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A importância da gestão jurídica estratégica em dívidas bancárias

O crescimento histórico da inadimplência empresarial no Brasil exige nova postura das empresas diante do passivo bancário: Gestão técnica, preventiva e estratégica.

14/11/2025

A inadimplência empresarial no Brasil alcançou patamar histórico. Segundo a Serasa Experian, o número de empresas inadimplentes saltou de cerca de 5,6 milhões em 2018 para 7,7 milhões em 2025, crescimento superior a 35% em sete anos, o que representa aproximadamente um terço de todas as empresas ativas no país. Somadas, essas dívidas ultrapassam R$ 180 bilhões e refletem um cenário de endividamento estrutural que ameaça a continuidade de milhares de negócios.

O que diferencia as empresas que superam crises financeiras daquelas que sucumbem à execução bancária não é, necessariamente, a gravidade da situação inicial, mas a forma como o passivo é administrado. Em muitos casos, o erro começa ao tratar a dívida como simples problema de caixa. A experiência prática mostra que quem busca soluções paliativas ou assessoria não especializada acaba comprometendo alternativas viáveis de reestruturação.

A gestão jurídica estratégica de dívidas bancárias consiste em um conjunto coordenado de medidas negociais, processuais e patrimoniais orientadas por análise detalhada do passivo e da estrutura normativa aplicável. O objetivo é reduzir perdas e viabilizar a recuperação financeira sustentável da empresa. Essa gestão exige atuação preventiva, conhecimento técnico sobre a regulamentação do sistema financeiro e capacidade de coordenar aspectos jurídicos, contábeis e financeiros de forma integrada.

A advocacia tradicional costuma agir de modo reativo, apenas após a citação judicial, quando os prazos são curtos e o espaço de negociação é mínimo. Nesses casos, contratos raramente são revisados, encargos abusivos passam despercebidos e medidas de proteção patrimonial são adotadas tarde demais. Negociações baseadas apenas na incapacidade de pagamento do devedor costumam fracassar, pois ignoram o fator determinante para o credor: o estágio de provisionamento da operação e o custo do litígio.

A gestão estratégica inverte essa lógica. Começa com diagnóstico técnico de todos os contratos, verificação de ilegalidades, classificação por grau de risco, análise das garantias e do fluxo financeiro. Entender o momento contábil da dívida é essencial: operações já provisionadas em até 100% do valor abrem espaço para deságios substanciais. Ações revisionais, embargos e contestação tornam-se instrumentos de pressão legítima, não de mera resistência. Quando a empresa age antes da execução, consegue negociar de forma racional, preservando ativos e reduzindo custos.

Entre as ferramentas negociais, destaca-se o uso de dados de provisionamento previstos nas resoluções CMN 4.966/21 e BCB 352/23, que classificam operações de crédito por estágio de perda esperada. Saber em qual estágio a dívida está permite propor acordos economicamente atrativos para o banco. Finais de trimestre, proximidade de prescrição e aumento do custo judicial são momentos estratégicos de negociação, especialmente com departamentos de recuperação de crédito, que possuem maior poder de decisão.

No campo processual, a ação revisional continua sendo importante para o controle de cláusulas abusivas, conforme a súmula 297 do STJ, que aplica o CDC às instituições financeiras. Nos juros remuneratórios, a súmula 382 do STJ determina que taxas acima de 12% ao ano só são abusivas se destoarem da média de mercado. A capitalização de juros é válida quando há previsão expressa, segundo a súmula 539, e a comissão de permanência é limitada pelas súmulas 472 e 30. A súmula 566 admite apenas a tarifa de cadastro no início do relacionamento bancário, e a súmula 596 do STF afasta a lei de usura das operações financeiras.

Além desses instrumentos, a exceção de pré-executividade merece destaque. Quando há matéria de ordem pública evidente, o executado pode discutir a exigibilidade do título sem garantir o juízo, normalmente sem custas processuais e até com possibilidade de suspensão da cobrança. É uma medida de defesa técnica e econômica, eficaz sobretudo em execuções de grande valor ou situações de constrição desproporcional.

Os embargos à execução, os embargos monitórios e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica também são utilizados de forma estratégica para ganhar tempo e margem de negociação. Em casos de múltiplos credores e viabilidade operacional, a recuperação judicial pode ser o instrumento adequado para reorganizar o passivo e preservar a atividade empresarial.

A gestão patrimonial, por sua vez, pressupõe separação rigorosa entre pessoa física e jurídica, escrituração contábil regular e eventual constituição de holding. Essas medidas simples evitam alegações de confusão patrimonial e fortalecem a posição de defesa do empresário. Também é recomendável revisar fianças e avais, substituindo garantias pessoais por reais limitadas, quando possível.

O papel do advogado especializado vai muito além do litígio. Ele atua como gestor da crise, diagnosticando contratos, calculando valores corretos, avaliando o estágio de provisionamento e coordenando a estratégia jurídica e financeira. O processo judicial é um meio, não um fim. Em grande parte dos casos, uma defesa sólida e tecnicamente fundamentada resulta em acordos mais vantajosos do que a simples negociação direta, porque o credor passa a lidar com risco econômico real.

A gestão jurídica estratégica de dívidas bancárias, portanto, é uma necessidade imposta pelo ambiente financeiro atual. As normas recentes do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central reforçam a exigência de especialização técnica para lidar com a complexidade das operações de crédito. Empresas que tratam suas dívidas como mero problema de fluxo de caixa perdem tempo e patrimônio. O diferencial está na qualidade da estratégia, não no tamanho da dívida. A advocacia bancária especializada, quando compreendida como parte do plano de reestruturação, deixa de ser custo e passa a ser investimento na preservação patrimonial e na continuidade do negócio.

Rodrigo Carvalho Quequin
Advogado atuante na gestão estratégica de dívidas bancárias. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET e com MBA em Gestão Tributária pela ITE/Bauru

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