A EC 132/23 busca simplificar a tributação ao instituir a CBS, de competência federal, e o IBS, compartilhado entre estados e municípios.
Embora a promessa seja de racionalização e redução de custos de conformidade, o processo de regulamentação revelou assimetrias relevantes: enquanto a CBS se apoia na capacidade já consolidada da Receita Federal (infraestrutura tecnológica, experiência com o SPED e diretrizes operacionais em avanço), o IBS depende da efetivação de um Comitê Gestor novo, ainda cercado de incertezas sobre financiamento, controles, estrutura administrativa e fiscalização.
Em um sistema que pretende funcionar de modo integrado, essa maturidade desigual tende a produzir custos e riscos diferentes para contribuintes e entes federativos.
O desenho do Comitê Gestor do IBS concentra as principais controvérsias. O custo projetado e a provável duplicidade de funções frente às fazendas estaduais e às administrações municipais sugerem expansão da máquina pública e empilhamento burocrático.
Some-se a isso um modelo de accountability fragmentado, no qual a análise das contas da presidência não é centralizada, comprometendo a coerência do controle externo, a construção de memória institucional e a padronização de entendimentos sobre licitações, contratos e despesas.
A forma de composição, por sua vez, abre espaço a barganhas e coalizões circunstanciais, com risco de captura por interesses regionais ou de municípios mais organizados, reduzindo a influência dos menores justamente nas decisões que afetarão a repartição de receitas e a fiscalização.
No plano prático, os impactos sobre a autonomia municipal são imediatos e cumulativos. A extinção gradual do ISS entre 2026 e 2032 esvazia, sem contrapartidas claras e juridicamente vinculantes, a principal fonte de receita própria de milhares de cidades, substituindo-a por quotas de um imposto administrado por um órgão central.
A transição do ICMS também ameaça políticas vinculadas a esse tributo - como incentivos ambientais e repartições temáticas - sem que a legislação apresente soluções de continuidade robustas. Em paralelo, a mudança da matriz arrecadatória nacional projeta incertezas sobre o FPM, ampliadas pelo histórico recente de volatilidade em critérios de cálculo e pelas dificuldades operacionais de cenários de transição longos.
A assimetria operacional entre CBS e IBS pode gerar efeitos sistêmicos: atrasos na distribuição de recursos, aumento do custo de conformidade para empresas que terão de lidar com estágios distintos de maturidade tecnológica e, sobretudo, maior dependência financeira de municípios frente a um comitê central.
Em vez de simplificar com previsibilidade, corre-se o risco de trocar complexidade por centralização e opacidade, estimulando a judicialização de lacunas que deveriam ter sido resolvidas no Legislativo. Para evitar esse desfecho, a governança do IBS precisa de desenho mais claro de financiamento e controle, definição de competências sem duplicidades e mecanismos de representação que assegurem voz efetiva aos municípios de menor porte.
A reforma precisa amadurecer em três frentes: governança (controle unificado, custos compatíveis e regras estáveis), transição (cronograma com garantias de compensação temporalmente certas e executáveis) e implementação tecnológica (sistemas capazes de processar, repartir e auditar grandes volumes com segurança).
O debate deve ser inclusivo e técnico, incorporando a diversidade municipal e a realidade do setor produtivo. O foco deve retornar ao contribuinte - o financiador do sistema - e ao papel estratégico do profissional de contabilidade, que deixa de ser mero executor de obrigações acessórias para atuar como consultor de conformidade e planejamento, convertendo a letra da lei em decisões eficientes, seguras e economicamente racionais durante toda a transição.