelo Banco Central. Só que o dinheiro migrou. Parte expressiva do patrimônio de indivíduos e empresas passou a circular em plataformas descentralizadas, sem a mediação das instituições tradicionais. O resultado foi um novo tipo de “invisibilidade patrimonial”, inacessível às ferramentas de rastreamento existentes.
É justamente para preencher esse vácuo que surge o CriptoJud, lançado pelo CNJ em 2025. Inspirado na lógica dos convênios eletrônicos anteriores, o novo sistema promete permitir ao magistrado consultar e bloquear criptoativos em exchanges nacionais, por meio de requisições automáticas e seguras.
De acordo com o próprio CNJ, o CriptoJud foi desenvolvido em cooperação com a Receita Federal, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários, visando integrar informações sobre usuários e movimentações de ativos digitais registrados em corretoras credenciadas. Em outras palavras, o sistema não “invade” carteiras privadas, mas atua dentro do ambiente regulado, onde há CPF, CNPJ e rastreabilidade mínima.
A proposta é pragmática e revela uma mudança de mentalidade. Em vez de resistir à complexidade tecnológica, o Judiciário começa a se adaptar a ela. Se o devedor se sofisticou, o Estado precisa acompanhar.
5. CriptoJud: Promessa de eficiência ou novo desafio?
O CriptoJud chega como a mais nova ferramenta do ecossistema digital da Justiça brasileira e, ao mesmo tempo, como uma aposta ousada. Anunciado oficialmente pelo CNJ em 2025, o sistema pretende fazer com os criptoativos o que o Sisbajud fez com as contas bancárias: permitir a consulta e o bloqueio on-line de bens do devedor de forma rápida, segura e integrada.
Na prática, o CriptoJud atua em parceria com exchanges de criptomoedas registradas na Receita Federal e autorizadas a operar no Brasil, funcionando como um canal institucional de comunicação entre o Judiciário e essas plataformas. Com um simples comando judicial, será possível consultar se determinado CPF ou CNPJ possui saldo em criptoativos em alguma das corretoras participantes e, se houver valores, determinar seu bloqueio imediato.
O CNJ explica que o sistema foi desenvolvido em cooperação com a Receita Federal, o Banco Central e a CVM, e que todas as transações seguirão protocolos rígidos de segurança e sigilo. O objetivo, segundo o órgão, é garantir a efetividade das execuções sem invadir a privacidade de carteiras privadas, restringindo a atuação às empresas que operam sob regulação estatal.
Na teoria, o modelo é promissor. As primeiras decisões judiciais noticiadas pelo Direito News já demonstram o uso experimental da ferramenta em casos concretos, sobretudo em execuções fiscais e cíveis. Juízes de diferentes regiões têm solicitado o bloqueio de bitcoins e outras criptomoedas em corretoras nacionais, inaugurando uma nova prática no contencioso brasileiro.
Mas a empolgação vem acompanhada de cautela. O próprio CNJ admite que o CriptoJud está em fase inicial de implementação, ainda restrita a alguns tribunais e com número limitado de instituições integradas. Além disso, o sistema não alcança carteiras descentralizadas ou estrangeiras, que continuam fora do radar judicial.
Em outras palavras: o CriptoJud não é uma varinha mágica. Ele representa um passo relevante rumo à modernização da execução, mas ainda está longe de resolver o problema estrutural da invisibilidade patrimonial. O Judiciário começa a caminhar por um terreno que, até pouco tempo atrás, era dominado apenas por programadores e investidores anônimos.
O desafio será duplo. De um lado, garantir que a tecnologia funcione de forma confiável e padronizada; de outro, preservar as garantias processuais e os limites da jurisdição. Um bloqueio mal direcionado pode atingir valores de terceiros, travar operações legítimas e gerar danos econômicos significativos. Daí a importância de combinar inovação com prudência.
O CriptoJud, portanto, é tanto um símbolo quanto um teste: um símbolo do Judiciário que busca acompanhar a era digital, e um teste sobre até que ponto é possível aplicar a lógica do controle estatal a um mercado que nasceu justamente para escapar de qualquer controle.
6. Análise crítica: Avanço necessário, cautela indispensável
É inegável que o CriptoJud representa um avanço institucional importante. Em um país onde mais da metade das execuções termina sem êxito, qualquer ferramenta que amplie as chances de satisfação do crédito merece ser saudada. A criação de um canal oficial para a busca e constrição de criptoativos era uma demanda antiga e inevitável.
Mas inovação, no campo do Direito, exige cautela. A pressa em transformar tecnologia em solução pode gerar novos problemas, especialmente quando se trata de ativos tão complexos e voláteis quanto as criptomoedas.
O primeiro ponto de atenção é jurídico. Ainda que o STJ tenha admitido, em decisão recente, a possibilidade de penhora de criptomoedas por meio de ofícios a corretoras, não há lei específica disciplinando o procedimento. O que existe é uma analogia forçada com a penhora de dinheiro, o que funciona, mas apenas até certo ponto. Sem regras claras, há risco de decisões divergentes, bloqueios excessivos ou violação de garantias como o contraditório e o devido processo legal.
O segundo desafio é técnico. Diferente de uma conta bancária, um criptoativo não está “depositado” em uma instituição. Ele está registrado em uma blockchain pública, acessível por meio de chaves criptográficas. Quando o Judiciário determina o bloqueio, na verdade, depende da colaboração da exchange, cuja representa uma intermediária que pode ou não deter a custódia das moedas. Se o devedor transferiu seus ativos para uma carteira privada, fora da plataforma, o bloqueio se torna impossível.
Há, ainda, um terceiro aspecto: a segurança e a proporcionalidade. O bloqueio de criptoativos deve ser feito com o mesmo cuidado dispensado a qualquer constrição patrimonial. É preciso garantir que a ordem recaia sobre valores efetivamente pertencentes ao devedor, e não sobre terceiros. O traço de anonimato das transações digitais torna essa verificação especialmente delicada.
Além disso, há o risco de entusiasmo desmedido. O uso de sistemas automatizados pode criar a falsa sensação de onipotência tecnológica, como a crença de que basta apertar um botão para resolver o problema da inadimplência. Mas execução é, antes de tudo, uma questão de estratégia processual e de equilíbrio entre força estatal e direitos individuais.
A tecnologia, por si só, não substitui o discernimento jurídico. O CriptoJud é uma ferramenta, não um atalho. Sua eficácia dependerá da forma como juízes, servidores e advogados a utilizarem e, principalmente, da maturidade institucional para evitar que a busca pela eficiência se transforme em violação de garantias.
Por outro lado, ignorar o fenômeno seria um erro ainda maior. O mercado de criptoativos movimenta bilhões e já integra o cotidiano financeiro de empresas e cidadãos. Fingir que ele não existe é condenar o processo de execução à obsolescência.
O desafio, portanto, é encontrar o ponto de equilíbrio: usar a tecnologia como instrumento de efetividade, sem que ela se sobreponha aos fundamentos do Estado de Direito.
7. Caminhos e recomendações
O CriptoJud é um marco, mas ainda está em construção. O sucesso dessa ferramenta, e de qualquer inovação no âmbito da execução, dependerá da capacidade do Judiciário e dos operadores do Direito de estabelecer regras claras, práticas seguras e uma cultura institucional de responsabilidade digital.
O primeiro passo é normativo. O Congresso e o CNJ precisam avançar na regulamentação do tema, definindo parâmetros específicos para a penhora de criptoativos. Questões como a ordem de preferência na constrição, o momento de conversão em moeda fiduciária e a responsabilidade das corretoras pela guarda dos valores bloqueados merecem tratamento expresso. Uma legislação detalhada traria segurança jurídica tanto para credores quanto para os próprios magistrados.
Em paralelo, é indispensável padronizar os procedimentos. Assim como o Sisbajud consolidou uma rotina uniforme de bloqueio bancário, o CriptoJud precisa de protocolos técnicos que orientem juízes, oficiais e advogados. Isso inclui modelos de decisão, critérios de proporcionalidade e mecanismos de auditoria que evitem abusos ou duplicidades.
Outro ponto crucial é a capacitação. O universo dos criptoativos é repleto de termos técnicos, siglas e conceitos que não fazem parte do repertório jurídico tradicional. Juízes e servidores precisam entender o básico sobre blockchain, custódia e carteiras digitais para que possam decidir com segurança e eficiência.
Da mesma forma, advogados devem se familiarizar com essas dinâmicas para propor medidas executivas mais eficazes.
Além disso, é essencial fortalecer a cooperação institucional. O CriptoJud só será plenamente efetivo se contar com o engajamento das exchanges nacionais, da Receita Federal, do Banco Central e da CVM. Essa articulação é o que permitirá rastrear e congelar ativos dentro do ambiente regulado, respeitando os limites legais e as garantias de sigilo financeiro.
Por fim, não se pode perder de vista o princípio da proporcionalidade. Bloquear criptoativos pode afetar investimentos legítimos, impactar negócios e, em alguns casos, inviabilizar operações empresariais. O poder de constrição patrimonial deve ser exercido com parcimônia, sob pena de transformar a inovação em instrumento de arbitrariedade.
O avanço tecnológico é inevitável. O que o Judiciário precisa decidir é como vai utilizá-lo, se com prudência e estratégia, ou com precipitação e deslumbramento. A história mostra que sistemas como o BacenJud e o Sisbajud só se consolidaram porque foram implementados com planejamento, ajustes graduais e diálogo com a comunidade jurídica. O mesmo caminho deve ser seguido agora.
Em síntese, o CriptoJud pode ser a chave para uma nova era de efetividade na execução civil, desde que seja acompanhado por um ecossistema normativo, técnico e ético à sua altura.
8. Conclusão: A execução na era digital
A execução civil sempre foi o elo mais frágil da Justiça brasileira. Sentenças justas perdem força quando não se convertem em resultado concreto, e a sensação de impunidade econômica mina a credibilidade do sistema. Nesse cenário, o CriptoJud surge como um sinal de maturidade institucional: o reconhecimento de que a tecnologia pode ser aliada da efetividade judicial.
Mais do que uma ferramenta de bloqueio, o CriptoJud representa uma mudança de mentalidade. O Judiciário começa a enxergar o universo digital não como uma ameaça, mas como parte inevitável da realidade patrimonial contemporânea. Criptoativos deixaram de ser uma curiosidade de mercado para se tornarem uma nova fronteira da execução civil.
No entanto, é preciso lembrar que a eficiência não pode atropelar as garantias fundamentais. A pressa em fazer justiça não deve abrir espaço para arbitrariedades. O poder de bloquear bens - especialmente em um ambiente descentralizado e tecnicamente complexo - exige cautela, transparência e controle.
O futuro da execução judicial depende de um equilíbrio delicado: combinar inovação tecnológica com prudência jurídica. Se bem utilizado, o CriptoJud tem potencial para reduzir o número de execuções frustradas, recuperar créditos e reforçar a confiança do cidadão na Justiça. Mas, se mal conduzido, pode gerar novos conflitos, violações e insegurança.
Em última análise, o desafio não é apenas técnico, mas ético. O Estado, ao penetrar no mundo das finanças digitais, precisa demonstrar que continua guiado pelos mesmos princípios que legitimam sua atuação: legalidade, proporcionalidade e respeito ao devido processo legal.
O CriptoJud inaugura uma nova fase: uma execução digital, mais ágil, mais conectada e, espera-se, mais justa. Resta agora garantir que o entusiasmo da inovação venha acompanhado da serenidade que o Direito sempre exigiu.
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