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Os amortecedores da mudança: Como os novos fundos garantirão a transição da reforma tributária

Quatro fundos estratégicos tornam a reforma tributária segura, justa e capaz de reduzir desigualdades regionais.

11/11/2025

Uma reforma de tamanha magnitude, que redesenha o mapa do poder e a estrutura de arrecadação de um país continental, não poderia ser implementada sem mecanismos de segurança. A transição de um sistema tributário caótico, mas familiar, para um modelo unificado e desconhecido, mexe com interesses econômicos e políticos profundamente arraigados. Para garantir a estabilidade durante a longa transição, mitigar os impactos das profundas mudanças no pacto federativo e assegurar a adesão de todos os atores, a reforma tributária foi equipada com um conjunto de "amortecedores" financeiros: quatro fundos estratégicos, desenhados para honrar compromissos do passado, semear o desenvolvimento futuro e proteger as economias regionais mais sensíveis. Eles são a engenharia financeira que torna a complexa transição politicamente viável e economicamente justa.

A maior fonte de resistência à reforma era o destino dos benefícios fiscais de ICMS concedidos por estados no auge da "guerra fiscal". Muitas empresas fizeram investimentos de longo prazo – construindo fábricas, centros de distribuição e complexos industriais inteiros – baseadas nessas promessas, que foram posteriormente validadas pela LC 160, com validade até 2032. Uma extinção abrupta desses incentivos, que eram a base de muitos planos de negócios, geraria uma onda de insegurança jurídica, perdas econômicas e uma enxurrada de litígios contra os estados.

Para resolver esse impasse, foi criado o Fundo de Compensação dos Benefícios Fiscais. Este é um fundo temporário, financiado integralmente pela União, com um propósito claro: compensar as empresas pela perda gradual de seus incentivos fiscais entre 2029 e 2032. O mecanismo funcionará como uma ponte financeira: à medida que o IBS for sendo implementado e as alíquotas do ICMS reduzidas, o fundo pagará às empresas o valor correspondente ao benefício fiscal perdido, desde que comprovem o cumprimento das condições originais. É uma solução pragmática que garante a segurança jurídica, honra os compromissos assumidos pelos estados (mesmo os controversos) e permite que a transição ocorra sem traumas ou quebras de contrato que poderiam paralisar a economia.

Se o Fundo de Compensação olha para o passado, o FNDR - Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional olha para o futuro. Este é um fundo permanente e o principal instrumento da reforma para combater as desigualdades regionais, um dos objetivos centrais da Constituição. Com o fim da guerra fiscal, os estados menos desenvolvidos perderam sua principal (e muitas vezes única) ferramenta para atrair investimentos. O FNDR surge como a nova política de desenvolvimento, substituindo a competição fiscal por uma estratégia de investimento coordenado.

Financiado com recursos da União, que aportarão valores crescentes até atingirem R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043, ele distribuirá verbas para os estados aplicarem em projetos estratégicos. A grande mudança conceitual está aqui: a política de desenvolvimento deixa de ser baseada na renúncia de receita (benefícios fiscais, muitas vezes com baixo retorno social) e passa a ser fundamentada no investimento direto e na qualidade dos projetos. A autonomia dos estados, como discutido anteriormente, migra para a capacidade de planejar e executar boas políticas públicas com esses recursos, focando em áreas como infraestrutura logística, inovação tecnológica, saneamento e qualificação profissional. O sucesso do FNDR será o termômetro da capacidade do novo federalismo de, efetivamente, reduzir as disparidades no Brasil, transformando a competição predatória em uma busca por excelência em gestão.

A reforma também reconheceu que certas regiões possuem vulnerabilidades únicas que exigem tratamento especial. É o caso da Zona Franca de Manaus e de outras áreas da Amazônia Legal, cujos modelos de desenvolvimento foram construídos sobre pilares tributários específicos que o novo sistema desmontaria. Para garantir a sustentabilidade econômica e ambiental dessas regiões, foram criados dois fundos específicos:

Esses fundos demonstram que, apesar da busca por uma regra nacional unificada, a reforma manteve a flexibilidade para tratar as realidades distintas do Brasil. Eles protegem modelos econômicos consolidados, ao mesmo tempo que incentivam uma transição para um desenvolvimento mais sustentável e alinhado às vocações regionais. Juntos, esses quatro fundos formam a espinha dorsal financeira da transição, garantindo que a complexa mudança de um sistema para outro seja feita com previsibilidade, Justiça e foco no desenvolvimento equilibrado de todo o país.

Renaldo Rodrigues Junior
Advogado, bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Taubaté (2006), com Formação Pedagógica em História (FCE), Licenciado em Filosofia, Sociologia e Letras - Português/Espanhol pela UNICV, Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (CAPES 5), Integrante do Grupo de Pesquisas de Políticas Públicas e Gestão da Educação da Universidade Tuiuti do Paraná, Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR, em Direito Eleitoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, em Direito do Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e Licitações e Contratos Administrativos pela UNIBRASIL. em Direito Público pela Faculdade Legale.

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