Durante décadas o ambiente licitatório brasileiro foi marcado pela ideia de antagonismo: de um lado, o Poder Público como fiscal e sancionador e, de outro, o particular como mero fornecedor substituível.
A transição para a lei 14.133, de 2021 demorou longos anos, mas não representou simplesmente uma substituição normativa, mas pelo contrário, a nova legislação inaugurou também um novo paradigma.
A lei 14.133/21 rompe com esse estigma de lados opostos ao estabelecer que o interesse público é atingido mediante a cooperação entre os agentes públicos e privados. A ideia do legislador parece ser retirar a Administração Pública da pecha sancionatória, para demonstrar sua atuação como parceira estratégica de empresas que oferecem soluções eficientes, sustentáveis e inovadoras.
Esse novo modelo privilegia o planejamento, a governança, a gestão de riscos e exige das empresas privadas uma postura igualmente evoluída. Licitar deixa de ser uma disputa pelo menor preço, e passa a ser estratégica, alicerçada em capacidade técnica, integridade e compromisso de entrega.
Da competição ao relacionamento institucional
Logo de início a nova lei desloca seu objetivo principal do foco da vantajosidade isolada. Agora, muito além do fator preço, aparentemente a intenção do legislador foi que as licitações passassem a buscar o resultado útil para as aquisições - e é nesse ponto que as empresas podem se destacar1.
A lei não fala simplesmente de “compra mais vantajosa”, mas pelo contrário, inclui o termo “resultado”, não à toa, para demonstrar o que efetivamente se busca.
É por este motivo que defendo que as organizações devem dominar planilhas de custos, gerenciamento de riscos e controles de margens, para conseguirem apresentar uma proposta que não se distancie dos resultados pretendidos pelo Órgão.
São essas empresas que se tornam, na prática, parceiras institucionais do Estado - não apenas fornecedoras eventuais.
A nova fronteira: As Organizações Sociais (lei 9.637/1998)
É visível o crescimento das OSs - Organizações Sociais como instrumento de parceria entre o Poder Público e entidades privadas para saneamento das necessidades públicas.
As OSs, instituídas inicialmente pela lei 9.637, de 15/5/1998, são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades são dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.
A atuação das OSs representa uma nova forma de gestão compartilhada de serviços públicos, especialmente nas áreas de saúde, educação, cultura, pesquisa e tecnologia.
Ao contrário das contratações regidas pela lei 14.133/21, a relação com uma Organização Social se dá mediante contrato de gestão, instrumento que substitui o rito tradicional da licitação por um modelo de seleção pública e qualificação institucional.
É um modelo que, embora previsto há mais de duas décadas, se alinha perfeitamente ao espírito da nova lei de licitações: a busca pela eficiência e pelo desempenho na prestação dos serviços públicos.
Empresas e profissionais que desejam atuar nesse contexto precisam compreender que a parceria com uma OS não é mera terceirização, mas uma forma de co-gestão pública, em que indicadores, metas e resultados substituem a burocracia documental.
O papel estratégico das empresas na nova era
Ser parceiro do Estado exige compliance, transparência e eficiência, mas também visão estratégica: entender que o poder público busca mais do que contratos, busca entregas sustentáveis e mensuráveis.
É por isso que a exigência legal para que a composição das OSs sejam integradas por órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral.
As empresas que compreenderem essa mudança poderão atuar não apenas como executoras, mas como solucionadoras de problemas e necessidades públicas, integrando tecnologia, gestão e inovação aos serviços contratados.
A soma desses dois instrumentos - lei 14.133/21 e lei 9.637/1998 - se bem constituídas2, desenha o cenário de uma Administração Pública moderna, contratual e baseada em resultados.
O futuro das contratações públicas no Brasil será marcado por integração e profissionalismo.
1 O art. 5º da nova lei é emblemático ao prever que “as contratações públicas têm por finalidade assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de maior vantagem para a Administração Pública”.
2 Pretende-se produzir manuscrito com o passo-a-passo para constituição de uma OSs e para sua qualificação.